28 dezembro 2010

O canto da sereia

Quanto mais esticava a corversa mais puxava pra trás os cabelos discretamente arrancando os fios grudavam no sorriso melado de batom. O chiclete grudava demais o casal de colegas que chegaram justamente quando quase ia se levantando.
O coração buscava os ares lá de fora em urgência de bater descontrolado ou parar. A boca seca numa leve explosão sanguínea, um derrame cardíaco. Enquanto lá fora o cheiro de cerveja gelada na boca sorrisos e camisas floridas entreabertas deixando o peito bem exposto a quem quisesse entrar, cabia todo mundo, cabia estrela, batuque, menina, flor.

Tinha ansias de dançar mas o noivo não se movia. quedado tranquilo dentro de um sossego espiritual, satisfeitíssimo com o retiro social. Como quem não quer ver sequer queria estar. Mas seus quadris inquietos e a cantoria longe a embalavam das pontas dos pés até a boca do estômago. cantarolava agressivamente doce pra dentro entre os dentes. A cadeira de espinhos a atingia em pleno olho, olho buscando doido os rodopios dos vestidos de cores das flores do samba e o seu vestido sentado murcho na cadeira.

Disse fingindo calma ir beber água. Foi ao banheiro se olhou fundo. Limpou o batou da boca, soltou os cabelos e jogou muita água na cara, sorriu bonita, sorriu a dentes plenos e seus passos eram lépidos até o palco rodopiou e sambou com deleite dançou até se esvaziar cansada de si diluída no suor calou todo atabaque enlouquecido tocando dentro do peito sem parar nem pra beber água. Prestar atenção no mundo a cabeça ainda girando girando o noivo veio lhe recolher totalmente pálida os braços moles e bem presa pela cintura foi sendo arrastada firme e amorosamente para fora, para longe do público aquele rosto selvagem vermelho que todo mundo via.

De pouco iria adiantar. De pouco em pouco a aflição crescia porque o futuro, que era mesmo? ele exercia uma pressão vertiginosa de queda seus braços a sufocavam até parecia um alçar voo bonito mas ela intuía tudo. A mil anos luz lá longe sabia mais que ele -mais que todo mundo -que o amor era precipitado precipício e que todos a empurravam sorrindo plácidos para a fila das mulheres grávidas, empazinadas e felizes.

Não era mulher de tipo feliz. Era de sangue quente de sangue cativo. Suas veias vieram sinuosas de longe lá do nilo e de pés descalços brincando no chão, com as pequenas ervas rasteiras beio de onde não restou ninguém. nem história, nem passado, nem folclore pra contar sobre seus antepassados e lendas fadadas ao esquecimento simplório do cachimbo.

Para ela todo mundo era reino e dançavam nus sem as asperezas da areia do mar e ela ria rios e cachoeiras. e ao cair da noite brincava com outro na rede a balançar. Balançando embalava canções para estrelas, para a noite Infinita. A rede de bananeira. Depois batuque, batuque a noite inteira.

No carro ela pediu para lhe acudir abrirem os vidros pro vento entrar. Seu vômito era amarelo e amargo na garganta. Ao longe sua noite tão livre ia ficando pra trás. Ela se lembrou num lampejo de luz que a fez cegar quase tocou seu vestido de infância, e se lembrou chorando do quando gostava - o quanto sonhava- de dançar.

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