25 novembro 2011

duas suecas compraram esta casa. antes, ela ia ser demolida, então trouxeram cervejas artesanais de viena, reformaram o imóvel e vendem aí. pães recheados com salsichão e cervejas -estão casadas há dose anos. dizem que adotam cães pulguentos de rua. a esta hora o leiteiro sempre passa, garrafas frescas. bebem muito leite, muito. e as crianças, de olhos azuis. o cabelo parece até transparente de tão louro. gente aguada, isso sim. dizem que a casa continua infestada de rato e umidade, mas elas moram aí, assim mesmo. e servem salsichas!
vocabulário, de guardar voz. escapulário, de guardar fugas. colecionava no caderno figurinhas de grandes obras da engenharia humana. você acredita que do outro lado do mundo...? existe o outro lado do mundo? prédios tão altos, eles relam no céu, chegam até na estrela. assim? é, alto assim, ó...e os meninos de braços abertos, imitando aviaõzinho, correm pela rua de terra. mais ali a frente, a menina de pintas na cara. Onça pintada, onça pintada! e ela ameaça, corre atrás deles com seu vestido amarelo e os cabelos atrás, voando vermelho-ferrugem.

24 novembro 2011

Ali está ele imóvel e silente... com a graça discreta do seu natural nu, no rio, ou dormindo de voar na rede, passeando pela selva, sugando a seiva das frutas. pescando o brilho d´água do peixe. arranhando filetes mordiscando carne, bebendo sangue fresco -em sua língua áspera. espera. espreita os olhinhos... o pardal bicando milho, descuidado. o gato felino, com pena, cabeça e o bico mastiga seu corpo todo, magrinho. gato só aprende a voar, se comer passarinho.

12 novembro 2011

e agora...que engoliu tua maçã
sem ler sem
sequer ler o que lhe garanto...
nem se morresse
nem se vivesse phoderia
adivinhar
que o gozo é o avesso do silêncio (todavia assaz fugaz),
ignoto e jamais

jamais triste.

sei segredos ninfomaquinoselvagens
por exemplo
o ka(r)ma sutra
foi escrito com letras d´água
por feiticeiras ígneas

como um dia
de
Björk Guðmundsdóttir
dançando no Escuro, eu poderia
eu phoderia...
até agora...que engoliu tua maçã e não leu
sequer a ex-tória que lhe garanto...
minha vida
tem seus
enigmas

14 agosto 2011

Inacab

oh! distraído e manso
podias ser descanso, mas foste sábados
e como bem sabes
tudo o que é meu:

as mãos...
e a voz
tremeluzida


Eu sei, eu sei... estamos
vivos pra morrer
nossa pele esticada no tempo em que a beleza
era uma rainha
de roupas finas e hoje usurpa
nas ruas
o arquinimigo
mas
contigo
não correria perigo
sairíamos sãos
e salvos e vivos
desta doida
microgaláxia de
pensamentos

tua sábia boca
não ignoraria
nada
deste longo intervalo
entre pernilongos e as tuas pernas
que lambo
no imaginário
ladrilho branco
de uma cozinha
com cactus
na bancada

e como sabes
tudo que é meu
gestou-se no útero da noite
no ventre da Mãe madrugada
tua filha
de pálpebras finas
tão adocicadas
dança
e ri qualquer riso
brilha feito outro
nas tuas mãos

poderia
ser domingo ensolarado


mas fostes sábado
e
querias doida
me encontrar
nos desencontros
de um bar,
na esquina
na boca
num canudinho
refrigerantes
idéias a girar
entre o copo de cerveja
e um curso de fotografia
inacab...


teu corpo
insaciável e insone
devorando lento
mais uma noite
sem dormir e
sem sonhar

e
se por acaso
quiseres ser meu
ocaso
eterno
a ocasião
é esta

15 julho 2011

trans-tornes

cadeiras craqueadas
malarmè e marmelada
à todas mães de santo
e de todo o espírito

abre-se pisado
agora
tudo que sinto
do amor:

flutua entre o sim
e o jamais
e não torna
nem retornará
embora o procure
nos vãos
nos vasos
sanguíneos
em caminhos
que vão trôpegos
pra além do último gole
na madrugada
fina
morde arranha e cospe
essa saliva
espuma
ciúmes e homícidios em
corpos suando cínicos
ávidos de gozo
e de charutos e
literaturas

e a ti que ensinaram ser santa
rolaste
pedra bruta
livre e
puta
como

uma fruta de
venenosas delícias

teu amor é um fogo azul
da cor do seu corpo nu
que a lua vem lamber
fria
e arder em tua virilha enquanto
minhas orelhas se inclinam
vermelhas
e esfregam-se
nas tuas coxas...

12 julho 2011

Maças Azuis

As imagens na água refletem a cidade;
na cidade, o homem folheia.
No homem, existem praças e ruas;
nas praças, os pássaros.
Nas ruas, as árvores;
nos pássaros, a chuva.
Entre as árvores, os hortelãs;
na chuva, os gatos;
entre os hortelãs, os corações.
Com os gatos, o silêncio;
pelos corações, os jenipapos.
No silêncio, as imagens;
nas imagens, as paisagens.
Entre as paisagens, o homem;
em volta do homem, a cidade.
Ubirathan

11 julho 2011

Pra que se apaixonar agora?

nossos encontros
absolutamente sem obrigações
nem durabilidade
nem discursos doces


apenas momentos áridos
desensaiados
de mãos que se enroscam e bocas caladas
ou úmidas
ou secas

e derepente esses
cacos de vida cravados
no peito rasgam
uma fresta mínima

da qual brota uma flor daninha
e faminta se enraiza
nos músculos
duros do coração
e a razão
crisálida
abre insuspeitas
asas
de borboleta

e voa livre ávida
nas luminicências
lúgubres
da paixão

09 julho 2011

o vento é uma moça a uivar
nas janelas
nos cabelos nos cachos
verdes
das
árvores

e a única coisa que pode te salvar agora
é costurar sua auto-estimação
em seus orifícios vácuos

e com garras de tigre
presas de leão
rasgar em nacos
de carne
a solidão

08 julho 2011

doida varrida

hoje você amanhece
sem a certeza de que haverá vida
nas mesmas ruas cinzas
pelas quais passou
sem notar
que trazia
a paz
cada vez que
respira
um pouco do teu ar
se mistura a atmosfera
do lugar
e tudo que pensa
e pensará as torres com antenas
suspensas captam e já sabem antes mesmo
de você entender

do alto de sua
tirania
o desequilíbrio magnético que a sua pele causa à minha

07 julho 2011

joana francesa


joana sórdida
quando chegar
terás
meio quilo
da minha língua
entre os teus dentes
falando de coisas que não entendes
e sabes muito bem
que nem são paulo era tão
santo assim

quando chegares joana
beberei teu mana
de canudinho
sugarei do teu
seio que é morno
o teu medo
de mostrar
teu corpo bonito de leite
que veio lá da via láctea
vagar na
imensidão dessas estrelas
e iluminar
meu quarto
umidecer de lua a prata da minha
mobília

de mostrar como brilhas
como és bossa
e é só
tu chegares

e pronto
sabes me abrir um fogo
como as bromélias
se abrem
às águas raras do
estio.

