30 dezembro 2010

negrim

eram meus.
meus sonhos em passos
de romaria passando brandos
em dança moças flores de perfume e incenso

crianças e suas asas invisíveis
seus pequenos pés que não tocam chão
flutuam e fluem
pela leveza do ódio
pelo peso do perdão
que deus também inventou
a dor que carregam
tão
longe lá no mar trouxe da nau
o homem
e até a mata mais densa
e a do mais alto cume se curvaran
ao gume da sua faca

descalço as mulheres
pisam o
chão ennxarcado
de sangue
lavam a roupa
na pedreira
do rio

se é noite
fogo
se é fome
tempero
de cheiro
do mato
um bicho
de sangue
morno
e que oxalá
sua carne
se rasgue
em nossa
dentição

oxalá nos proteja de toda escuridão
toda escuridão
da noite
e desses
monstros
que cruzam o mar
de vastidão

28 dezembro 2010

O canto da sereia

Quanto mais esticava a corversa mais puxava pra trás os cabelos discretamente arrancando os fios grudavam no sorriso melado de batom. O chiclete grudava demais o casal de colegas que chegaram justamente quando quase ia se levantando.
O coração buscava os ares lá de fora em urgência de bater descontrolado ou parar. A boca seca numa leve explosão sanguínea, um derrame cardíaco. Enquanto lá fora o cheiro de cerveja gelada na boca sorrisos e camisas floridas entreabertas deixando o peito bem exposto a quem quisesse entrar, cabia todo mundo, cabia estrela, batuque, menina, flor.

Tinha ansias de dançar mas o noivo não se movia. quedado tranquilo dentro de um sossego espiritual, satisfeitíssimo com o retiro social. Como quem não quer ver sequer queria estar. Mas seus quadris inquietos e a cantoria longe a embalavam das pontas dos pés até a boca do estômago. cantarolava agressivamente doce pra dentro entre os dentes. A cadeira de espinhos a atingia em pleno olho, olho buscando doido os rodopios dos vestidos de cores das flores do samba e o seu vestido sentado murcho na cadeira.

Disse fingindo calma ir beber água. Foi ao banheiro se olhou fundo. Limpou o batou da boca, soltou os cabelos e jogou muita água na cara, sorriu bonita, sorriu a dentes plenos e seus passos eram lépidos até o palco rodopiou e sambou com deleite dançou até se esvaziar cansada de si diluída no suor calou todo atabaque enlouquecido tocando dentro do peito sem parar nem pra beber água. Prestar atenção no mundo a cabeça ainda girando girando o noivo veio lhe recolher totalmente pálida os braços moles e bem presa pela cintura foi sendo arrastada firme e amorosamente para fora, para longe do público aquele rosto selvagem vermelho que todo mundo via.

De pouco iria adiantar. De pouco em pouco a aflição crescia porque o futuro, que era mesmo? ele exercia uma pressão vertiginosa de queda seus braços a sufocavam até parecia um alçar voo bonito mas ela intuía tudo. A mil anos luz lá longe sabia mais que ele -mais que todo mundo -que o amor era precipitado precipício e que todos a empurravam sorrindo plácidos para a fila das mulheres grávidas, empazinadas e felizes.

Não era mulher de tipo feliz. Era de sangue quente de sangue cativo. Suas veias vieram sinuosas de longe lá do nilo e de pés descalços brincando no chão, com as pequenas ervas rasteiras beio de onde não restou ninguém. nem história, nem passado, nem folclore pra contar sobre seus antepassados e lendas fadadas ao esquecimento simplório do cachimbo.

Para ela todo mundo era reino e dançavam nus sem as asperezas da areia do mar e ela ria rios e cachoeiras. e ao cair da noite brincava com outro na rede a balançar. Balançando embalava canções para estrelas, para a noite Infinita. A rede de bananeira. Depois batuque, batuque a noite inteira.

No carro ela pediu para lhe acudir abrirem os vidros pro vento entrar. Seu vômito era amarelo e amargo na garganta. Ao longe sua noite tão livre ia ficando pra trás. Ela se lembrou num lampejo de luz que a fez cegar quase tocou seu vestido de infância, e se lembrou chorando do quando gostava - o quanto sonhava- de dançar.

quem pode evitar

o silêncio bastava
um minuto dele já
ofegava brandamente
o ar rarefeito
-e quente

do silêncio
ávido
enchia os pulmões
mas era leve
leve
como
ninguém te vendo
absolutamente quieto
podia até
tocar as mãos
de um anjo

21 dezembro 2010

O nome da Rosa

um nome aveludado
lasca
lápide
lapidado
túmulo do que brilha dentro
do nome
fulgura
faíscas de
fascínio

rompido
adereço
contorno
de nome
inteiro
e cheiro

de tudo que
procuro nas
livrarias para me livrar
na hora do ah
na hora do orgástico
domingo ansiar
enrolar os dedos nos
teus cachinhos
da paz
nos teus
cachinhos

a mesma
cena
te enlaça
morena
a sombra
desse nome
de guerra
o mesmo sol
que abrasa
tua pele
bronzeia
quando
se banha
no mar

13 dezembro 2010

orgânico

seus
dedos de terra
rainha
sete copas

a primeira rama
do que virá a ser seu
reino
de abóboras

redondamente
picadas
com coentro e
salsa

brota
tudo fresco e
orgânico
como no
workshop
de hortas caseiras

que seus dedos de terra
aprenderam
a plantar centeio
colher
saudade

11 dezembro 2010

Noi

In mezzo alla tempestá
your and my heart are together
Nel fine di altra humanitá
your and my heart are together
nella guerra e nel fuoco
your and my heart are together
tra le luce della città
your and my heart are together

30 novembro 2010

zimbauê

tudo que queria te dizer
era
vamos embora,
zimbauê!
pra muito além
desse monte
de bobagens

talvez até pra além de você
a gente encontre
uma moça
morena
vestido
simples
de algodão
e laço
e
a gente brinque
de amor
de rede
e de abraço

quero te beber, Zimbauê
num copo sujo de saudade
toda
gelada e
cremosa
sem hora
de ir
embora

Zimbauê:
eu o sol e você
toda
senhora
de si
a sorrir

aos outros
não saberia explicar
porque parti
seu
coração...
talvez porque você tenha
recolhido todos os
cacos
do chão

aqueles passos lassos
que
jamais
passarão

meu coração batendo atrasado


perdeu o ano
o número
e o endereço da sua
casa

talvez você more nas montanhas
talvez viaje para a
praia pra
beijar o sol na boca
beber
a água
salgada
do amor

29 novembro 2010

Do desejo

Porque há desejo em mim, é tudo cintilância.
Antes, o cotidiano era um pensar alturas
Buscando Aquele Outro decantado
Surdo à minha humana ladradura.
Visgo e suor, pois nunca se faziam.
Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo
Tomas-me o corpo. E que descanso me dás
Depois das lidas. Sonhei penhascos
Quando havia o jardim aqui ao lado.
Pensei subidas onde não havia rastros.
Extasiada, fodo contigo
Ao invés de ganir diante do Nada.

Hilda Hilst

vento

ele é um lindo
sorriso vindo
me chamar

pra brincar
na janela
me chamar
outra vez
me roda levanta voando o vestido
me leva no ar

me leve
me ergue
moleque
levado
sorriso de céu
sorriso de céu
será que se deus quiser
tu não há
de vagarosamente
me penetrar
os
sentidos

jovem
coração
alarido
trovão
e tem sabor
de raio
nas mãos


olhos de céu
azul
a me olhar
pra lá e pra cá
dança
e roda ciranda
com a ca poeira
que o sol
levantou
no ar

10 novembro 2010

Mr. Walker

o corpo de uísque à luz neon é blues
seco sem gelo sem açúcares
vidro sentindo frio
aos avessos
vai, João, em
teus trôpegos tropeços
em tua capa
contra o vento
na ferida despida
de cachecóis
luvas
e sobretudo
dos olhos
doloridos

um odor
amarelo
sabor mescalina
espalharia
feito cancro
feito néctar
o aroma
da melancolia
que a dama sopra fria
em expirais
azuladas das narinas

toda sua dor
escondida
nessa sua pressa
nessa pressa
de diamante

João,
teu sábio charuto
teus másculos
músculos maiúsculos
desejando a mulher da próxima
esquina

que beija a cigarrilha
borrasse de batom
lábios perfumados
que bem poderiam
encontrar
uma ponta
de interesse,
querido,
nos teus argutos sorrisos
como antes já havia
se esquecido de como era
antes
do seu corpo se tornar
vidro...

09 novembro 2010

silvia

silvia espera o ônibus. olhos flácidos de quem não dormiu direito a noite. envoltos por olheiras profundas como noite gelada sente o vento secar suavemente seu rosto. observa ao lado pessoas que fingem pensar alto enquanto apenas sussurram sonhos sozinhas.

tem perfume de manhã. sorri inexpugnável e de rosto opaco- colorido de manchinhas de cigarro. quando está apaixonada pensa em suas manchas como sardas. e tem os dentes bonitos de leopardo.

escuta o rapaz de tenis, barba e mochila escutar o fone de ouvido. é bom dançar de olhos fechados. amar de olhos fechados. amar até fechar os olhos e enxergar o outro de olhos fechados.

não importa os juros o que importa é carregar o vermelho indiano, com franjas douradas e contas de rudráksha e sandálias de couro delicadamente torcidas nos pés como quem exibe uma ave exótica. uma ave leve. a rainha do circular urbano.

sentou ao seu lado uma moça tingida de ruivo nos olhos rápidos os dedos rápidos no celular enviando mensagens instantâneas@

imaginou esses dedos ágeis as unhas bem polidas ao piano, em sua vulva; o rosto sério e compenetrado. a mão trêmeluzindo no celular ia apagando fotos, e-mails, perfis sociais de um casal sorridente rodeado de amigos -todos com caras bêbedas uma praia ensolarada ao fundo de um mar esverdeado. dava pra sentir a brisa daqui.

uma a uma, força nas teclas, delete, delete, derrete ele. mas os dedos ágeis deliciosamente pálidos e compridos.

um velho olhava as fotografias do jornal. era óbvio que via apenas as fotografias e não estava lendo o jornal porque seus óculos não funcionavam mais. uma vez lhe perguntou as horas. e ele olhou pro relógio com cara de espanto, como se fosse criança e não se lembrasse o próprio endereço. admirou o punho um tempo, aquela bola de cristal que não se comunicava mais com ele. como deveria ser seu mundo embaçado agora? cheio de traços e cores disformes? depois de olhar, murmurou algo pra dentro de si mesmo e finalmente fingiu que não a escutava mais . velho cegueta. escondido atrás do jornal.

o velho cegueta:

de manhã vai à banca comprar jornal. todos dias. desce no ponto em frente à lojinha de roupas usadas-nos fundos mora uma mulata que costura, tem lá seus bons sessenta anos e é muito bonita. boa de fogo e fogão, caprichosa nos sorrisos cheio de dentes e um rosto alumiado de gratidão. ela o espera com um bule cheiroso de café e um aroma cremoso de pão. toda manhã. o velho não casa com ela porque tem uma esposa doente. é sempre assim, de dia feliz com a mulada, de noite humilhado ao lado da mulher. não escolheu nem a alegria nem a tristeza, fica vadiando entre as duas e sua aposentadoria escassa.

