06 outubro 2010

das férias pagas pelo sogro Cena I

existem realidades distintas agora percebe nitidamente deitado na areia.
o corpo espalhado de sono ao sol lascante.
calor à flor da pele.

na primeira e mais óbvia ele é apenas um pobre diabo rico que nada consegiu na vida, absolutamente nada, todos os planos naufragados. a faculdade inconclusa. o matrimônio afogado na areia há anos não sabe o que é lutar pela vida. nunca soube. mas acha muito engraçado porque essa história de macaco, praia, jornal... todos reconhecem sua excepcional capacidade de apreciar, porém, notadamente, não possui (t)alento algum, tampouco adquiriu com o vexame de sua existência aquela tenacidade e perspicácia capaz de desculpar aos medíocres sucessos.
Ele sempre se vale de alguma esperança insípida nas madrugadas difíceis, nas poucas que passa com a família. promete rever seus hábitos insalubres e no outro dia está de volta ao bar aos lugares malditos.

sua mulher grita, quebra os móveis cospe uísque diz que ele prefere ser o eterno perdedor a se dar o trabalho de tentar qualquer ridículo, qualquer coisa para a qual não possua boa desenvoltura. você não presta pra nada. John Malcovich.

perde o foco como quem [sempre] esquece os óculos no táxi.

em outra realidade, paralela a todas, ele é apenas um corpo estandido na praia sentido prazer orgânico. o prazer da saúde gozada em férias. a brisa do mar do Caribe. eterno como o instante, ele se sente pleno ao sol. quando não adoece. raramente adoece. a realidade é que é um homem jovem e voraz. ama as mulheres e elas não resistem sua beleza física aliada ao poder de persuasão do desprezo que sente por elas. por tudo. todo desprezível despreza. todo perdido encontra a maior perdição dentro de seus hábitos vadios recobertos por flores plásticas que, não morrem mas empoeiram.

atrás dele, na terceira realidade, há uma mulher realmente incrível. linda. jovem. talentosa na cozinha, nos bordados, nas contas bancárias que só engordam. ela acredita. quer acreditar porque reconhecer o fracasso absoluto daquele túmulo adornado de músculos e um sorriso maroto significaria o fiapo de desastre que lhe falta para perder o controle. e ela precisa de controle. o tempo todo. se não vai enlouquecer. seus pais nem tocam mais no assunto "marido". porque ele nada mais é que um aspecto de sua própria personalidade. coloca os óculos escuros e calcula cada vácuo, cada passant à paisana que lhe acena com falsidade. tudo é falso. até seus dentes. exceto ele. e seus vexatórios. exceto o amor sombrio que inventaram porque tudo que é sombrio, afinal, refresca.

amor luminoso, ofusca. ela estaciona do Green Park e se esparramam na grama áspera. rolam de amor e depois se cansam até das novidades.

no fundo, ele é tímido e desambientado. está em uma festa esnobe, cheia de bem-sucedidos na orla da praia. estranhos todos os olhos parecem tecer comentários. mas, na verdade, não se importam. as mesmas cenas, os mesmos esbarrões. agora vem a cantora. ela bebe e está séria. ela expressa tanta paixão que enjoa. não se pode falar com ela por mais de cinco minutos. até quando é simples se torna insuportável porque quem a vê cantar um dia não consegue se aproximar dela. sozinha. pra sempre. amém.

sabe que não sabem seu nome, nem poderiam se lembrar. sua mulher, com paciência, recolhe seus cacos bêbados de alegria que se estraçalham pelas mesas bem adornadas. as noitadas de mentirinha. cheia de bonecas de porcelana, conversas de champagnhe em vozes de plástico, puro glamour e muito brilho.

eles se dão bem. há sempre um caso romântico arrebatador que os rouba do real que usurpa seus pés até a alcova alheia. e tudo fica bem, tudo ficará. até que a morte os separe.

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