06 junho 2011

Comércio

queria mais
um café de pressa
expresso
pálido e espumante
um brado retumbante
na fórmica
da tabacaria

uma mulher sonolenta
de bolsas frouxas
sob os olhos
me espia
me espinha
com seus olhos molinhos
de inveja e caspa

...

folheia páginas
antigas do jornal
na porta
da tabacaria
a tarde se adivinha
na sonolência de um gato...

solidariedade atéia

conheci uma moça que não cria
em paisagem

de passagem ela me disse que
viajar era seu desatino

ofereceu-me uma maçã tão grata
lhe estendi a última colcha
de retalho
que restou
da ventania
publicar desenhos
como quem expõe um sonho
tímido
íntimo
e

estapafúrdio
como comer com dedos sujos
os picles do big mac

raul e raquel

quando
abrirem os girassóis do seu bairro
raul voltará com um ramalhete
de desculpas
enquanto

a toalha úmida no banheiro
guardará o seu cheiro

e raquel percorrerá com os olhos tristes
todos os acessórios
espalhados
na pia branca
o espelho
do banheiro
a gota que
insistente
pinga

...

18 maio 2011

ciranda

de súbito ria
uma boca de lobo
a engolir criança

a pele morena me arranha os olhos

como o sol
arranha o voo do pássaro
no silente topo da montanha
ele pita fumo sossegado
fiado em seu orixá


um pé antílope
esmaga a areia dourada do deserto
de súbito venta tempestade
quando ele vem
sem rumo
e chega
ao peito da selva
aberto de tiro e furo de lança
sangue
e fogo
nos animais
crepitam
as árvores uivam
uma dor de fumaça
vai do nariz à alma

e por pura coincidência
meu brinco é da cor
do teu
patuá
e tua mão morena enlaça
a minha mão branca
e a gente brinca
de rodar

16 maio 2011

Negrume

quando teu punhal de prata rasgar o imbigo da lua

cairão negros anjos de estrelas
suaves na noite dura

asas de maripousarão

no coração pulsante de pecado e vida
oferecer-se-á
escandalosamente aberta
às tocaias
(aos aromas)
do amor

e há de escorrer na tua boca
o delicioso mel de minhas
pétalas

e os anjos
flutuarão em tuas veias
roçando suas asas leves
nos ossos nus
das suas costas

15 maio 2011

Doriana

lá vai ana mergulhar no céu
tocar as nuvens
com a ponta
dos cílios

o que dói em ana são as horas desmedidas
cinzas de outros povos
sopradas em ampulheta do deserto
arrastando-se nas cocovas do camelo

ao pó voltarás...

o pôr-do-sol tinge o cristalino d´água
de lisases vermelhos alaranjado-fogo
tudo dentro
dos olhos de ana

e fora dos olhos dela num reflexo
curvo


sua dor é dor de pré-vida
não teme a morte
mas a dor de carne
e ossos que seu espírito sente
ao retornar à matéria
o leopardo preso
nos olhos de ana mira o imenso lago


dentro e fora um reflexo
onduloso de sol morno quando vai embora
tão mais doce
suave
sol quando se vai lá no alto

no céu
ana mergulha os cílios o nariz o rosto as coxas
macias os seios no azul líquido
do pôr-do-sol

nua no lago ana ria
tão rica
ria sua
riqueza plena
de não possuir nada
além do
corpo
em carne viva

10 maio 2011

violências

teus ombros baixos
são escombros
de desencontros
hábeis os teus cílios mais curtos e ainda mais finos
que os meus
lábios


espero-te com sorriso
de caber mundo
mas não caibo
nem no sorriso que não avisas quando passa
nem no oblíquo do teu olhar enviesado


ombros murchos
como violetas
que receberam muita água
excessivo amor de apodrecer raízes

podre pequena e murcha
espero que a secura dos teus passos
finquem dentro de mim
abrindo a pique
estradas intra
venosas
sem
fim

25 abril 2011

elle

ela tem nervos
de tudo sentir
o tempo
o mesmo
aplauso
cólicas e
aspirinas
entre as coxas
andar sozinha
nas extensões
sólidas
da sua
solidão

de abrir com os dentes
uma cerveja num rasgo
raso na chuva
seus pés
molhados de
chão
em
pedra
fria

jorra da sua barriga
água santa
sangue

benta se banha
em licoroso e
amaro
vinho

ela é minha
passarela
passaredo
paraíso

sou o pedreiro
e pedestre
vou construíndo
abrigo
de rumores
antigos
amores
que lhe metiam
a boca no focinho
lhe cuspiam
nos riscos
dos olhos
caninos
se lambiam
um ao
outro
se diziam
em verdade
vultos
da vera
cidade

que em seus desenhos
de água clara
e verão
em
cachoeira
calma
uma mansidão que
grita

como a gruta funda
ainda mais escura
que
a escuridão
da sua
alma...

14 abril 2011

logo-in

vai logo, login!
há uma mensagem
esperando por mim

nem eu nem tu
podemos perder
enter enter entre
tecles teclas
tlec tlec

vou construindo
imagens
futuros
personas

máscaras que englobam o mundo
inteiro
mas são vazias
de mim

como
cavaleiro inexistente
logo e entro novamente
no chat chato
que me chateia

faz cena
faz que rouba a minha
senha:
mesmo que me mantenha
sã é bom saber
que minha sessão
expirou...

11 abril 2011

ninharias

a possibilidade
que abre
os dentes
um sorriso
aguado
à susto

com sorte
e com dor
de dentes
entrementes
girando
o vestido...

como a poeira
da amplulheta
solta teu corpo no abismo
em que a queda é um voo
infinito
e mata leve
a sede
destes primatas
o caminho
entre
o mundo
e o ninho

é um pequeno
pássaro plúmbeo
que desesqueceu-se de
avoar

01 abril 2011

29,99

as palavras mágicas foram removidas
temporariamente estão fora
de área

a rameira criou novos termos
obscuros
para falar das plantas
e do animais
da mata

a mágica
e o vocabulário secreto
se tornaram um ângulo
um cálculo reto numa métrica
desastrada
o alfabetonumérico
substituiu o encanto
das águas

a rameira inventa novos pós
venenosos e a mãe dela
a publicidade
nos oferece felicidade
ao preço da margarina
um toque de vitamina
na tua vaidade
e te convence que de seu
venenoso pó de desnutrição
em massa
é do bom...
do bom...

o que te falta pra ser cool

mais que maldito
havia um fedor
implícito
na sua voz

cool de rola. elas dançam. aflito
ele chega
dispersando rodinhas animadas
pensa que sentem um grito
mas não sentem
nada.

qual é o assunto?
é a sua mais astuta pergunta
engasgada
e alguém sorri
quando ele
se afasta

irrompe interrompe e
assombradas
as pessoas aos poucos
vão lá fora
fumar cigarro
pegar uma bebida
bater um outro papo

ou se olhar no espelho
pela milhonésima vez -de novo
ficou na roda
apenas aquela menina loira
magraguada
que antes nem aqui
estava

lhe falta o nobre princípio
de saber ficar sozinho desde o inicio
até o final
te falta uns olhos bonitos
e uns lábios bons
de contar bravata


compreendeu então olhando aquela pobre menina loira
da madrugada
que ninguém quer
nem dejesa nada
que a ele
também
assim
outras pessoas vêem
e vão-se embora
enojadas

Maria de todos los Angeles

espalha
em seus sonhos
medonhos de eucaristias
cólicas católicas
medos que
se medem e depois, depois
metem e repetem

um beijo na mulher
do padre

seus cabelos
como dragões flamígeros
se enroscam compridos
lapsos de tempo no espaço
desatam diante dos olhos
atentos
das enterradas
vivas...