o velho a percebe percebendo-o raspa o pigarro da garganta e cospe um catarro verde escuro espumoso formando uma pequena poça de ranho muito próxima ao seu próprio pé.


um suspiro aliviado irrompe o cansaso de silvia. lá vem o casalzinho. ela os chama assim: casalzinho. no diminutivo porque têm rostos de criança. sempre cansados, atrasados, perdidos. será que os dois têm insônia? o que fazem tanto durante a noite que os deixa de olhos tão baixos, vermelhos, lábios ressecados e os ombros murchos?

chegam sonâmbulos. procuram um local silêncioso e morno e esperam. o ônibus chega, ela embarcar e e ele volta pra casa -os mesmos olhos baixos. acende um cigarro então assobia pra um cachorro que surge do nada e o segue abanando o rabo, feliz. e se vão sempre não se sabe pra onde. silvia se perguntando sempre.


o rapaz sonâmbulo pisa no cuspe asqueroso do velho. seu tenis desliza um pocuo deixa um rastro de lesma atrás. quase escorrega, mas seu braço apoiado do dela não deixa. eles são assim, um escorado ao outro como se não pudessem com o próprio eixo.

todos os bancos de espera estão ocupados, raramente eles conseguem se sentar. então ficam de pé, exaustos. aposto que as pernas moles. estão sempre cansados. o braço cansaço de um no ombro exausto do outro. e fitam o abstrato. com os olhos caídos. isso é que é apoio mútuo. camaradagem...

embora ela se esforce todos os dias para envesgar até não enxergar completamente nada, apesar da grave miopía que só corrigia para ler livros, seus olhos desafornudamente cruzam com os dele. e o rosto cadavérico vindo das profundezas das trevas tão lindo, tão lindo, tão pálido ali de mármore o moço-pose-de-árvore. sempre deglutindo um livro. depois que seus olhos se acham os dela não procuram mais.

ele tem a expressão facial de raízes expostas aos intempéries mas que resistiram honestamente às tempestades. uma tolice a dela. esperramada esperando o coletivo que não vem, não virá.

ela imagina que ele a vê bonita, mas sempre fatigada , sempre destruída por buscas noturnas que não combinam mais com a idade que tentava romper o último fôlego da juventudo. sua pele opaca, mas jovem, suas manchinhas invisíveis de cigarro, sardas. seus seios firmes, suas coxas grosas e cremosas.

ele a desanimava um pouco, não que pudesse realmente desviar o olhar, mas gostaria

de saber com certa urgência se estaria sempre esperando, se sua vida seria toda perdendo e achando os óculos e se os sinos badalando dentro da cabeça um dia iriam diminuir o tom desagradável de voz

e se quando cansada de não fazer nada ainda teria de sair pra pensar fumando pra chorar em silêncio a céu aberto. estranhamente exposta à galáxias e outras vidas e obscuras possibilidades de matéria que poderiam vir a ser todas dela neste planeta se soubesse sair da casquinha de ovo que inventou pra poder ser mole e viscosa por dentro.

um dia ela ouviu dizer que se ficasse tempo suficiente olhando as estrelase iria virar luz e voar luz voar anos-luz até aparecer no céu também.. acreditou porque tudo que ele dizia tinha a boca bonita dele -na qual ela confiava com calma. para além do que até agora tinha sido. seu primeiro amor estava...onde? ah, sim, casado.

estava farta das obviedades platônicas deste então. bom mesmo é puxar o homem pela barba. esse tesão desavisado que vem, vai e volta para suas pernas cruzadas em pose de não, um livro projetando a dor do peito para as páginas e os óculos grossos ocultando um olhar fino para sempre cega a todos as guloseimas do amor, cega à placa de contra-mão que: tuuuuuuum!

e buzinas frenéticas de carro rasgando seus ovidos.


tirou-a do transe de si e lá de longe ela viu todo mundo vendo um pouco mais despertos pelo susto o ônibus se aproximando e o acidente la atrás duas motos que sairam se ofendendo, sem machucados, sem pressa, sem a alegria do ônibus que vinha e abafou tudo isso.

começou a ventar forte. nesta mesma hora. uma hora em que a reladide acorda. ele foi obrigado a tirar sua fuça do livro e ver o mini-tufão de poeira trazendo folhas secas e guardanados sujos de mostarda pelo céu. a terra revolvida formou uma pequena nuvem de pó nos olhos. o outono. o vento levou alto as folhas mal arrumadas da pasta frouxa de silva e ela tentou agarrar o que pode soltando gritinhos de desespero e o rapaz de fone de ouvidos ágil como um gato saltou sobre algumas mas desistiu da maioria assim que o vento soprou ainda mais forte.


o vestido de silvia e suas folhas flutuavam alto e longe...

acompanhou com olhos mocos todo seu drama. o ônibus freou soltando uma presão de ar para abrir a porta como um suspiro mecânico, como um paquiderme de aço. os passageiros começaram a subir. não poderia mais alcançá-las.

enquanto subiam como um bem comportado rebanho ela se sentou procurou na bolsa uma pequena garrafa de conhaque que tomou com fé e coragem enquanto alguns olhares estarrecidos se voltaram para trás. todo seu trabalho de um ano inteiro.

pensou que a olhavam estranho. ou pensa que olham sempre achando que vê o que de fato não existe realmente achou que quando voltava de onde? da faculdade, a pé, sozinha. era de noite e alguém a seguia. um homem mal intencionado e não havia ninguém. olhava pra trás. ninguém. só podia ser um fantasma. riu dos seus papéis perdidos no vento. riu porque estava um pouco bêbada e muito desesperada. era o trabalho que iria apresentar assim que chegasse atrasada, a sua defesa de tese. sempre atrasada.

o velhinho e seu jornal se adiantaram para a cadeira dos inválidos, jornal embaixo do braço, o rapaz de barba e fones de ouvido passou por ela ignorando-a, como se fosse invisível. jamais poderia sorrir bonito pra ele, mostrar seus dentes de leopardo e agradecer sua tentativa patética de ajudar com as folhas. jamais.

ele se sentou ao fundo na última poltrona disponível uma mulher obesa lhe obliterou com as nádegas, não, foi com a bunda mesmo, e enorme. todos de pé, o homem de rosto magro e cadavérico de olhos vidrado na janela ou em alguma pira muito interessante dentro dele. o livro na mochila.

somos uns zumbis sonhando novidades passo penso distraída pela Vidigal. garoto idota, não me olha nunca mais. foda-se. silvia desceu e lá se foi ele nunca soube nunca saberia pra onde nem porque ele ia se um dia desaparecesse pra sempre, no entanto, ela ainda o amaria...até perdê-lo de vista, ela...

chegou esbaforida. levemente descabelada as pupilas dilatadas pelo conhaque o hálito um pouco cítrico os corpos confortáveis da platéria esperando que a louca se dirigisse ao anfiteatro. era curioso como seu coração acelerava num remorso paranóico como se houvesse acabado de matar alguém e todos ainda pudessem notar a camisa suja de sangue, os intestinos se contorcendo dentro da barriga e os gestos crassos de uma assassina.

vomitou seu discurso previamente preparado sob a pressão do dia anterior sem as folhas, sem a segurança que tinha diante do espelho pra platéia imaginária. fez o que pode, enrolando o menos possível., meu tempo bateu cravado, quinze minutos. duas garotas se aproximaram com cadernos tinham anotado tudo o que disse.

eram colegas de convivio forçado, sorridentes, deram os parabéns. isso é chato porque depois você tem de arrumar uma situação para dar os parabéns também e nunca acontece uma coisa dessas porque jamais ela fica até o fim das apresentações acadêmicas dos colegas, então permanece numa inútil busca.


pensa em convidar uma das garotas para tomar uma cerveja no bar daqui a pouco, depois dos autógrafos quem sabe lhes dá os parabéns também, caso aceite, mas... elas recusam com um aceno já quase do lado de fora, impacientes

e provavelmente sentem inveja da abstinência sexual de dois meses pra mais, muito mais, e da quantidade exorbitante de alcóol que tenho ingerido antes durante e após as refeições ...

e falam mal de mim no refeitório quando não possuem o privilégio de almoçarem em minha silente companhia.

o coração de silvia ainda batia acelerado quando um homem com a cara vermelha e dentes que pareciam implante de porcelana lhe ofereceu café pelando num copinho plástico. junto a um sorriso embaideirado e americano. tinha sotaque. simplesmente adoráveis os quarentões americanos e seus óculos enormes que vinham ao brasil duas vezes por ano em encontros obscuros sobre literatura moderna e aprendiam coisas tão inúteis e exóticas quanto o português e liam coisas como Grande Sertão: Veredas.

tinha como marca-livro um papel dobrado escrito com tinta vermelha: "fruto do mundo somos os homens... pequenos girassóis os que mostram a cara".


05 novembro 2010

Frida

estuporou em sua boca
feito ferida de sol
espalhando-se ácida dos lábios pra língua
faringite bola de pus
mas era só
um beijo

do coração ao sexo.
de coração contra o coração

seu véu noturno
teu lunar na testa
tuas vestes
de estrela no infinito espaço
da noite
que é tua

teus seios ondulantes dunas
do deserto e de olhos despertos
seus seus seus
seis mistérios
da besta
cravada em minha carne
a miragem de um
oásis
em contração
de parto

seus risos riscos seus esmos
são como cartas
embaralhadas
que de tão tortas
não valem
nada
e até
a cartomante
lança os dados
no futuro
um buraco escuro
de carpete espesso
no qual limpas
a sola
dos teus medos


nem sei mais se
desejo dormir
ou acordar
na tua pele
tudo se repete

até teu beijo
não arrepia mais
os seios ventam no cabelo não vêm
mais teu gemido rouco na madrugada
rasgar o fino
silêncio
da manhã
imaculada

04 novembro 2010

bar beer boom

aqui até parece que tá muito bom
bebendo vinho ouvindo um som
todo mundo aqui parece especialmente só
quero me divertir
beber passar um pouco além
da conta em mim
um segredo de Gioconda
o seu sorriso
é um escudo-esconderijo
seu sorriso é superficial
quente me derrete até
as pontas dos cabelos pelo chão
da cidade
brilhando as suas novidades
as luzes da cidade vão
me enganar
porque:

aqui até parece que tá bem legal
fumando um etecetera et tal todo mundo aqui
é uma estrela
em eclosão

a cidade brilha
suas novidades
as luzes da cidade vão
me enganar de novo
e eu não vou
dormir porque

o seu sorriso
escudo-esconderijo
me derrete e pinga
pela ponta dos cabelos
da água da
chuva
que
cai...

31 outubro 2010

baile a fantasia

teus medos tocam vagarosamente
minha
pele roçam meus
cabelos sentem
arrepiados
o hálito
da tua boca quente

se ousasse
sugar teus
fluxos
de saliva
minha
língua
bailando
com a tua língua
uma lambada
num beijo

me lamberia
em labaredas
de corpo
inteiro
me entregaria
à fogueira santa
dos teus

pecados

divinos

os sinos os sins
os sinais
que teu corpo
oferece

e recusava
fria


mas hoje

com a mais pura e sincera
alegria

meu ventre vai

te receber

com

ânsias

de filia.