Maria
hidrofóbica
de cuja cabeça
morta
brotam flores
ígneas
sua vida
uma rua e um beco
sem saída

no quintal
Sierva Maria
brinca mandingas
descalço coas
negras repete loas de los
Angeles

pocket stories

apesar de não olhar pra cima, sentia o céu claro abrigar os carros estacionados em linha reta. larissa enrolava a ponta dos cabelos trocando as estações do rádio. sua boca ruminava um chiclete velho.

só tem porcaria.

os óculos escuros refletiam palmeiras, dessas que parecem artificiais. desceu trôpega com o equilíbrio de um poodle sobre as patinhas traseiras. tentei alcançá-la - passos mais largos à minha frente, suas pernas pareciam enormes no salto.

e essa pressa? toco ofegante seus ombros.
preciso fazer xixi, honey.
espera, merda!
ai! a bolsa! esqueci a minha bolsa no carro...

voltei pra pegá-la e larissa já desaparecia morena e macia entre as pilastras do hall do enorme monstro-mall. agora, analisando bem, o cheiro da pele dela é como a rua que a chuva da madrugada lavou.


peço dois cafés expressos de pressa pois faz um frio de aço neste ar condicionadamente estúpido. a pele embaixo da camisa arrepia. visto um casaco, bebo o meu café e faço rodeios pelas prateleiras da livraria, para apreciar os livros intactos, novinhos, virgens. passo meus dedos levemente sobre as capas, são geladas, resistentes. tenho ganas de deflorá-los. perambulo até que

meu corpo exausto afunda numa dessas poltronas de ambulatório de grife.

na mesa o café de larissa esfria.

passo a vista por revistas. livros de culinária, obras completas de autores consagrados, livros de terapia, auto-ajuda, puzzles e HQs. o local todo infestado pelo cheiro de pão de queijo mineiro morno com capuccino

enquanto famílias domingueiras entram e saem com saquinhos estilizados cheios de livros, balas, quebra-cabeças... mastigando seus pães de queijo engordurados. meu apetite é nulo. e não me alimento desde... que conheci larissa, tenho a impressão que seu corpo tortura o meu. meus ombros se tornaram caídos e não descontraem nunca. como é mesmo que se ri de alguma piada? aliás, eu quero que todas as piadas vão passear. vou viver em um motel de luxo onde não há piadas e passarei o resto da minha vida bebendo, fumando e cheirando corpos...

paro para apreciar uma planta de folhas largas e lustrosas. totalmente plástica. a sensação plástica de conforto dos shopping malls.

enfim, encontro minha seção dileta: minha dilectomia. Pocketbooks. ah, os clássicos livros grossos e de impressão duvidosa, em versões chulas de bolso e suas capas se oferecendo nas gôndolas giratórias das livrarias...
fáceis de consumir, leitura digestível. folhas opacas que desgrudam fácil. livros que vão-se destroçando ao tato repetitivo. que se gastam. feitos pra durar pouco na estante e na memória, como certos...

a mocinha do café retira o copo de larissa na discreta e displicentemente o despeja no ralo.

jogou fora o meu café frio. sua vaca. penso, mas não digo nada.

larissa foi ao banheiro e desapareceu. e agora a balconista acha que pode jogar o seu café fora. mas antes que tivesse qualquer reação, reparo em algo que poderia mudar toda a minha vida: uma mulher. metida num vestido amarelo, exibindo um lindo brinco de pena. sua pele bonita e seu vestido esvoaçante. observo tudo em silêncio. e a venero e a odeio por ser tão linda e radiante quanto esta maldita manhã de domingo. tinha os cabelos presos num rabo de cavalo, castanhos, apaixonei na hora.

olho para a moça do balcão e, em tom de zombaria hostil, vou falar com ela. balbucio como um babuíno e num tom de lord inglês esboço meus protestos inúteis - a moça de amarelo não levanta os olhos do seu livro.

até que, puto, sento em sua mesa e pronto. de forma invasiva. a princípio, ela finge não me notar, até que a encaro inescrupulosamente.

você não pode se sentar em outro lugar, cara? disse distraída. desinteressada. a pena do seu brinco flutuando colorida no ar condicionado. ofegava, sua mão macia, um rosto de creme de amêndoas com cheiro de laît au chocolat. queria morder sua boca, chupá-la toda -bebê-la.

pode me dar licença?

não! hoje estou tenso, entenda.. a culpa não é realmente sua. mas gostaria apenas de lhe oferecer outra xícara de café, já que, entretida em seu livro, deixou a sua esfriar. olá, sou Lord Henry , velho amigo de Dorian Gray -e estou ficando velho e pútrido logo federei tanto que não poderá me ignorar.
ah...é...isso, isso não tem importância, tem? e ia se enfiando no livro, escondendo o rosto nele.

saio de sua mesa e volto. ela não se dá o trabalho de erguer os olhos.

como recusou o café lhe comprei uma deliciosa torta de chocolat e esta humilde taça de vinho, o meu predileto. este vinho que me deleita. hum...? ela aceita o vinho e, às vezes, soergue de viés os olhos verdes pra me condenar por ainda estar ali, furtando sua solidão, sua leitura cognitiva. então soltava um suspiro e tentava se concentrar outra vez. no livro.

posso...? furtivo entrego-lhe, num gesto exaltado, uma horrenda flor plástica de um arranjo na mesa vizinha.

tome aqui um regalo pra ti, guapa.
regalo? arregalando os olhos verdinhos. sorriu, enfim. graças à deus, não haveria tempo hábil! larissa voltaria como Katrina arrasando quarteirões com sua mágoa e sua maldade.


conversamos tranquilos, um agradável domingo de sol que para mim ainda era sábado tão a vontade ríamos gostoso feito velhos conhecidos quando larissa entrou, descabelada, cambaleando em seus saltos altíssimos e com as tiras da sandália soltas, arrumando o vestido, limpando os olhos borrados. mas o batom. o batom e o tom de voz estavam impecáveis, vermelhos, no rosto pálido e lhe conferiam uma beleza helênica, eterna, possessiva.

caminhou altiva até a mesa e olhava diretamente para a moça de amarelo que agora sorria sem graça, sem entender nada.

o que foi? perguntou finalmente.

larissa assumiu sua feição predileta: mártir da tragédia grega. disse sibilante entre lábios que mal se abriam, de ódio.

eu sou Medéia! e estive chorando, no banheiro. por este crápula. seu nariz escorria. os olhos vermelhos.
pedi café pra você...
enfia no cu. e vamos embora desta merda de lugar. isso fede. e olhava diretamente para a simpática rapariga e seu singelo vestido amarelo. a moça escondia o rosto atrás da petulante taça de vinho que lhe servia de escudo - a taça que eu paguei.

antes de sair, cravou suas unhas de pantera na pele macia da garota, e sussurrou: va-ga-bun-da...
a moça do balcão nos observava, escandalizada, e parecia inclinada a nos expulsar o mais rápido possível.

discretamente, tal qual dispensou o café no ralo, chamou um segurança pela linha interna; chamou o segurança, entende, apenas por segurança. a moça de amarelo, esperta como bem diziam seus olhos verdes, levantou-se altiva e lá fora, indiferente, degustou um cigarro. sozinha. a taça de vinho na mesa, só a discreta marca de batom desmentia que era uma taça intacta. eu via a marca de batom, um borro invisível na boca da taça...

dá a merda minha bolsa! puxou com muita brutalidade, parece até que ouvi as fibras da alça estirando. procurou alguma coisa, bem furiosa, fucinhando feito louca,

onde você enfiou a parada, seu grande merda?

larissa louca. arrancou dos meus ombros caídos sua bolsa de dois mil dólares. e puxou com novamente tamanha violência, que a alça finalmente arrebentou.
ficamos estáticos observando nossa dignidade ruir. e a bolsa cuspir com escândalo no chão: óculos, livros, mps, tilintar moedas, cigarros, uma boa quantidade de bolotas plásticas, smoking papers, um frasco de Dior - que deixou o local com um cheiro horrendo de pão de queijo doce, fósforos, isqueiros de vários tamanhos e cores, cremes, maquiagens - e continuou... tilintando grampos de cabelo, pinças, protetor solar facial e um celular. tudo assim explodindo exposto lembrou-me uma espécie de comédia trágica e distante. na enorme tela do seu smartphone ululavam 07 chamadas não atendidas. tudo girava ao nosso redor, larissa sem se importar, procurava algo em meio de seus pertences.

larissa louca. alucinada. a ergui. como quem restitui o trono à rainha de copas.
hoje é apenas um domingo gordo, com moscas em volta, larissa. ninguém sabe. ninguém precisa saber que esta manhã plácida de merda é a exaustão da madrugada. que o domingo é um sábado esticado e amanhecido, que já embolorou. e nós que bebemos, sonhamos e não dormimos -que não dormimos absolutamente e há séculos! e quanto mais cansados, menos dormimos...não somos nem seremos compreendidos assim como não entendemos porque as malditas plantas agora são de plástico.

uma coca em lata, ela pediu antes de olhar para as suas coisas espalhadas. o que uma pessoa vai fazer em um banheiro que....

e a moça do balcão simpatizou com ela- talvez porque me estivesse humilhando em público. serviu a coca com um sorriso cúmplice; ela engoliu dois, três comprimidos de uma só vez com coca-cola, mastigando bem -e arrotou, elegantérrima, lá fora, cheiro de churrasco, cheiro de almoço em família, jornal, macaco, praia...

isso me lembra algo!

precisamos ir, queridinha. peguei sua bolsa e a puxei pelo braço. 07 chamadas não atendidas... uma mulher com cara de um cangaceiro de bigodes bufava atrás de mim porque não eu encontrava depressa as notas amassadas no bolso pra pagar os cafés - e a taça de vinho. finalmente fui desenrolando com calma notas completamente amassadas. larissa recolhia os últimos pertences espalhados no chão e a moça de amarelo, através da porta de vidro, nos observava.

o valor da conta estava absurdamente errado, redargui.

então, vou pagar apenas o que consumi, entende? "preciso esticar mais uma". larissa sussurrou no meu pescoço. vá lá, putinha. afastou-se e meu braço caiu no vácuo sem tocar sua bunda.
então, moça...
próximo!!
a cangaceira bigoduda agora queria um salgado de presunto com frango, empanado e frito, não acompanhava mais os nomes, os novos sabores dos salgados. a moça me cobrou dois cafés.

paguei com mãos trêmulas e notas sujas e sai pra fumar um cigarro. larissa no banheiro...

tem um cigarro aí, moço?
tateei os bolsos. puxa, está na bolsa da...
sua namorada?
você está de brincadeira?
está sozinho?
por enquanto
te achei bonito.
atônito, olhava em volta, cadê as câmeras? ela sustentou a proposta. olhos fixos.
nossos corpos se inclinaram e a puxei com firmeza pra mim. enfiei vagarosamente a língua em sua boca, degustando os beiços, a língua, o hálito, as mãos por baixo do vestido -não tinha nada, nadinha. vestindo amarelo leve. levinho. a calcinha, arranquei fácil. os bicos dos peitos duros, enfiei dois dedos nela, queria enfiar a língua. a ergui com extrema facilidade a egui um pouquinho do chão e flutuamos até o estacionamento. lá. no carro dela. vermelho e dentro, na cafeteria, o celular de larissa tocava, tocava, tocava. 17 chamadas não atendidas. conhecia sua estridência de longe. nóia, nóia, nóia. merda, merda..

crápula. atende essa porra. atende, atende... a escutava gritar. em minha cabeça, enquanto fodia aquela moça de olhos verdes com cheiro de chocolate ao leite, escutava: atende, atende, atende. pensava em larissa e no seu nariz -que sangrava fácil.

desgrudamos nossos corpos suados. ela me beijou, na boca. irradiava amor até o teto do seu carro. retocou o batom, e acelerou pra longe. seu nome? seu nome...espera, espera...e vrummm, lá se foda ela.

subi o zíper da calça e fui esperar larissa, em frente à livraria. por que não atende a porra do telefone? era sua mãe, aposto.

vi quando a moça do balcão lhe entregou o celular com olhos fulminantes. ela chega:
a moça de amarelo cadê?
desapareceu.
vagabunda! e tira sua pata nojenta de mim!

larissa iracunda, procurando pó. batom. rímel. fucinhando a bolsa. aliás, muito engraçada esta palavra: rímel. rí-mel. he-man!

larissa...você deve ter perdido isso lá dentro. pára de fuçar nesta bolsa. seu telefone voltou a tocar estridente.

tua mãe, atende.

eu sempre se esquecendo de tudo, perdendo o rumo, a pressa, perdendo a coragem.

vai, lárissa! vai! atende essa porra!
ou desligo. não é justo!

lá foi ela. atendeu. então ouvi pela primeira vez a famigerada voz da mãe dela

LARISSA? larissa? onde você está? onde passou a noite? onde você está, larissa? quem está aí com você? o que você está fazendo? o que está ACONTECENDO? por que não me atendeu? onde você está? onde? ONDE? estou indo aí te buscar! larissa...larissa...larissa...espera. eu fiquei preocu... larrissa.....................................