29 outubro 2010

manteiga derretida

derretendo em lágrimas. quanto mais elásticas eram as pernas mais suave iam magricelas como na infância.

inventava felicidades clandestinas. mas desde mocinha a estranhez dos estranhos lhe causava uma espécie de abatimento na boca. o rosto se fechado tomado por timidez ,não sorria. mas não era tímida, ao contrário, sentia-se capaz de tudo.

todas as palmas e todos voos e seus vexames seriam dela e de sua natureza extravagante, não fosse o ressabiamento, uma intuição a respeito do medíocre humano, que lhe permitia parecer normal, quieta, brusca. para ela era como se o mudo a lançasse em cena sem ensaios. e isso era tão enorme que não sabia como dizer nem quando por isso aos poucos foi recolhendo os ombros disfarçando a beleza diminuindo o próprio brilho e inteligência até se fundir aos demais, a massa cinzenta e apaática.


ela seria como uma delicada flor em meio aos espinhosos cactos ressequidos daquela terra seca e avermelhado fosco feito talho de sangue.

seu corpo saudável tomava mostruosa formosura e logo seus cabelos compridos brilhando lustra não passariam incólumes seu corpo morno e ao mesmo tempo receptivo andava selvagem em suas matas virgens e espinhosas, as que só ela conhecia as trilhas.

escolheu prontamente a postura cômoda do esconderijo. embrenhada no mato, não devia satisfação a ninguém. banhando-se nas cascatinhas, nos poções d´ágia roubando manga, goiaba e cachos de bananinha ouro.

mas queria ser feliz, em outros universos, como queria. só não sabia isso que queria o que era. as mãos se fechando em ardores de corpo a se abrir pétala por pétala na ansiedade claustrofóbica de chegar a um gozo muito além dos cinco minutos de sorvete., de fruta lambida, de língua de menino dentro da sua boca.

queria o gozo calmo de estar queita e compreender. mas não podia ser ela mesma, porque ela não compreendia. tinha ânsias por chupar todos os dedos, todos os cigarrostos todas as garrafas as mulheres todos os bombons todos os licores de macho matar a sede de viver como quem procura algo, uma ramo, uma galho de salvação, que há muito já deveria ter crescido dentro.

mesmo que de mentirinha, era divertido se divertir. como quem esquece o assunto porque já se tornou parte dele, suas misérias eram íntimas companheiras, então vivia e era feliz. ás vezes pegava bicho-de-pé, as vezes, cocheira braba...

certezas não tinha. apenas as que vieram desde pequena e foram ficando esfiapadas como os vasos de louça da sua avó, tão lascados. tentando sempre agradar ao pai recebendo com parcimonia o ciúme que disfarçava de proteção. e da mãe, aceitava a loucura. o cheiro de sarro e fumo.

cinco minutos de sorvete. gela a língua arrepia o pescoço escorre no pescoço e então acaba. espumava pela boca pois pretendia se safar pela força de seu espírito, através da perspicácia que lhe ensinaram as agrúrias, a sobreviver às nuvens fofas que não se importam com suas dores. ela no final quaquaraquaquá...e dormiria embaixo do pé de cedro sem se importar com as formigas e vinham beliscar suas bochechas.

sairia ilesa das recorrências da sua vida. mas apesar de ensaiar respostas sagazes a altura de qualquer um, não se saia bem falar com os outros. não adiantava espernear. talvez um dia pudesse abrir a boca sem parecer ridícula, talvez um dia sua beleza fosse tão maior que qualquer maldade e brilharia como a rainha que era, como a rainha da paz.

quem era ela afinal? por que era capaz de tanto e de tanto pudor em seus sonhos e tudo se deteriorava horrivelmente quando a realidade vinha lhe passar a perna, quando a vida vinha lhe cuspir na cara?

na superfície da língua as palavras escorriam quase em pensamento alto a testa franzida demais para uma garotinha de onze anos. andava para lá e para cá por dentro se oprimia como se faltasse fôlego à pálida alegria. fatiga branca, amarelada, fatiga de ser bem mulher, os peitinhos despontavam em caroço dolorido e o corpo enroliçando.

recolhida em seus ombros, entorpecia a mente com livros, um inventices. tremia com batidas fortes de coração quando o touro cobria a vaca e a cadela lhe deixava passarem a língua por vários machos.

por aqueles dias já pretendia cometer um crime. qualquer um. e conhecer homem. abnegou cedo a polpa da fruta mais doce. chupava escondida e só mangas verdes embaixo da mangueira. e espetava os dedos nas rosas só pra ver cravados fundo e esfolados os dedos como os estilhaços da sua vida. e chupava o sangue com gosto e passava horas sozinha, como se não existisse, tão linda, uma margaridinha selvagem que ninguém colhia, porque se escondia nas ramagens ruins.


caiu e quebrou. lembrava muito bem a manhã fria da tragédia. o retrato de vidro caiu da mão da criada. a mãe veio feito ave de rapina pra cima das duas. ela apontou com os olhos pra criada que já esmiuçava um choro desculposo, a voz da mãe estalou feito chicote tamanha era sua fúria.

a foto adornada à vidro, da família toda quando haviam passado férias em praia chiques comendo queijo e batata frita. os pais lhe deram a ela e aos irmãos todo o sorvete que quiriam.

o irmão mais novo era tão lindo seu pai sua mãe bonita seu pai às vezes desaparecia seu irmão tão lindo tão apaixonada por ele sua mãe ainda bonita mas com olhos assustadoramente pretos diferente dos olhos do seu pai que eram verdes e calmos.

o que mais podia se lembrar eram os sapatos de sua mãe, vermelhos em volta como se fosse um animal exalando fumaça pelo hospital os enfermeiros a afastavam mas suas unhas compridas feriam braços, rostos, pescoços. acendia um cigarro berrrava com as enfermeiras parecia louca repetia sempre “seus canalhas desgraçados” um empurra-empurra até que o pai surgiu rindo. todo desabotoado. de barba crescida e um sorriso amanhecido na cara. então tudo parou. tão mole. as pernas moles os rostos derretendo. não sabia bem porque mas continuou sentada as pernas elásticas pulsando até tudo amolecer quentinho quase delicioso o líquido amarelo escorrendo morno dentro o coração acelerado vibrando de prazer mas o rosto tranqüilo quente pelas pernas amarelo morno pingando no chão e depois o tapa.


derretendo em lágrimas.


sua mãe lhe esbofeteou num estrondo desistiu de arranhar os enfermeiros e fez com que todos voltassem seus olhos para a cena principal e sua pequena protagonista: o tapa na cara. depois outro . três, vários no corpo nos braços quando pegou furiosa os sapatos para lhe cravar os saltos na carne o pai então a esmurrou bem no queixo na frente de uma platéia atônita. ta pegou no colo seu cheiro era de perfume doce cigarro todo o corredor do hospital lhe pareceu sombrio a enfermeira veio impropriamente anunciar que o irmão havia falecido. sua mãe desmaiada só uma semana depois soube o que havia acontecido.


sua beleza era estranha. e quanto mais estranha mais legítima e vigorosa. seu pai tão lindo charmoso e violento. sua mãe era a bruxa malvada rica que matou o irmãozinho porque não o levava para o hospital, sua avó dizia. ela se deitava na cama e sofria. sua avó paterna não tinha marido dirigia carro e odiava todo mundo exceto ela. exceto ela que era o amor da sua vida. não queria mais que ela morasse com sua mãe, aquela mulher. aquela cadela. dizia também que ela era uma cadelinha quando brincava de bola na rua escondido com os meninos correndo descalço sujando a testa de terra. por que não o levou para o hospital? por quê? por que não o levou antes para o hospital? vinha a avó puxar seus cabelos louros compridos até dentro do castelo. os meninos da rua não riam, como os da escola.

não. eles ficavam parados acompanhando com os olhos arregalados um deles, um dia, até veio lhe socorrer. trouxe um chiclete de melancia, seu único tesouro, e uma margarida apanhada do próprio jardim da sua avó e ela lhe observou isso, ele corou e teria lhe dado um beijo se. mas ela não pulou a janela aquele dia. jamais pulou. jamais pularia. mesmo depois, muito tempo depois.

também tinha seu tio bonzinho e lindo que lhe acariciava a cabeça dizendo que foi a vontade de deus que levou seu irmãozinho. ele a punha no colo e ela queria sempre sentar em seu colo. sonhava beijos. queria. no colo dele sentia suas pernas quentinhas. não era uma santa.

então depois da mãe vinha deus na listinha negra. e depois os homens. e depois os hospitais e depois o irmão que brigavam tanto que ela

se derretia em lágrimas. em segredo. porque não trocaria mais sua vida pelo quarto de brinquedos como disse uma vez. não deusinho, era mentira. mentira. eu não troco, não troco meu irmão pelo quarto de brinquedos, juro que era mentira! devolve meu irmão, me devolve ele, deusinho, que eu vou ser sempre boa pra sempre boa boazinha. rezava em segredo, rezava quando a casa inteira estava dormindo somente ela sempre acordada a vida inteira acordada como a mãe mais tarde teria olheiras roxinhas delicadas e aquele abatimento da boca que só a deixava mais triste e bonita.



27 outubro 2010

chantilly com morango

aposto que perdeu seus óculos
e vai ficar por todo o domingo
arrastando as pesadas patas
mastodontes
entre a geladeira e o freezer

checando as listas.

aposto que não gosta dos convidados
porque não pode coçar as próprias
costas nem vai conseguir ler um
livro ficará sonsa
quando apagarem a
velinha o fio de cabelo
grudado nas costas coçando ela não vai
comentar com ninguém mas vai escondida
tirar a blusa
e se esfregar
na parede
uivando
um riso.

25 outubro 2010

Loteria da Babilina

a Chave que te abre
fragmento por pedaço cada
melodia cada traço
da tua voz

é um beijo desperto

além do gesto
até nas fantasias em que vinhas
próxima da minha falta de efeito
do meu turbilhão lacrimejante
e estreito

áspero enquanto a política
corre atrás do
ladrão
e o dia não muda nem a paisagem
eu sigo
sem rumo
sem voto me volto para
distrações alternadas
e alterada me faço
vi-ver à multidão
e os turbilhões
das avenidas
peixe-urbano
mergulho
no dióxido
da vida

Romance auto-Astral

degluto engulo e vomito
toda semente de homem todo medo da solidão é
meu


abro minhas pernas para dar
a luz ao
dia
o meu rebento
nasce envolto em brumas
que o Ar dissipa

minhas asas voam em direção
às trevas infinitas
minhas luvas são estreladas
e a água que bebo
é de Iansã

as chamas
vivas em meu ventre
é o Fogo, o Sol, da
Vida
da gruta
escura que esconde
anjos criam
raízes em
meu corpo de pó
e de terra
o planeta
em que pisas
e me olha a lua
que não brilha


eu sou a Mãe do
Filho
eu sou a sacerdotisa
do Pai
humildimente
me curvo
me humilho
e jorro
meu líquido
nos mistérios
da vida

dou-te de beber
do cálice profano
da minha
virilha
te embreago
te enlaço
te Inicio
na
Suprema
Ciência
do bem,
meu bem,
e do mal
nosso
romance
astral

23 outubro 2010

Le Volcan

consumia-se num desejo atordoante de encontrar aquele pedaço de fita, afinal. era quase dia nessas horas sentia-se encurralado novamente teria de ir olhar como estão as crianças dormir um pouco no sofá esquecido da televisão caso não encontrasse. não poderia fazer muito suspirou calçou os chinelos os pássaros cantavam.

semanas antes recebeu um pacote pequeno contendo apenas um bilhete e uma espécie de bracelete. sabia que algo mais íngreme se preparava para sua vida. coisas horríveis vinham acontecendo sem que pudesse impedir. começou no sábado. não, era sexta-feira e chovia. alguns amigos ainda bebiam quase uma da manhã e seus olhos nem sequer procurariam mais por companhia tamanho o sono que era incapaz de dormir os olhos não se pregavam pálpebra a pálpebra. estavam bêbados evidentemente.

o alívio que o bracelete lhe trazia agora a faria viver aventuras a qualquer momento. obscuras, mas completamente dela. respiravam um ar denso de expectativas. todos pareciam se divertir as moças riam copiosas e folgazãs.

duas mulheres apareceram quase três da manhã dizendo que eu cozinhava bem o copo cheio de licor de cerejas que acreditavam ser algo como sobremesa. provaram meu molho rosé com muito vinho e queijo e paixão. é o sono misturado a falta de. casaram-se por tesão num tempo em que o tesão já tinha acabado restara os amigos que foram sugados às espensas e finalmente exaurida toda relação salutar houve surtos, abruptas partidas fugindo sempre daqules momentos em que você enxerga a pessoa como ela é, sem as mistificações da paixão e então se sente metade desamparado e metade entediado.

confirme iam envelhecendo os esforços não faziam mais sentido. concluiu que a fita havia sido roubada e saiu pra caminhar sem ter conseguido dormir, sem ter conseguido se alimentar há dias. há dias! ela não saia sem o bracelete. estava novamente apaixonada. estava novamente com seus delírios de adúltera irrecuperável. fazendo sofrer a família os animais com crises de chicote e ciúmes não admitia que estava ficando velha e que toda cena protagonizada agonizada, principalmente, por ela era ridícula aos olhos dos rapazes se afastavam alguns -até- faziam amor escondido com minha filha.

20 outubro 2010

Oz

se até as sílabas se insinuam
por entre a língua bifurcada
como um murmurio se soasse doce
e melífluo

voz rouca de muitos assovios
e madrugada profunda como a porta
do precipício

se você soubesse o eco de suas palavras voam
em anos luz
luminosos feiches que acendem apagam
cigarros nas xícaras usadas


sua v
o
z
é toda você enfeitada

forma desenhos esquálidos
em geometrias dimensionalizadas
além das medidas
exatas

voz de ousar pousos
e revoadas
repousa as mãos
nas coxas
macias como nas manhãs em que nada
em segredo
no céu
ou no
rio pelada

14 outubro 2010

Ox

sabe-se lá sábado eu vou encontrar
a fresta que dá pro oposto disso
atravessar o avesso desse
enigma

as túnicas sagradas de abrahão serão lavadas na próxima primavera
os ventos as levarão
para o mar

teimo em ler suas considerações principalmente quando o amanhã se esconde nos traços brutos desses marginais de súbito
o paletó enrosca nos muros em nós que fazemos pra disfarçar
abruptos no peito os soluços parece que tudo
anda direito

pro abismo final
somente seu
sinal fechado eu abro entro logo noto seus esforços arrumando a sala espero poder te explicar mas vou viajar pra aquela montanha que a gente via na capa do caderno
correremos como
búfalos selvagens

o beijo que não deste na semana passada ainda amarga a tua boca

se já amou dois homens
ao mesmo tempo amou
suas mulheres se não entende
como o amor se prende
ao outro

o seu coração é leve

se dormiu ao vento na relva
escura
se à noite ao lago
te deitas nua
só pra te banhares nos reflexos
da lua

seu coração de neve

se corria criança na chuva mansa andava
de bicicleta e se
de repente não sabe mais o que fazer
com as mãos se não se lembra
da nada melhor
para dizer ao seus
sonhos despe
daçados

se lá se foram bons amigos por cinismo
se quis ligar e -não sei -mudou de idéia
se já se despediu
quendo ficar mais seus motivos não
correspondiam
a alegria que de fato
e sentia ao mesmo tempo em que ele
tocando a sua mão
pedia
o beijo que não deste

13 outubro 2010

Retratos& Paisagens parte I

aposta nas mangas da camisa no perfume dos homens cheios de calor e cerveja
espera alguém deve agarrá-la fecha os olhos flutua no rio se enrosca nas pernas dele
algas fazem cócegas nas plantas dos pés pisa com cuidado à margem verde. olhos verdes
ou seriam azuis? ou tanto faz?

as meninas descarregam sacolas, os rapazes as malas, colchões, preparavam aparelhos para as fotografias. uma fotografava a outra. Ela desceu de óculos escuros e os lábios rasgados de frio que não sorriam. como se já sentisse saudade ou como se fosse se arrepender. o loiro desagradável que não falava muito com ela no carro acendeu a churrasqueira e duas garotas afetadas foram derreter seus queijos com ele.

pensou em como vinha de uma vez avalanche e até nos deixava triste esssa euforia toda de abrirem garrafas e mais garrafas espumosas de cerveja bem gelada no calor que começava a brotar do céu e da terra e todos muito animados ouvindo rádio
as moças saudáveis e rosadas. de onde vinham elas, que não se continham?

se luzisse apenas uma lua alaranjada maravilhosa e fizesse um calor sedento, tudo bem, mas havia brisa e perfume no ar. o entardecer prometia uma noite esplêndida. a primavera em cada pedaço de terra úmida criava uma completa intimidade e falta de comprometimento entre nós, total. livre de ruídos. só dependia delas serem mais divertidas. estávamos podre de cansados.

as senhoritas com sua selvageia inocente e prática colocaram logo biquinis e fizeram festinhas na água enquanto tinha de me preocupar com, por exemplo, a churrasqueira e a bebida que de vez enquanto atirava com sarcasmo alegre e divertido para cada um. uma lata estupidamente.
gelada. nada poderia ser mais suave. mais sufocante e demilidor. enquanto as outras se deleitavam a luz do sol quente ela se aproximou furtiva de mim e disse: amanhã, vou nadar contigo no rio. e sorriu. sorriso de sol.

ele finalmente se afastou e eu a vi nua no rio. pedaço por pedaço cada patrimônio e construção antiga dos meus complexos adaptativos foram ruindo como alguém que divide um segredo letal por pura idiotice. era óbvio que não me queria mais ali tentando tapá-la inutilmente, comecei a me sentir patético por ele. e resolvi dar o fora.

era simples a atração que sentia: por uns mais outros meros animais se acomodando ao clima. ela me achou antipático mas as mulheres são engraçadas assim mesmo. sorriem e seduzem e se não correspondemos automaticamente nos detestam só para seguida nos desejarem com mais força quase contra sua vontade orgulhosa.

rejeitei suas insinuações tolas e provisórias no carro só para tornar o sabor da nossa brincadeira marota mais gustativo. devia agradecer meu pudor precavido que impediu desagradáveis inferencias entre ela, o namorado e o outro casalzinho que viajava conosco no carro.

escureceu e começou a ventar mais forte. as pernas femininas se movimentavam com alvoroço para o banheiro. banhos, duchas, cremes para pele. perfumes doces e enjoativos. duas, três garotas entravam no banheiro de uma vez impossível não se esfregarem acidentalmente ali., pensei, caminhando sobre o aguaceiro que vazava pela fresta debaixo da porta saiam cheirosas e dengosas. a pele mais sensivel e delicada que o sol lambeu desde as duas da tarde. comiam bebiam e voltavam para seus jogos de carta, para o violão, para o bilhar. algumas conversavam no píer. aos poucos os risos diminuíam e as luzes foram se apagando. o casarão abrigava a todos com esmero e delicadeza os empregados limpavam tudo em silêncio -eram quase invisíveis. tínhamos a devida impressão de que tudo era permitido porque não ficavam entre nós. limpavam e saiam. para entrar, pediam permissão através do sistema de segurança. sabíamos de antemão tudo que acontecia lá fora.

e por causa do vento forte e a noite alta os barcos desamarrados foram conduzidos a um outro lado, inatingível. perdidos para sempre. os donos não se preocuparam muito, era como se tivessem apenas perdido um pedaço de papel com o endereço dos museus de londres relacionados. trabalho cuidadoso, mas sem importância. nada que não pudessem obter de novo.
havia uma quantidade enorme de diferentes tipos de insetos, rãs e sapos. a vida pupulava era difícil chegar até o banheiro lá fora pois tínhamos que atravessar a ventania e a cusparada de besouros na cara. na piscina alguns sapos se deliciavam na água até estendiam o convite, pateando as perninhas num nado sincronizado sorrindo com a boca enorme: venham , humanos, juntem-se a nós, os felizes! venham, mas tragam o copo cheio até derramar de alegria!

os rapazes estabeleceram-se em grupos maiores ou menores apenas uns poucos indivíduos podiam transitar entre os dois mundos, as duas mesas, dois grupos ou mais. eram os intangiveis. mais por incapacidade de acostumar-me com o que quer que seja do que destreza social ia bebericando aqui ou ali sentia uma tontura gostosa e vontade de terminar a noite dormirndo na grama úmida. sem que ninguém viesse velar por mim. mas ela me sacudia, quase sem nenhuma força o rosto pálido já era quase dia.

caminhamos em volta do rio esperando amanhacer ela sentia com as pernas mornas a água invadir seus joelhos ela entrava mais fundo a água subia pelas pernas ela se arrepiou na blusa os olhos tinham um certo brilho metalizado como a casca de um inseto. era um prisma. uma futilidade qualquer.

subimos pelas rochas. acontece que sabíamos do nosso descaso pelo magnetismo que nos mantinha ali calados caminhando descalsos sobre rochas frias. apenas nos preferimos . não precisava se transformar em constrangimento a leveza dos nossos dias juntos ao léu. pior que o transtorno que sentia no estômago quando outro cara se aproximava dela me empedia de comer, às vezes, no entanto, gostava do conversa com o namorado. cara gentil. estúpido. do tipo que não...?

depois de alguns tragos no cigarro dela entupido de fumaça me joguei na rede enquanto me balançava suavemente acordado olhava satisfeito para os macaquinhos na água ninguém parecia saber do nosso passeio ela se aproximou com força apertou meus dedos do pé. uma a um. com as mãos fartas de mim dizendo levanta, Pedro. quase em silêncio. me olhando sorria levanta daí com a cara de sapeca. vontade de agarrá-la, no banheiro. fazer cócegas . puxar seus cabelos decifrar cada pedaço dos seus segredinhos pérfidos. quantos mais? fiquei imóvel. ela chegou mais perto. levanta logo daí, vem nadar! vem! deslizou sua mão por baixo da rede pela minha bermuda eu a puxei pra mim e a deixei assim presa com as pernas pra cima. aos poucos todos foram se dando conta e apreciando a cena e riam , exceto o namorado que me encarava lúgubre e calado do outro lado do pilar da varanda. eu ria com tranquilidade, podia deixá-la assim para sempre. ela gritou solta! apertei-a com mais força só por prazer depois soltei violentamente seu corpo ela flutuou no ar jogou o cabelão para trás e se aprumou. estava muito vermelha.