o pneu de um Corsa Sedan preto esmigalhou o celular dela.

não está nem aí. tudo corre em slow motion. fuck all of you; acende um baseado. beberica a taça de vinho que a moça de chocolate ao leite deixou sobre a mesa. coincidentemente, põe os lábios onde a moça de amarelo colocou. isso me lembra o sabor do molhado da boca dela - lembro que a fodi por trás. e a lambi, lambi e depois bebi seu líquido sagrado do tesão -no porshe vermelho, no banco de couro vestido amarelo arriado, delícia de bunda. e desapareceu, pra sempre. larissa ainda estava ali. triste, manhosa, confusa. procurando um hidratante labial. e ainda ressentinda com o pó que caiu da sua bolsa, na livraria.

fumamos nosso cigarrillo em frente à livraria. as asquerosas famílias domingueiras com seus filhos de bochechas gordurosas continuavam entrando e saindo pela porta central. estou no mar do Haiti acariciando os peitos da larissa, chupando a menina de olhos verdes, larissa enfia um consolo na boceta dela e eu a chupo também... os seguranças se aproximam. a garota de amarelo enfia o seu delicioso dedo no rabo de larissa e a fode feito uma doida. eles torcem meu braço...
me dão um soco no estômago, sacudindo:

O velho e o mar, do Hemingway...recém-roubado, que cai do bolso do meu casaco. fuck pocket pocket books. costumava pocket books somente pela ironia do nome.

lá vinham eles, os seguranças!

fiquei realmente estarrecido quando passaram por nós sem se importarem com o maldito cheiro do meu cigarro. sou um homem ilegal, com olheiras suspeitas e uma palidez talvez criminosa, fora do contexto.

larissa voltou exultante, sorrindo feito o sol sobre nossas cabeças, o vento soprando deliciosamente em seus cabelos. subimos no carro, larissa mechendo na ponta dos cabelos, trocando as estações. finalmente uma música agradável. Arnold Layne. e eu sentia seu Dior bem ao alcance. o perfume daquela morna morena.

dentro da sua camisa o vento se espalhava azul e fresco. arrepios de alegria, ainda estava com aquela tensão os ombros...o livro recém-adquirido, larissa recuperara seu pó, e um vidrinho de esmalte. esticamos e as pernas, os braços e as mãos fizeram um sexo sôfrego sem fôlego, sem lágrimas, porque estávamos secos. estávamos ficando velhos, cinzas como ruínas apagadas em uma memória em sépia.

29 março 2011

através do espelho

sou superfície reflexiva
refratária
límpida e plácida
espelhada

refletindo a tua imagem
e semelhança com os móveis
de mógno e cerejeira
bem distribuídos na
tua sala

liso e avesso
atravesso teus olhos e muito aquém
alguém bate à tua porta
que ditoso
abres

tu, sólido e bem estruturado
de ferro haste e aço
machado
me estraçalha
em mil
gotículas
de vidro

espalhadas
refletem feixos
de luz à janela
e de repente me sinto
leve...

triturada
flutuo
em mil pedaços
suspensa
no ar
como uma chuva
de prismas cristálicos

e cada pequeno fragmento de mim
cerca-te envolve-te

emito cega
e dilacero a carne do teu
olho com
meus mortíferos
e luminosos
raios

25 março 2011

não aparece na foto

meu sorriso interno

é o desespero dessas melenas
querem se misturar
às folhas do vento

quando o sol atravessa
desobnubiladas idéias
pairam maripousam

sinto que somente
duas forças movem o mundo
e não sou
promessa
de nenhuma delas

quanto mais te busco
um susto
nos braços brutos de outros
espamos
te encontro
cangaço seco e submisso
aos meus vícios
mais
desagradáveis

e me entrego
a outros desesperos
esses
amores perros
pêssegos
que envenenam
meu sangue
chupá-los frescos
pela língua
e pela boca

não se afaste
nem se aproxime demais
minha sina é te ter sem ver
sem poder me tocar
que há muito tempo
já não sou mais
-que pena!
a sua

pequena

espera

sozinha
passar a neblina

não entendo
nem o que sinto
nem o que sempre soube
que sabia

me guia apenas
um filete
de luz fina
se
me atravesso nessas
águas extensas
frias
enxergo apenas
o quanto
não enxergo
nada
disso

21 março 2011

Shakes Pearl

percebi o quanto era estranho cego obtuso tudo isso. meu horror não superou a vontade de continuar ali espiando, sentindo frio e medo. era muito solitário inventar a vida. lançar hábitos para preencher o dia, café, jornal, cigarro. e não havia verdades.

feliz. algumas vezes inventei felicidade no céu no sol na água do mar mas acabou. feito brincadeira que perde a graça. sentado sozinho, na sarjeta, sentia tédio subir no calor da rua como mormaço. aquela mordaça na barriga que comida nenhuma maneirava e doía de saudade de quê? desde pequeno tenho saudade. de quê? e vazio, mas de quê? se eu por acaso sou oco, pouco falta para ser louco. Foi quando conheci Lu.

ah, sim, as mãos de papel crepom da minha vó. mexendo a panela o cheiro de arroz, escolhendo feijão. um preto outro bão. ela dizia. lhe doía o nervo ciático. arrastava as juntas duras de artrite, o pulmão fraco me soprava beijos. uma foto dela, de moça, em sépia, segurando cigarro.
sorria uma boca sem dentes os olhinhos vivos brilhando tanto -só pra mim. menino bonito. ela dizia. eu sei, minha vó também sabia dizer isso, passando a mão em meu cabelo cascudo duro de terra.

passeava de bicicleta, formava quadrilhas de extermínio na infância para combater invasores -as crianças do território vizinho. e hávia os pérfidos bandidos (imaginários) que povoavam o planeta da minha mãe. me chamava pra dentro, pro banho, pra escola, pra fingir que era a vida normal, o que devia ser feito.

logo percebi que era tudo mentira. logo não voltava mais para casa. logo foi assim que a vida me surgia natural, a vida como eu quisesse. com direito a banho de mar e psicina... assim vi que crescia, conforme as fronteiras iam alargando.

sabia lidar com os extremos de minha mãe:

uma acordava tarde, cigarro já na boca, cabelos arrepiados que ela passaria o dia sem pentear.

a outra secreta e linda. pernas com óleos perfumados e um sorriso na cara como se as buzinas da avenida fossem rouxinóis. como

uma mulher de nome fictício a outra ainda mais louca varrida varria a sala esfregando gordura onde não havia. fritava um bife esperava meu pai chegar e ele chegava. bêbado, fedendo puteiro, batendo nela por qualquer coisa de si. batia em mim também e depois ia embora levando nosso dinheiro e nosso cigarro.

uma vez ameaçou minha pobre vó. foi quando eu peguei a faca pra ele. peguei a faca e minha mão tremia. e era de ódio. e tremia de vontade de cortar macio. pele, carne, nervo, ossos, sangue e grito.