bebíamos na mesma lata, faz tempo. era boa no bilhar. madrugada adentro o vento tinha dado tregua. as luzes iam se apagando. os risos diminuindo. fez que ia voltou furtiva na ponta dos pés. pra mim. então adentramos o estranho que é a madrugada. dos loucos e patifes insones. fumando aquele cigarro bebendo cerveja morna. jorrando energia um para o outro. apenas uma chama cambaleante de vela acesa. Ni se juntou a nós. puxou uma cadeira.

desta vez, ela estava livre. aqui fora conosco e com os insetos. ela era minha, quase toda.
- tá todo meio que dormindo, riu. vamos fazer uma fogueira.
- nós três! sugeriu ela como uma criança sugere uma aventura. levantou-se como se tivesse acordado de repente de um pesadelo doce, arumou a calça fechou a blusa que me oferecia seus seios e foi procurar lenha. na mata. Ni foi pelo outro lado, mamando um rum. uivando pra lua. ao encalço dela. o namorado dormia. todo mundo quase dormia. só nós três vagávamos sozinhos à procura de gravetos molhados na mata próxima ao rio, entre as pedras completamente excitados e levemente bêbados descemos pela trilha, nos livramos de alguns espinhos, dos fantasmas da casa de veraneio e, finalmente, da grama encharcada. no coração selvagem da mata, achamos um lugar todo nosso. Ni trouxe o violão que arranhava baixinho pra lua. estávamos todos apaixonados ao mesmo tempo.


08 outubro 2010

de passo leve para não acordar o dia

de tanta escuridão nosso carro parecia um submarino mergulhado dentro da noite
sem estrelas ria
de histeria
não há jeito para tanto escuro
esconderijo

cale deixe a boca imóvel e muda
o penteado dos cabelos vai enfiando os dedos embaixo
da minha
grama plantando-se na terra. os ombros curvos para dentro

falamos de sexo como bons velhos amigos. falamos
do que tememos ousar
fumar cigarro com os vidros
fechados. ela toma um gole de pilulas perde as chaves alguém grita

cale a boca deixe meu corpo esticado...na noite
eu a olho cada vez mais
a compreendo menos
espero quinta-feira chegar
para postar cartas
receber seus postais
esperar tua resposta
um único olhar
que me dissesse tudo
que eu não posso
perguntar

aos poucos os pedaços
dos nossos sonhos acordados juntos vão se misturar
ao cheiro de cana fermentada
que sai
da garganta
das vicinais

provocações

a vida é longa. ele não sabe que ela pensa que é curta. ele liga ela não sabe o que ele pensa. apenas pensam em si
bemol.

esse nó enojado de amor começou de surpresa às pressas mas ninguém precisava se estrepar. com cuidado vão sondando um ao outro um mundo estranho nocivo cheio de novidades.
as mãos quentes o rosto faz questão de rir sozinho à toa notam-se notívagos no meio da música favorita dela. não sabe sequer seu endereço. sequer o nome, da rua por onde descem trôpegos e meio depravados sobem pelos galhos estreitos de uma árvore antiga arrancam os uivos que a noite guarda.

convida a menina para o bar mais próximo encontra outra, uma amiga, e diz ainda diz que vai se apaixonar um dia ela pedirá em suplica em silêncio num revoar de ciscos que os dias passem mais devagar; não precisa mais ver meus discos já sabia que não voltaria a ligar exceto por algum equívoco.

por que a gente não pode amar a grama macia do vizinho?
por que a gente não pode rir sozinho?
por que só você faz sentido o vestido
de cigana lendo
o fundo de um copo de vidro diluindo
o seu pão no meu espumoso
vinho?

fuga ao tema

obrigado por me olhar
seu orgulho me disfarça de ventuinha faço de conta que sei contar piada no bar um assunto sempre leva
ao sono
temo que minhas mãos caiam pedaço por
abraços partidas
ao meio meus vestígios serão
encontrados
nos silêncios abissais da noite
em todos os rostos em riste todas
as mulheres solitárias que só se casaram de lábios
abertos para matar a sede

ela vai
sempre morrer ao lado da lei não
fugirá contigo
mesmo que os pássaros que voam dentro sejam tão azuis
eles não podem te
carregar pra longe
da dor de
sonhar

saberá tocar as cordas duras do violino quando a tempestade arrebentar as janelas as grades
as portas serão crepitadas ao som do fogo a fúria do coração escuro entrará pela janela arrebentando árvores
destroçando
planos para
o fim
de semana

ela escolhe os cabelos compridos
serão ceifados
ergue bem alto seus olhos são miopes miram as estrelas que poderiam poderiam...

grita aleluia enquanto as crianças fracas morrem esmagadas de fome

bloco de notas

feliz. tonto ao ponto de fazer rolinhos de papel com os dedos
apagar a bituca de cigarro na ponta do sapato e sair pra parar de pensar
em mim
atrasado

e correndo o terrível risco de perder a pressa
correntes elétricas passam por mim relógio xícara jornal
a jornada até

assino pego vidro bebo descarto gelado esqueço
que não passarei daqui a culpa é sua se esquece
de volta à casa estou mais confortável que nunca
respondo mensagens

faço as malas consigo
lembrar a tempo que vou viajar
fazer compras pra passar o fim de semana
inteiro
com a geladeira cheia
de segredos
ela não diz mais
porque quer ser capa da revista
tudo que ela precisa é se olhar fazer dizer pensar passar
o cartão na tabacaria
para mudar a minha vida
de lugar
comum a qualquer ensejo
em seu lugar
eu me daria um beijo com cheiro de
amanhã
serei apenas o que pareço ser

alguém feliz assim: cansado
de você e de mim

06 outubro 2010

das férias pagas pelo sogro Cena I

existem realidades distintas agora percebe nitidamente deitado na areia.
o corpo espalhado de sono ao sol lascante.
calor à flor da pele.

na primeira e mais óbvia ele é apenas um pobre diabo rico que nada consegiu na vida, absolutamente nada, todos os planos naufragados. a faculdade inconclusa. o matrimônio afogado na areia há anos não sabe o que é lutar pela vida. nunca soube. mas acha muito engraçado porque essa história de macaco, praia, jornal... todos reconhecem sua excepcional capacidade de apreciar, porém, notadamente, não possui (t)alento algum, tampouco adquiriu com o vexame de sua existência aquela tenacidade e perspicácia capaz de desculpar aos medíocres sucessos.
Ele sempre se vale de alguma esperança insípida nas madrugadas difíceis, nas poucas que passa com a família. promete rever seus hábitos insalubres e no outro dia está de volta ao bar aos lugares malditos.

sua mulher grita, quebra os móveis cospe uísque diz que ele prefere ser o eterno perdedor a se dar o trabalho de tentar qualquer ridículo, qualquer coisa para a qual não possua boa desenvoltura. você não presta pra nada. John Malcovich.

perde o foco como quem [sempre] esquece os óculos no táxi.

em outra realidade, paralela a todas, ele é apenas um corpo estandido na praia sentido prazer orgânico. o prazer da saúde gozada em férias. a brisa do mar do Caribe. eterno como o instante, ele se sente pleno ao sol. quando não adoece. raramente adoece. a realidade é que é um homem jovem e voraz. ama as mulheres e elas não resistem sua beleza física aliada ao poder de persuasão do desprezo que sente por elas. por tudo. todo desprezível despreza. todo perdido encontra a maior perdição dentro de seus hábitos vadios recobertos por flores plásticas que, não morrem mas empoeiram.

atrás dele, na terceira realidade, há uma mulher realmente incrível. linda. jovem. talentosa na cozinha, nos bordados, nas contas bancárias que só engordam. ela acredita. quer acreditar porque reconhecer o fracasso absoluto daquele túmulo adornado de músculos e um sorriso maroto significaria o fiapo de desastre que lhe falta para perder o controle. e ela precisa de controle. o tempo todo. se não vai enlouquecer. seus pais nem tocam mais no assunto "marido". porque ele nada mais é que um aspecto de sua própria personalidade. coloca os óculos escuros e calcula cada vácuo, cada passant à paisana que lhe acena com falsidade. tudo é falso. até seus dentes. exceto ele. e seus vexatórios. exceto o amor sombrio que inventaram porque tudo que é sombrio, afinal, refresca.

amor luminoso, ofusca. ela estaciona do Green Park e se esparramam na grama áspera. rolam de amor e depois se cansam até das novidades.

no fundo, ele é tímido e desambientado. está em uma festa esnobe, cheia de bem-sucedidos na orla da praia. estranhos todos os olhos parecem tecer comentários. mas, na verdade, não se importam. as mesmas cenas, os mesmos esbarrões. agora vem a cantora. ela bebe e está séria. ela expressa tanta paixão que enjoa. não se pode falar com ela por mais de cinco minutos. até quando é simples se torna insuportável porque quem a vê cantar um dia não consegue se aproximar dela. sozinha. pra sempre. amém.

sabe que não sabem seu nome, nem poderiam se lembrar. sua mulher, com paciência, recolhe seus cacos bêbados de alegria que se estraçalham pelas mesas bem adornadas. as noitadas de mentirinha. cheia de bonecas de porcelana, conversas de champagnhe em vozes de plástico, puro glamour e muito brilho.

eles se dão bem. há sempre um caso romântico arrebatador que os rouba do real que usurpa seus pés até a alcova alheia. e tudo fica bem, tudo ficará. até que a morte os separe.

04 outubro 2010

lugar comum

à meia noite uma garrafa enfiada embaixo do moleton velho. calças de ginástica preta fuma seu penúltimo cigarro no intervalo propício da rua, as últimas janelas se apagam.

os cachaças costumeiros estalam a língua observando o contorno de sua bunda. ela não usa calcinha. paga uma caixinha de fósforos. volta os pés quase deslcaços pede uma boca de pito no balcão o rapaz esquálido fedendo mofo serve café frio da garrafa. ela sorve num só gole gotículas de umidade enroscadas no emaranhado dos cabelos, brilham.

sua pele é fria e pálida. seus dentes são pontiagudos e azulados. os olhos exauridos. amarelo-esverdeados envoltos por delicadas olheiras azuis esnobam e cospem no mundo e a boca roxa -de frio-chupa cigarros cigarros...

é a mulher mais linda que já vi. parece-me uma menina perdida. os cabelos desgrenhados. óculos enormes. vai saindo, tomo um copo de coragem pergunto se. ela olha vê que não sou dali. não pareço ser. olha para o bar imundo. respira o aroma da boca de ralo baratinhas daquelas pequenas, não sei se uma raça menor ou filhotes- correm ao redor de seus pés. não passam por eles, são muito brancos com veiazinhas azuis saltadas. tem a pele de quem não vê o sol. ou passa

muito frio, parece

não se importar. seguimos até a esquina que dá para minha rua. o ar está úmido e gelado mas ela não se agasalha. apenas o moleton largo e encardido embaixo de uma setecopas muito antiga paramos para nos respirar. não a olho e sinto seu campo bioestático fluir em mim. o chumbo da sua presença; nossas experiências noturnas sobrepondo a sociopatia sórdida do mundo. deslizo a mão na casca da árvore úmida coberta de musgos cravo minhas unhas ficam pretas. a rua molhada reflete luz laranja-óleo, o mesmo, de outros dias

o frio grudento se prega às nossas caras. seguro sua mão,

que tem aí embaixo? ela se solta me olha como um animal que arranha.
ah, não sabe? conhaque. tira a garrafa por baixo da blusa não usa nada.
vamos tomar isso aí?
se não pagou, não toma. coloco dinheiro em sua mão. ela entende.
ia te convidar pra entrar.
não tô afim.
é que...tudo bem. vai indo embora, apressada.
posso te acompanhar?
não.
tenta abrir sua garrafa com os dentes. não consegue.
espra. eu ajudo. parece que a chuva tá engrossando.
ela entorna a garrafa bebe de um gole quase um terço do líquido.
que sede! penso, mas não digo.
ela é como um pássaro. não posso afugentá-la. passarinho leve. bico calado. ela fuma. eu observo morgecos voarem felizes de galho em galho. talvez se divirtam com a chuva.

fuma? finalmente sorri. sorrindo é ainda mais linda.
não.
não fuma. não bebe. tava fazendo o que na birosca?
é estranho. mas eu fui até lá pra me encontrar com uma mulher.
e por que não tá lá esperando?
borboleta arisca. bate asas e voa. delicada longe, longe...

moro aqui. quer entrar? insisto.
escuta...
você bebe seu conhaque, não me meto.
não vá se engraçar comigo.
só te ofereço companhia. aqui estamos melhor que mofando na chuva, to com frio. me dá um gole desse teu conhaque. tem cara de bicho, assim embaixo do poste. olhos amarelos fluorescentes.
não gosto daqui. fede.
onde você mora?
ela solta uma gargalhada horrenda ao mesmo tempo em que um raio seguido de trovão se escancaram no céu.

parece tranquila agora que exerce seu total domínio sobre mim. dança leve sobre os próprios pés, entra apartamento adentro. pula no meu sofá e afunda...parece um gato. de rua.

minha casa cheia de objetos aleatórios espalhados no chão me envergonha um pouco. minhas folhas, fotografias e o pijama de minha mãe. que esqueci, merda, estendido no sofá. como um vestido de noiva macabro.

mora sozinho?
é...
e essa camisola?
era da minha mãe.
cadê ela? seus olhos farejam.
morreu... morreu semana passada. eu acho. não durmo direito desde então. minha olheiras meu abatimento não me deixariam mentir.
silêncio. ela me olha e me vê. ela sabe. tudo sobre mim, me dissipa, me estraçalha.
que dia é hoje? pergunto disfarçando.
sei lá. que diferença...
minha mãe dormia aqui. aponto um quartinho -a porta quebrada. agora me sinto mais à vontade, ela me absolveu. está risonha -quase- feliz. tá uma zorra essa casa, desculpa. vou á cozinha trago copos e um pouco de pão.
já estive em lugares piores. seus olhos de repente brilham. ataca a manteiga, o pão, o queijo.
podia me dizer seu nome.
ela riu, sarcástica. tem alguma bebida aí, professor? enquanto procuro entre meus chás gelados ela fuça em todos meus livros.
toma conhaque, está do meio pro fim. mastiga o queijo o pão. deixa a garrafa de lado. liga a vitrola da minha mãe.
a propósito meu nome é...
vamos dançar, professor!
eu me chamo...
eu não perguntei teu nome. entorna o conhaque, arrebenta a garrafa no chão! olha pros cacos fascinada, dança, quase afunda os pés nos estilhaços. aumenta o som.
ei, espera, os vizinhos.
que se danem! ela dança. sua mão quase se esquece que ainda segura a boca da garrafa quebrada. fica com o caco da garrada na mão como se fosse sua vida. não larga. uma faca.

quase em desespero, como uma criança desamparada me olha e pede:

bota algo legal pra gente ouvir, isso é música de doido. ela é romântica. afinal. o rosto retoma as cores. está quente de conhaque e satisfeita na barriga. as bochechas vivas os dentes e os olhos azulados. parece mais nova do que é. pula pra perto da vitrola. dança uma música invisível. detesta escutar mozart. música de doido.

do que você gosta?
Verdi. Bizet. vai vestindo a camisola da minha mãe. por cima da roupa
que tal jazz?
Rock.
Zeca Baleiro?
que tal blues?

rimos juntos. ela solta uma gargalhada macia, fala leve, fuma, dança.
não imaginava...
sou professora.
de quê?
violino. ao som de violinos ela dança com a camisola. estou horrorizado.
por que não tira isso?
hoje é sábado.
por que não tira?
a música?
ela ri de novo. escuta, tem fogo? meu cigarro apagou.
tira essa roupa, por favor.
ela apaga junto. tira a camisola. acendo seu cigarro na chama quase sem gás do fogão.

volta a se esparramar no sofá. me olha parece que me acha. tomo coragem, lhe digo:
então, hoje é sábado...
hoje é segunda-feira, maluco. professor aloprado. levanta dá dois giros e dança... como quem já vai embora
dança, dança...
meu nome é lúcio.
não me importa. foda-se.
meu pai queria me chamar Prometeu. minha mãe, lúcio. lúcio prometeu.
e não cumpriu!
rá. essa é clássica.
lugar-comum.

o assunto morre por aí. entediada levanta pega sua caixinha de fósforo molhada, único pertence, e vai se despedindo:

tu é o cara mais puro que já conheci. inocente. tu é inocente. tem a boca bonita. chega perto -sinto seu hálito -e foge.

vejo dentro dos seus olhos. está nua. me olha.
eu sei. me achou a pérola do butiquim. fala e vai envolvendo meu pescoço com seus braços gelados.
isso.
a flor da noite.
não é isso? coloca suas armaduras. parece enojada. segura seu pedaço de vidro outra vez.
entou entre ela e a porta. quase suplico com os gestos.
morreu do quê?
o quê?
tua mamã?
que tem ela? não entendo, não escuto. por que ela quer ir embora? seguro-a pela cintura. nos queremos.
tu é sozinho. tua vida é um caos. um porre caras como você.
levantou foi saindo. segurei a porta. ela, o caco de vidro.
nos olhamos. ela tem ódio. tem pena. tudo misturado... eu tenho sandices! me acometem inspirações supremas de desespero e saudade. eu me lembro dela, como um trem passando rápido em minha vida, esmagando os trilhos, esmagando as linhas contínuas, uma eterna desconhecida. uma qualquer! uma mulher pálida esfaqueada na escada de um prédio sujo.

quase digo: fica. mas não digo, ela entende.
vai e senta no sofá, novamente, resignada. não se importa. é como se a vida fosse chata. porque está comigo.

e você? insisto.
sou professora.
ah, é? mentirosa. o que você ensina?
ensino ser leve. livre. pombinha dos riachos.
como se meteu nessa vida?
ela chega perto. uma gata selvagem. esfrega o vidro bem no meu nariz.
mais forte que eu. esse quê didático. dessa vez, desabafa, muito simples: você quer polir a pérola suja... quer redenção. aposto que reza pra jesus.

e ri, se achando engraçada. escorre um filete de sangue do meu rosto.

como ficou demente? pergunta. risonha.
como?
sua mãe. começou devagar?
fico em silêncio ouvindo Aretha lamuriar seu blues na vitrola. estamos cansados. a ponto de dormir. chega cada vez mais próxima da poltrona está buscando se acomodar.

ficamos calados. ela se levanta, sorri, me anuncia no jornal: ex-funcionário público, semi-gay, aposentado por insensatez. procura prosticura-consolo. depois de quatro dias sem dormir. pra ficar até uma da manhã. prefere acordar sozinho.

meus olhos lacrimejam. errou tudo. sempre fui bonito. sempre tive esse corpo selvagem e flexível. as mulheres orbitam ao meu redor. não posso fazer nada. minhas mãos sempre foram tremulas. eu simplesmente escolho você.
interessante. não sabe nada sobre mim.

que houve com seu marido? agora eu saco ela.
não te interessa. não disse que era casada.
tem marca de aliança das grossas no dedo. tu era mimada, riquinha. despirocou.
vendi o anel. pra comprar cigarros.
pode dormir aqui, se quiser, fulana. estávamos quase fazendo as pazes. mas se incomodou com o fulana.
ela se levanta tranquila: então, vou tomar banho. meu deus faz tanto tempo...
o chuveiro não tem energia.
vou mesmo assim.
a água é fria, grito em desespero. minha voz falha.

ela entra. o chão do banheiro está molhado. cheio de manchas. um odor putrido vem dali. a luz não acende. não tem energia.

um grito.



filho da puta! matou tua mãe... ela mata a charada. o conto termina.

27 setembro 2010

oi tudo bem como vai?

ele passa com pressa nunca
me nota ao seu lado eu páro

o solitário

olho pra ele e além
dos seus finos traços fincados
nos ossos ele diz que está
publicando estrelas que explodem, ascendem e apagam rápidas
se tornam buracos negros
para seu público
invisível da madrugada

conhece as dores lacônicas do frio a da chuva e o bolso vazio todos os bares
fechados
ele ri seu humor é áspero
esfola minha pele delicada
em fachadas descoloridas
seus dentes mordem um fiapo mínimo
de tranquilidade
pausa pra fumar um
cigarro em paz talvez encontrar alguém que o escute por mais de
dez minutos

porque éramos inocentes antes de tudo isso

venenosamente fluímos um para o outro
feito
rinocerontes selvagens idiotamente digo adeus
até mais

abrupta, na verdade, tenho as costas muito curvas tenho tempo
e até opacidade e um oco
magérrimo cravado no rosto dele

 questão de provar que sou crânio pó e osso aberto aos comentários
eventuais e sintéticos que escuto pra me aproximar mais
dele

e não consigo

das memórias




fragmento um

até porque já era tarde demais a boca dela na boca dele siamesas uma delas aleijada
assustou-se a ferida no canto do lábio
vomita discretamente


e ele chão no entanto chão agora chão quando chão
virulento contanto chão
desconfia-se de tudo, é recomendável e faz o exame

Um sapo atropelado no asfalto se debate inutilmente
Respeita o próximo
suspira

- entendemos
Você acha que vai ser alguém só porque anda por aí dizendo disparates
e está ficando seco e oco e brocha e cada vez mais passivo vermes vão estuprar teu corpo ainda acaba
se descobrindo doença e se descobrindo doença morrendo
idéia obtusa, imagem opaca, rastro terrorista de um desastre físico que está ficando velho e gordo e brocha e é um absurdo
essa pretensão toda

uma bica em cheio no estômago



alguém se solidariza: você quer nos contar uma história?
tarde demais
o homem suspira
Mas ele/ela/eu
somos o desequilíbrio da matéria
condenados a todos
portanto nenhum alívio

a asfixia de cada artéria
explode metástase múltiplos

orgasmos

grave ferida de metal parasita espécie anfíbia
gravita zonas e puteiros da lógica segue semi-automática sem-
mais
nem
tempo algum
100tv 100t v 111111v
não é mesmo 100teto = rua + eletrecidade oculta no tato dos classificados
Tentado no deserto que durmo acordo dentro de mim mesmo
Eu sou embora Não pode morrer
de cócoras
se debate
se esforça
para se parir
vida
again
vida
a gain of life @TokyoTown


sem o direito de permanecer
parado Tudo que fizer pode e será usado contra você contra a parede úmida do teu sexo vulgar contrafluxo mucosa puta barata geme medo barato infestado de perfume de puta barata pede pra eu enfiar tudo pede implora por pouco não chora as paredes quase desabam o céu cinza quase desaba sobre a cama se espalha pelo tapete penetra estas frestas qT restam enquanto você rebola um roq qqr
ando tendo essa lembrança
como se
você me mandasse um pensamento e eu te
comesse
até que o próximo
comece e eu tenha ido
O próximo
determinando se 1próximo exterminando 1 a1 1x1
O próximo
1 1 1 1 A pele descascada Pétala sépala Alguém batendo na porra da porta Não consigo dormir Com quem Não siga pegadas Consigo Sem sombra De dúvida de cada carne de terra de tudo Um absurdo Aquela confiança toda 1 1 1 1


por M.G/T.A.