juntos então -eu e minha mãe- afundávamos na poltrona velha. ela voltava a ser suja e descabelada, chupando distraída os cigarros que escondera. eu era o primeiro a dar o fora dali me levantava, o saco cheio, a bigorna que carregava no peito, a sensação de suar frio diante da vida.

até que meu pai não voltou. saiu pro olho da rua, que é o olho do mundo, um moleque do mundo não, um duplo fascínio. minha vó sabia de mim, ela dizia "bonito" com os olhinhos de catarata.

mas criança, não reparava, tudo tinha outra dimensão. aprendi catar piolho na cabeça da minha irmã, a brincar de mentir. aprendi, principalmente, a ter amigos. quando criança tudo é questão de vida ou morte, então a gente cresce e tudo se torna questão de tempo. e vai-se esquecendo, como era mesmo, como? eu vim parar aqui, como? aliás, onde estou?

a verdade é que meu corpo cresceu, esticou mas continuo o mesmo desabrigado. a vida me colocou aqui e não quero sair agora, atrelado a ela como um enorme carrapato sugo a energia solar, qualquer sorriso pra chamar de meu, qualquer menina. coloco o boné, a calça jeans, a colônia barata. o maço de cigarros no bolso, um pacote de chiclete. e saio sábado noite a dentro. o que mudou?

aprendi a ser invisível, nulo. os carros passam por mim, as pessoas me atropela. as meninas descoladas me acham "engraçadinho". bebo uísque e cuspo nos merdas que consomem todo meu estoque de drogas, eles são chapas, são brothers, mas batizo seu pó devidamente com pó de mármore, talco, estriquinina. e bebemos na mesma mesa, falamos sobre futebol...

jamais fui feliz. jamais, por exemplo, deixei uma flor na janela de uma menina. aliás, aqui não existe inocência. as moças são soltas e indolentes, saem de casa e voltam grávidas, abortadas, sifilíticas e se tornam putas ou recalcadas.

agora:

não sei se comentei... tenho um céu azul em minha vida. seguro a mão da enfermeira enquanto digo isso. ela não quer que eu fale, ela está séria como se eu fosse seu serviço.

eu tenho um mar secreto de bosta. um par de tênis novo. o telefone dela, num pedaço de guardanapo anotado à caneta. eu tenho o brilho dos olhos dela guardado num retrato o céu vanila -o azul, amplo como morrer, como o abismo escuro e infinito no qual meu corpo pende, cai e volta. me concentro no azul do céu limpo em dia claro, como se nem tudo fosse verdade - jamais olhei assim, Lu, pra vida...você que não percebeu ainda como é flutuar no espaço e entender de estrelas, de vinhos, de montanhas e -mesmo assim, ficar triste. ser pequeno como um pequeno grilo engolindo uma libélula.

agora parado bem diante dos caminhos que se bifurcam, não sei pra onde ir, seu céu, ou UTIr. permanecer seria intolerável. ir seria futuro. desejo uma guerra, uma batalha nobre contra alienígenas maldosos, uma saga, uma morte lírica. mas até disso a humanidade se cansou.
suas armas dispensam contingente humano.

vomito sangue. a enfermeira passa uma gaze úmida em minha boca, tira uma mecha de cabelo, não está mais séria, está com medo acariciando de leve meu rosto como se sentisse pena da hora da morte, como se me fizesse dormir,

e me limpa como uma mãe limparia a babinha do seu bebezinho, com a manga da blusa. gosto dessa enfermeira de olhos esbugalhados de horror toda delicadezas com sua gaze úmida. se pudesse falar lhe pediria um beijo. o último beijo de morte ensanguentada. se pudesse falar, eu a pediria em casamento. que se fosse comigo...

as lágrimas embotam minha vista a camisa empapada de sangue, a ambulância vai macia, de leve direto pra emergência, de lá, direto pra delegacia. fico indeciso, jamais mergulhei tanto na alma de alguém como agora mergulho na minha.

comrpreendo, quando eu era criança, e ainda ia à escola, quando o que diziam não fazia sentido nem tinha a mínima importância, uma maldita pergunta me vem de repente à memória, com um suave desejo íntimo:

ser ou não ser? that´s the fucking question.

14 março 2011

rascunho

o céu clareando aos poucos devolvia cores às fachadas da avenida suja e apesar do cheiro fraco de desinfetante e água um vapor morno de esgoto pairava.

dividia o último cigarro com ela cambalendo alguma música... the cramberries, the rain, the spot motion. não me lembrava mais das letras. o frio infiltrado na garganta arranhava o pus irritado, quando a cerveja descia gelada e, mesmo assim, a boca continuava seca.

ela era a flor plácida que colhi no interior de uma lojinha de ninharias do âmago da seca e sem vitaminas, ao fundo de uma prateleira abandonada ao pó e às teias de aranhas. as aranhas que arranham leves carícias na pele suas patas tão fina.

os vultos voltam. você quer ir para frente.
talvez eu...

mentiras sinceramente ditas seriam bem mais bem-vindas que aquela secura na boca! como há dois minutos atrás. o telefone toca mas ela não toca no telefone. quer ficar. tanto a ponto de formigamentos surgirem em vias dantes percorridas apenas por arrepios.

a minha língua lambendo toda as suas costas. tudo convergindo para a ponta dos seios duros de tanto frio. procurava o casaco havia esquecido que não trouxera nenhum. tateava em busca do dinheiro que já havia gasto. sem dinheiro, sem sono, o peito ficava largo e os olhos caídos de uma emoção sutil qualquer.

quando a encontrou na curva final da noite estava adormecida no sofá de veludo vinho ao fundo do bar. dormia cílios tão grandes, tinha sonhos tranquilos opostos às batidas densas do house.

a felicidade aqui é obrigatória. quer um trago? quer um gole? quer um beijo? quer um porre de porra boca a dentro?

não queria nada. só colo. socorro. queria sentar-se de cócoras e praticar yoga. queria principalmente mergulhar nos olhos azuis. o céu claro outra vez e o mesmo gosto na boca. barata seca, vapor de esgoto, chiclete de menta, salivas e cervejas, o céu era dele e ele era um inferninho particular da capital fria.

estava, talvez fosse precipitado dizer, talvez fosse perigoso, mas o fato é que estava: feliz.
estranha satisfação de preencher seu corpo com alcool e deixá-lo dormente, ébrio e cansado. olhos presos ao copo o gelo girando mais rápida a sua cabeça vagava despersa como a fumaça luminosa de cigarros misturada a sons agudos, roupas aguadas.

bocas se rasgando em risos chupando brasa e soprando fogo pelas ventas. pensou no sabor de tequila que tinha sua língua -e se lembrou que não bebera tequila.

as cinzas batidas no chão a faz pensar um dia estaria embaixo da terra, sem batidas, sem músculos, sem música estridente, nem rapazes suados sem camisa, sem pernas femininas nem perfumes adocicados misturado aos odores do banheiro... estaria em abosulo repouso apodrecendo suavemente, nutrindo e mesclando seu corpo à terra.

ele a acorda, toca seu ombro e a retira do fundo da cova.

vamos!
mas já? sonolenta recolhe o pouco que pode levar de si mesma.

engatamos a primeira, a segunda, conta paga, a lufada de ar gelado indica que já demos o fora dali. o dia está prestes a. amanhã é o mesmo dia. o sol se arrasta com as horas e as fachadas sujas da avenida recobram suas cores apagadas. e aquela noite longa, invencível, só se notaria pelo arroxeado pálido em volta dos nossos olhos.