17 setembro 2010

dor de cotovelo

O ciúme dói nos cotovelos,
na raiz dos cabelos,
gela a sola dos pés.

Faz os músculos ficarem moles,
e o estômago vão e sem fome.
Dói da flor da pele ao pó do osso.
Rói do cóccix até o pescoço
Acende uma luz branca em seu umbigo,
Você ama o inimigo e se torna inimigo do amor.
O ciúme dói do leito à margem,
dói pra fora na paisagem,
arde ao sol do fim do dia.

Corre pelas veias na ramagem,
atravessa a voz e a melodia.


caetano veloso

16 setembro 2010

perdedores I

tu não é apenas o gordinho bacana . é meu amigo pedro e todas essas perturbações são válidas e relevantes, todo mundo tem direito de ser medíocre. se é o que te abala. todo mundo tem direito, cara, de ser o cagaço que quiser puder ninguém dá dando a mínima pra mais ninguém.

como não saem logo novas versões atualizadas do seu humor assassino e azedo, essa coisa de tietagem não rola, e é vexatória não vão gostar mais de você porque tu leu uma caralhada de livros, porque teu papo é fodástico, e tem vinil raro de samba, nem que tu fosse sarado, surfasse e esquiasse nos alpes. se bem que seria ótimo esquiar nos alpes. mas olha pra você. olha pra você.

fica tentando se convencer que existem nomes teorias cálculos que brilham. gente que brilha ofusca o resto da humanidade. entende? a mediocridade é a pedida.

quando se chega perto e tira aquela aparatada toda camada de base , pó mágico, photoshop, resta apenas um medo animal e abissal de ser mais um, de não ter grana fama glamour de saber qye apodreceremos embaixo da terra queira nosso orgulho ou não. sabemos que no fim que aidianta ter porra alguma e se seremos mais um burro de carga cagado como toda a gente.

dissipando a fumaça e o gliter vejo bem no meio da fuça de qualquer artista uma acne purulenta do tamanho da torre eifel nada idealizado simplesmente um bando de gente que quando tem alguma inteligência opta pela obscuridade

uma dor de ser humano na barriga. vômitos de agonia. tá todo mundo flutuando na mesma merda você só precisa se acostumar com o cheiro, eles disfarçam com perfume champagne viagêns spas, mas nós mortais fazemos uma boa piada sobre essa merda e tomamos nossos goles de cerveja e futebol, entende?

enfim, se insistir em ser e pensar apenas como um gordinho boiola bitolado em livros ela vai continuar ensimesmada para sempre. tu nunca vai arrancar o essencial que é deslumbrar um pouco a mulher. pega-la quand estiver despercebida de si.

então a gente vê você como simplesmente alguém que precisa sentir dor . sei lá o que você precisa mesmo é de uma aparência mais agradável a não ser que você seja o cara mais incrivelmente filho da puta de interessante e tenha um motivo fenomenal pra ser legal o tempo inteiro, representar uma fantasia ridicula de homem vindo de outro espaço, sei lá. haja saco. haja perfeição. uma hora todo mundo cansa e o que segura o peão é a capacidade de revolucionar-se sobre seu próprio eixo, não parar, cara, procurar o nervo, o tutano dessa porra toda ir na veia.

até essas resmunguices, esse pessimismo filosoficamente embasado, seus dissabores ,
teorias cósmicas, suas cólicas existenciais começam a apodrecer e cheirar mal na estantezinha abatulhada de livros que você foi juntando lendo engolindo enfiando cu a dentro pra criar fortaleza moral pra suportar a lanchonete sei lá, cara, você nem parece de verdade. nem sei como alguém É de verdade, como as pessoas se inventam, mergulham em seus sonhos absurdos e vivem nelas mesmas mas não me soa verdadeiro você vir aqui com esses óculos ernormes essa barriga gorda dizer que está sozinho que ama uma menina que é sua coleguinha e não consegue comê-la.

enfurnado numa candura dura de espetos depois as únicas pessoas que compreendemos bem somos nós mesmos mesmo, mas você parece de papel de carta...

além de que tá mais que provado que a essa altura a úica coisa digna e decente a se fazer é beber muito e falar menos.

engolir as pessoas tomar o sumo delicado delas aspirar as sutilezas perfumosas de uma mulher bonita solitária é essecial agarrá-la meter a língua na boca dela meter a semete do desejo em seu coração -é mais fácil até quando são casadas, só precisa ter uma aparência razoável e um espírito inabalável de pureza e aventura.

tu precisa de uma jovem que nem desconfia como é linda e que está prestes a jogar tudo no luxo no ralo dourado do tempo toda sua seiva viva e maravilhosa em doreszinhas que de tão miudainhas não a fazem melhor a deixam com olheiras roxas e uma boca caída e vai se perdendo nos detalhes sem impotância.

enquanto isso, meu caro, chega mais. um brinde as promessas que não faremos

por mais que aproveitem a vida por mais que a gente se esforce. presta atenção: só faz sentido a auto-destruição. lógica implacável, intuição plena dos sentitivos, só os delicados de espírito compreendem que vão morrer que o mundo se evapora que a noite sucede o dia o adulto sucederá essa criança que você insiste ser e que o cadáver e a aniquilação é o rumo de tudo isso, então, que fazer, pra se sentir real e de verdade? e não um fake formado em engenharia um homem de bloquinho e cimento. construindo muros a murros de poesia concreta, uma fortaleza de teorias babacas que te impedem de comentar o tempo e arranjar mulher, burrinha que seja, todas são essencialmente carnes macias e doravante cansam não importa o QI.

o que te falta é sinceridade pura introvertida e regurgitada. o que te falta é rastejar. sim, rastejar de ridiculo de pena de amor...

lembra quando você tava com aquela agonia no peito que nem escrever morrer nascer dá jeito então a gente saiu e conheceu aquela guria puta que pariu ficou bebendo fumando falando sarcasmozinhos o tempo todo na hora certa e depois ela te olhou como uma velha pantera das noites a raposa da boemia te olhou e disse. que tal trepar? e não foi bem vambora! oba que você disse, não você...depois ela desistiu, antes mesmo mostrar a coxas voltando os peitos pro sutiã, quando seus olhinhos brilharam. pegou a bolsa saiu e não pagou a conta, cara. não pagou...


15 setembro 2010

céu

à deriva vem e vão
os dias lá fora

quente com veneno
o sol levanta alveja
minha cara lavada de luz
azul logo acima das folhas
pálida logo acima do vento
morna logo acima das nuvens...

o que seria do céu se sempre fosse negro
ou se de repente algum consenso dissesse
que é azul, cinza ou amarelo sem
que se reconhecessem nele
a essencialidade de ser
simplesmente céu

todo céu
por dentro
tem um eu
sem esse eu o céu
é somente um c

sozinho e agudo não
chega
às brancas
alturas

13 setembro 2010

breve história do sol

subia a rua a pé a cabeça ofuscada pelo meio-dia incandescente nas calças pretas nos braços abafados dentro do casaco lá do outro lado da calçada a pequena multidão em forma de fila indiana já aguardava a vez de.

recostei num resquício de árvore que esqueceram de cortar. e do pequeno e humilde toco que sobrou brotaram uns galhos tímidos e logo a árvore decepada recompos-se exibindo flexibilidade, vitalidade e paciência infinita, algumas folhas brotaram e era essa pequena aberração a única fonte de sombra do local. os carros passavam exalando fumaça e aumentando o calor. lembrei que na minha cidade alguns tinham a pachorra de deitar óleo quente na raiz da árvore, para que ela não voltasse a brotar jamais. tirei o casaco estava encharcada de suor. as calças pretas coladas às coxas esquentavam minhas pernas às raias da loucura.

a maquiagem, minha máscara facial, derretia.

no bolso tinha restos de cigarros que ia guardando numa caixinha de fósforo, mas fósforo mesmo não tinha. passou uma senhora gordinha com um daqueles cachorrinhos gordos e mimados que logo morreria entupido de gordura feito a dona. pareciam tão velhos. um mini-doberban de fucinho grizalho dentes podres amarelos e totalmente apaziguado quem sabe pelas cataratas. a língua enorme pendida, pingava.

sorri e acenei ela fez que não viu ou não viu mesmo: óculos grossos e ceguetas quanto maiores menos se pode ver atavés. depois um casal moreno-baiano rosto carregado de sol. os dois de cabelo crespo. a cara da mulher coberta de óleo e espinhas. passou chupando abacaxi pedi um cigarro espesrando um fósforo, não tinham nada, além do abacaxi.

minha boca estava seca. a fila andou um passo depois da uma hora e meia sem comer comecei a suar frio, de calor. a sombra foi desaparecendo aos poucos e mais meio minuto tostando sob o sol, comecei a lacrimejar, teria de desistir da fila. dos meus objetivos, da minha vida inteira. fui me esconder no Trianon. comprei uma barrinha de cereais, dane-se a fila, e uma garrafa d'água por 3,90. corri para debaixo de uma árvore e senti o vento que batia verde pelas frestas da falsa floresta.

tirei minhas sandálias e me respirava calamente um homem magro, feio e carioca se aproximou. disse se podia desenhar meus pés.

você pode desenhar o que quiser, colega. a caneta é tua. no que entendeu muito mal pois tocou duas vezes meus pés para melhor, posicioná-los. sua mão era gelada e asquerosa.

quase meia hora depois eu me levantei para dar o fora rapidinho dali. quem sabe a fila não...
ele me deteu e me mostrou uma folha em branco perguntando se eu tinha gostado do desenho. é só a gente ir até um parque, incrível, encontramos um maníaco do parque.

08 setembro 2010

ampulheta

no mesmo horário todo dia ele toca e mesmo que não toque
desperto em susto
ah! é domingo...

semanalmente um erro vem destituir a pose
de asseio não lavo o cabelo
nem aparo as unhas

o certo é que
uma vez por mês
me explodem espinhos
sangram ardem enfeiuram
o rosto e o resto
esqueço de devolver

os livros não lidos
se empilham me olham
tristes criados-mudos esqueço
as roupas do avesso
e até onde botei a...
o que mesmo?

e uma vez por ano
uma vez só
ele liga.
mas... se lembro
bem já faz uns
anos que
não manda
notícias...

07 setembro 2010

trilhas sonoras

ele me olha como a última vez
que abriu os braços pra brincar de
pássaro

a barba um pouco:
não

no capô
do carro

todos dentro do apartamento
todos com o corpo colado à grama
a chuva nos olhos os olhos no
céu
escuro o próximo
passo
em direção a

alguém rio
disfarçando as montanhas
alguém chuva
molhando os pés
nas poças
enroscando o
rosto à terra

o peito aberto
aos resfriados

os pés desnudos
principalmente
as palmas das mãos
apertam
meus seios tão pálidos
tão
pequenos

respiramos juntos
e me vejo de vez que não.

as pequeninas flores espalhadas pelo campo agreste
do vestido e os lugares que estivemos antes
não existem mais
as florestas
antiguíssimas
que habitamos
não existem os peixes coloridos
que pescava
no alto e bom som do seu carro

o saquinho de amor estourou espalhando
lentamente sangue
no tapete branco
do banheiro

mordia os lábios pedindo
meu mel mordia a pétala da minha
pele

mas agora é fumaça apagada aqui no cinzeiro
sobe espirais
de saudade
pra fora da sacada do
no alto azul
da tarde as trilhas
tortas
dos bosques aos sábados
em que a gente seguia
a bruxa
prendia
meus
cabelos compridos
cobrindo as orelhas
aquele menino lívido
quando me pedia colo
eu dava
me mandava às favas
às vezes
andava
calada demais
pensando
justamente
no cinzeiro
você apagando
a fumaça
seu cheiro
um odor de passado
ao redor
dos papéis curtidos nas obscuridades
das gavetas que
não abrimos
nunca mais tuas empoeiradas botinas
abriram trilhas dentro
de mim

não consigo
fechá-las

05 setembro 2010

cálculos renais

o engenhoso engenheiro
acordado como se
engendrasse planos
para
seu apartamento
novo

fechado no quarto
acordados os olhos
não piscam

será que quebrou por dentro ?
na queda da
garrafa
térmica
de café
escorrido em líquido preto
sem açúcar
palpitações nas veias
das coxas
frias

a poeira vem da janela infiltrar-se no nariz a dentro estuprando a garganta
seca
a boca quase baba aberta pensando olhos fixos no papel
de parede

o carpete manchado fumegante de café
ele limpa as mãos na toalha branquinha -a última
antes de arrumar
as malas pra clínica tratar seus
cálculos suas dores
de cabeça

02 setembro 2010

teu olhar me era um grito

não te movas o tempo
se estraçalha ao menor suspiro
quebra
-se
misturado ao cheiro
de caju de época

que nada
é mais solícito
que o suco
da tua saliva

gota por
boca um alívio
quando pára
tranquila
esticando bem as
pernas
levemente
abertas entregando

corpo
e barriga
mornos
ao canto
mais sombrio
da tarde


com a voz
de pássaros
longe
entre os galhos
do cajueiro

não chore
fique linda manhã de sábado
com folhinhas
secas
nos cabelos

esparramada
a grama
espeta tua pele
delicada

28 agosto 2010

ão

sucesso é tudo que procuro no momento um requinte deixar de falar demais e fazer, partir pra uma nova onda no mar de ilusões, haha, fica até engraçado pensar nisso assim...

esse negócio de saudade envelhece e é cafona.

revoadas da vida de pássaros tudo rápido voando avião para a china guatelama quem se importa onde eles estão vivos, mortos, abusados, abusando? se páro pra pensar eu páro, entende? e não posso quem segura meu rojão são estas maozitas rojas, compreende?

to super bem usando creminhos aí a base de soja recuperando os quilos só de carne, tem banha não. parece loucura, né? tem quem prefira silicone meu corpo obtive na raça e no suor. empréstimos. tenho nóia de silicone imagina o horror se nego vem te espetando com um alfinetezinho me estoura inteira, o negócio vazando dentro de mim, aí, pavor.

fora criança o que mais detesto é rato. quando era pequena favelada vi um roendo minha comida no pratinho azul preferido. roia me olhando bem nos olhos não tinha medo como eu tinha dele, sabia que era mais forte, mais rápido o sacana. hoje eu vejo um rato nessas paletarias ou servindo pastel na rodoviária suco, vendendo aqueles óculos de lentes coloridas como se tivesse caído óleo, então, compreendo que às vezes a gente é mais fraquinha que um rato medonho de esgoto.


fosse hoje, querida, esmago a cabeça asquerosazinha dele toda glamurosa no meu salto quinze. esmigalho até transbordas os miolos fazer créque ah!


angelina será o nome da minha herdeira. vou ensinar tudo, toda a brutalidade de uma boca sensual e o feminino de tirar uma vida, estraçalhar ou trocar pneu. as mulheres podem tudo agora graças a angelina e seus seis glamurosas filhos, certeza que em breve serão oito e qual o problema se alguém ganha milhões por isso, pra fazer o que gosta?

eu, quando faço o que gosto, já me sinto milhonária. tenho um milhão de motivos na minha conta pra relaxar e gozar a vida, como bem pensou a ministra. emprego é que nem cigarro e puta, é bom enquanto se tá usando, mas depois tem que se disfarçar o fedor. sair pela rua exalando paz de espírito.

existem dois tipos de vícios: os explícitos e os ocultos, estes são mais saborosos que os outros. por exemplo quando alguém fuma na rua é assim mesmo todos olham julgam quando alguém vai preso e a polícia proporciona aquele espeláculo aos ratos das ruas tão sujinhos em suas tocas alguns enfiam os dedos no cu e cheiram lambem outros pior torturam, roubam, mentem esses são os víciozinhos ocultos.

um dia me perguntaram, quando ainda era atriz, se não tinha medo de me confundir com meus personagens se na vida real sabia o que não era papel. é puro papel, gente, poupem-me, tudo na vida, o ser humano só faz repicotar-se. isso é tudo. tudo papel. se chove molha nossa personalidade se dilui na pólvora se dilui já disseram isso, aliás, a gente procura um recorte, decora de arte e dá pro povo aplaudir, p

sempre elas próprias, assim vão se descobrindo podres e ricas que não se dão o trabalho de chafurdar dentro, mas essa é a minha função: distrair. entreter. representar o imundo humano para ele mesmo. quanta pretensão, mas é sóbrio é só de segunda-feira aquelas caras e bocas abertas fingindo sentimentos que de fato existem seus deslumbres, seus medíocres ângulos, gente! aumenta esse som aí, amo!

ah, e chega de entrevistinha, vamos beber.

não me arranca mais nada que preste, filha,

só vou beber fumar e cuspir fumaça.

vamos beber que eu tô precisada de um porre de litros. podre de chique isso aqui. essa merda de roupa que vocês usam é quente, não é? é. então. tá geladíssima. bebe logo.

pra mim, quem não gosta de cerveja gelada não tem caráter, anota aí, no teu bloquinho.


27 agosto 2010

joaquim e maria

abres a machado
manchas
de assis

e diz
que capturará
capitulina
capítulo
por capítulo

machuca
minha língua
num triz
polido
regristrado em
páginas de capa
dura

a mão e a luva
e a rosada dúvida:
foste tua a boca a beijar
escobar no
nariz?

nasceu com o dom
casmurro
dentro apenas
re-excogitou
a dor
eterna
de sísifo

redesenhou
a nanquim
e angústia
toda astúcia
estapafúrdia do homem
sobre a terra
e por de
trás
dos bigodes

o tal gajo pobre e
gaguejante
do português
fez
mais sinuosos ângulos
psíquicos que os versos
alvíssimos
de camões com suas próprias
mãos
pretas
alforriadas
cravou no peito
desta res-pútrida
o insondável
mistério do eterno
feminino

presença de anita

anita em todas as paradas
se vendia por alguns papelotes
na tv
mulheres ofereciam cremes
todas as bocas conheciam
a presença de
bolhas de preguiça que se espalhavam pela pele
de anita como
psoríase

quando todos os homens que não amaram a anita
a despiam passavam
horas procurando
por ela
olhando olhos
de icterícia
pálida
gélida
tremendo
um fio de baba pelo
pescoço

ela se recusava sempre
se abria herméticamente
fechada em seus
pré-sentimentos

clarice

bruxa

enfentiçando o próprio
cotidiano
foi à fogueira
na idade média

de 35 anos dormiu
com o cigarro
no colo aceso

uma gata
espectadoramente
esguia

nos ovários
fecundou cancêr
e pariu fria
livros

de matéria-escura
uma água-viva
e seus tentáculos
flutuando
no universo

escutando no
ilimidado ventre
da mãe
cósmica
as estrelas
quando nascem
gritam
um grito de
porta dos fundos

teletaxi

vem
sem demora
sem fôlego
sem dinheiro

sem vergonha
a probabilidade
de não vires
remota
como
os terremotos
quando vem,
apaga os dedos
nas minhas
feridas

ascesas
tuas pernas
giram através das
transparências
óbvias
dos teus olhos

uma vez por semana
sou todos
teus sapatos
caros
teu cigarro
apagado
no copo
de uísque
ti-li-tlim-tlim
ainda cheio
trêmulantes gelos
escorragam da tua boca

mentirosa
me olha me
fode
um sorriso
fulminante
ascende meu
fogo no
Vulcão da tua
virilha brilha um
sol nascente

queimando
todo o resto
resta
tua saliva
na minha
lá fora

o mundo
inteiro
cheirando a
orvalho
antigo
e preguiça
vem
esnobe
escondido
bem no peito
o amor estreito
que sinto
porra!
que sempre
senti
por

casa de campo

o tempo pára na espiga de milho
seca lá fora
o sol
amarelo morninho feito
mijo
de vaca
no pasto

um parto
de cadela no alpendre em plena
madrugada de sábado
eu abotoando
os brincos abrindo sorrisos
de falso
brilhante

emprestando lencinhos bordados
franceses pra você limpar esse teu nariz
escorrido não me devolver nunca
o gliter

te animo
te chamo
simples
como uma navalha
corto
ao vento
a água brilha e é tudo que eu tenho
que me disfarça
de mulher: a água meu ventre é água, sangue e vida
faço brotar uma bromélia
sai dos meus olhos
vermelhos para se esconder
em teu jardim líquido
como um pequeno príncípio
de intimidade o pó
entre meus cílios
que você assopra

meus lencinhos
úmidos os filhotes que a cadela come a placenta
e lambe as crias até
desmelecarem

o carro buzinha são quatro filhotinhos
orelhudos ganindo saimos apressadas
tropeço os saltos altos finos reparo
no teu vestidinho a falta de equilíbrio
é porque
sou puro amor
amniótico

a gente fala ri toma birita se pega
num olhar lésbeoesvesgado
e depois ficamos
paradas
sem nos falar
(durante dias)

teus cachinhos crescem os cachorros
se espalham pêlos rosnadinhas
pela casa ando
displicente
de calcinha te chamo
pro chuveiro