18 fevereiro 2011

você só sabe chover

puxou as patas até arranhar
o ar

suas orelhas enormes chacoalhando água

a chuva branca escorrida da janela é fria

e minha boca quente
embaça o frio da geladeira

um fio de baba pinga na minha perna
escorre
na rua enxurrada marrom
eu brinco
como se fosse

o sereno da ponte
em cristal e neblina
tão fria
passando
pelo cabelo
pela blusa
pelo vento


e às vezes
tão secos
&molhados

brincamos
de chover

11 fevereiro 2011

Cida escolhia meticulosamente suas vítimas. As mais coradas, às vezes as mais tristes, isso dependia de algo íntimo em seu humor, mas havia meticulosidade e cálculo. Seu ataque era implacável. Durante um momento nosso de terror -e não eram raros- puxava maciamente assunto, quase distraída, segurava em nossas mãos e retribuíamos com um sorriso cansado, mas sincero, retirado do âmago de nossas entranhas falidas, sua voz de mel satânica fluia em nossas coraçoes e como uma serpente ia se enroscando calmamente em cada fibra, em cada nervo, envolvendo-se tão lenta e deliciosamente até nos tornarmos íntimas e então descobriamos que não sabíamos nada sobre ela.

Uma noite, desesperadas juntamos cada pista. Cida era viúva, Cida havia assassinado alguém, impacientava-me merda o que isso tem a ver? que importa o que ela tenha sido? importa o que ela é, o que ela sabe sobre todas nós e o que pretende fazer com isso. Um burburinho se formou fraco e foi engrossando havia muita agitação entre nós porque estávamos irritadiças, a hostilidade destilava-se em nosso sangue e subia e descia. Cida era uma única certeza em minha vida: mais sofrimento, era bem provável que ficasse por anos nos torturando, a todas, ou que simplesmente nos deixasse totalmente à mingua. E aí teríamos que lutar. Isso formigava em minha cabeça, como algo possível e muito provável, aos poucos ia tecendo um fino futuro, quase transparente, mas fixo e real como as paredes caiadas no nosso cativeiro.


Naysha soltou um gemido baixo, queria chorar. Eu a coloquei em meus braços, mas me sentia tão fraca quanto ela, tão impotente e sozinha. Não era um efeito ilustrativo, de fato, assim como o resplandecente céu lá fora, estávamos secas, há dias ninguém aparecia com a água, nem com comida. E não podíamos dormir a noite graças àquele mostro. Teria durante muito tempo pavor de dormir sozinha. Das pequenas janelas adivinhávamos as sombras dos avisões sempre acompanhadas de um som surdo rasgando o ar, era como se estuprassem o vento.


Os turnos eram divididos entre nós durante a noite porque o esgotamento geral nos dava fortes dores de cabeça, os lábios rachados, a língua pesada como que estivesse mastigando areia. A decadência de minhas amigas seus olhos esturricados eram a minha imagem de consolo. Alguém havia deixado meio galão com água fria e se retirado. Era racionada e obviamente daria para suprir as necessidades de apenas metade de nós. O tempo todo nos perseguia aquela sombra macabra, sentia um gelo nos pés, uma queda de pressão e ao mesmo tempo uma possessão demoníaca: devemos dividir? Elas agiriam ao meu comando, aquelas mulheres-cacos, frágeis como ossinhos porosos. Devemos dividir?


Não entendi porque a primeira coisa que faziam as reféns era nos pedir para retirar toda a roupa. Talvez um gesto de humilhação, pensei, mas não dei a devida importância a este detalhe pois foi agradável estar nua e receber um jato de água fresquinho nas costelas. Sentir aquela sujeira indo embora, quanta sujeira...cheguei a pensar em cortesias, porque sempre fui muito romântica. quase ululamos felizes não fosse pelo exorbitante peso exercido pelos olhos daqueles soldados-fêmeas. Era assim que as chamávamos e um dia disse isso à Cida, em tom de brincadeira, meu deus, estava alta. Traí minha prole de meninas.


A agitação era grande, o calor talvez, a morte iminente, uma delas me trouxe um copo que bebi completamente sem pensar, não restou um único gole, voracidade de bicho as deixou com os olhos arregalados. sentia tensão em cada pelo do corpo, nos mamilos eriçados também estávamos assim. quando Cida entrou e pensei: temos de matá-la.

um olhar foi suficiente. Daakhar assentiu levemente com a cabeça. Agimos tão rápido, Cida disparou sua arma, mas quatro de nós cravamos garras de tigre nas patas fedorentas dela e eu a sufocava tranqüilamente em uma gravata, estava totalmente imobilizada, e mesmo que desta vez não estivesse sozinha, a guarda vigia jamais a incomodava em suas visitinhas.


Daakhar era sem dúvida a mais mulher menina que já vira. um anjo de cabelos macios bem compridos que brilhavam quase azuis no profundo luar. tinha um corpo comprido cor de amêndoa e seus olhos eram duas esmeraldas da cor do nosso mar, seu olhar era eterno e triste lembrava uma pequena queda d´água em um riacho doce. Água tão límpida, era assim seu olhar, verde de tanto brilho

e com esse mesmo brilho se aproximou como uma pantera furtiva cravou o pequeno punhal no bucho da vaca, revirou a mãos para rasgar as tripas, outra e outra vez. Os dentes da mulher travaram sua boca se encheu de saliva espumosa, ficou inchada e vermelha, depois rocha e finalmente esmorecida.


Daakhar era esperta, tomou cuidado para não danificar o uniforme, por isso retiramos suas roupas bem rapidamente e nos vestimos, para não manchar ainda mais de sangue, quase tudo ficou intacto mas teríamos que lavar sua camisa, de qualquer jeito, e teria de ser na pouca água que recebemos.

Fui a primeira a declarar que todas poderiam beber um pouco da água, mas seria um líquido conspurcado pelo o sangue imundo da assassinada. O primeiro pelotão se formou sedento, e feliz. Era o resultado de nossa vitória, era nosso vinho inebriante e se houvesse tempo teríamos devorado também suas tripas.


Para nossa sorte o uniforme era composto de várias peças de roupa e precisávamos delas para escapar do sol tenebroso. Depois de alguns dias sem que nos trouxessem de volta nossas roupas compreendi porque éramos prisoneiras e não havia nenhum vigia.


Estávamos nuas e isoladas há muitos quilômetros no âmago do deserto. Conhecia bem aquela região. Passeava por elas com meus irmãos nas longas travessias que meu pai fazia para vender couro de cascavel e carne salgada de gazela e comprar roupas, lenha e grãos para nossa família. O deserto tinha temperaturas muito baixas durante a noite e escaldantes durante o dia. Era impossíve fugir sem proteção para o corpo. Não nos restava escolha escolha exceto ficar abrigadas em nossa prisão e esperar por comida, esperar e esperar, torturas, humilhações e agora aquele joguinho nojento dela.


Demorei para perceber mas ela queria ver como se comportam os bichos humanos sem água e sem alimento. Quando já tinha se esbanjado até enjoar conosco, inventou essa deliciosa brincadeira, queria que matássemos umas as outras, por comida, por água. Então, restaria apenas algumas, as mais fortinhas, as que ela poderia maltratar ainda mais, ainda melhor. Nos vestimos depressa porque não havia muito tempo, para nossa sorte ela estava carregando uma mochila, com algumas peças de roupa, equipamentos, água e até um pouco de comida.


Isso não era estranho porque quando vinha para cá sozinha, costumava ficar durante alguns dias, de modo que teríamos alguns dias de distância, caso fizessem questão de nos caçar.

Mas não poderíamos voltar para a cidade, de forma alguma, pois todos sabiam sobre as prisoneiras mutiladas, levantaríamos suspeitas, nossa única opção era ir em direção à floresta, descer encosta do rio e tentar a sorte no porto, seria preciso nos misturarmos à massa de gente lá, conseguir vestidos de pano. Eu poderia tentar escapar em algum navio, seria arriscado, mas eu poderia. E também lá havia muitas mulheres viúvas, mutiladas, que só podiam sobreviver de alguma esmola. Reunimos o grupo, sete moças mal vestidas, duas meninas nuas, mas pelo menos seus corpos estavam intactos, poderiam até se casar, Ashyellën e Vayarllën eram bonitas e muito espertas, e as queria por perto, assumi o compromisso de cuidar delas, mas não havia roupas para essas meninas de modo que tivemos que as levar em nossos colos protegidas apenas por um sufocante casaco de Sargento e uma capa de lona.




08 fevereiro 2011

Jardim

aquele olhar adivinhava
e via
a tempestade nas borras do vinho
todos celebravam ela
remoía sua vida tentando espremer um sumo
adocicado e oleoso com o qual pudesse
adornar o corpo
para os derradeiros dias

aqueles olhos adivinhavam que um dia
não haveria abelhas, não haveria absolutamente
nada

e o ponto do tempo em que estavam agora parados feito fotogramas no jardim estático
era tão belo e insignificante
com uma abelha a pousar nas margaridinhas pálidas
salvas da exposição solar
que a todos aquecia

infinito por todos os lados, travessas e possibilidades
o ponto parado no tempo : este minúsculo instante
presente que
lhe deu um arrepio
profundo
veio lá dos forros do vestido subindo até pousar delicado na flor
da pele

24 janeiro 2011

tenha dó

nem me digas onde

supostamente vais

se não pretendes voltar

até amanhã


tenha dó

de mim

você não tira lasca


somente eu

te entendo

e te saco até de

olhos fechados

quando acordas suado

sonhando

com ela


tenha dó

a mim você não engana

há outra em nossa cama

e até sei quando sonhas

bem acordado

e vai ao céu

perdido na mansidão anil

daquele olhar infantil

e a tristeza te invade

rapaz

e não me podes

explicar

nada mais

desligar o

mal me quer

e ficar

tão leve

se me escreve

se me nota

se me sorri de volta

sou tão ditosa e


te saco até de

de olhos fechados

quando acordas suado

sonhando com ela

sonhando com ela


19 janeiro 2011

assim ela já vai

os dois se mediram sorrindo ela apressava o foco lá atrás como se a paisagem importasse. ou estivesse realmente perdida. olha estático, procura o que nela poderia estar perdido. e além do mais, não possuem certeza sobre quem são, embora sejam exatamente os mesmos rostos de antigamente.

será ela mesmo? por um segundo mais se olham, sorriem e então se entregam à fatalidade;

oi! mas como é que você tá?
linda!
ah...brigada, sorri amarelo. você também tá diferente.


diferente é o braço não dado a torcer.
inegavelmente estavam mais belos, a pele melhorada como se houvessem se livrado de um espinho fino e penetrante cravado nos pulmões. o rosto iluminado de ambos os lábios não mais se comprimiam para conter uma fúria aqui outra acolá, a língua soltousse em delícias e precisões e se tornou incapaz de insinceridades. os músculos, finalmente, relaxam e as fendas profundas dos olhos adquiriram tranquilidade. até os cabelos ganharam viço.

porque lhes acometeu a febre do prazer de não mais partilhar pequenos sórtilégios cotidianos. delitos tão mesquinhos que ia escurecendo a auréa de ambos. e assistiam de mãos dadas e muita parcialidade o declíno as suas íntimas espectativas. viam ruir as mais tenras perspectivas. poderiam ter-se estabilizado, poderiam ter engordado e se tornado mais sonsos, mas incessantemente procuravam alçar voo juntos como um par de gaivotas desaparecendo no horizonte do mar. só que cada uma acreditava saber melhor onde encontrar a maior dardinha prateada.


e isso cansa.


de que adianta ser tão profundo se ninguém vai até lá trazer à tona o brilho que você esconde, se não fazem mais questão de resgatar a pérola torta no oco da sua concha brilhante? melhor se arreganhar ao mundo. botar fora os dentes e as tripas. e seu grito de guerra será um colorido riso de menino, como um delicado e úmido arco-íris.

o cabelo dela cresceu castanho. ele deixou a barba afofar pacífica no rosto moreno. a gente se fala, se cruza, se separa, repara, pra quê? muito ao contrário do que era agorinha no banheiro esmurrando o porta-sabonete vazio, ela sorria tranquila.

e aí, o que você tem feito?

eu? estou fazendo sucesso. vou me babar de gabar e dizer que eu alcancei a fama, mas ela atropelou meus passos está me arrastando pelo pescoço na estrada de pedra e poeria e eu tossindo terra para a platéia aplaudir.

assim, algo aqui algo ali. e você? foco nela, foco.
estou bem. na-morando no canadá.

que merda você pode fazer no canadá? catalogar as tonalidades do gelo? fuja comigo para a argentina, garota. sempre te disse isso. bamos conhecer latinos de sangue fluído e quente, doce feito vinho. bamos beber litros da vida, sugar-lhe até a única gota que restar.

ah, que ótimo. e seu projeto?
que projeto? ela sempre tinha um. algum. qualquer um, porra

aquele seu...
ah, tenho novos projetos agora! meu deus, como o tempo passa...

então a deixei melancólica. ficamos calados por uns instantes tentando encontrar um novo elo. detesto quando fica assim, sem auto-confiança, opaca. acabo indo pro buraquinho junto dela então ficamos tímidos nos esgueirando pelos canto como dois grãos de poeria. mas depois logo seu olhar se iluminou como o mais belo raio sol na puríssima neve da montanha.

estou escalando! vamos montar um grupo no canadá tem muitas montanhas. faço parte de um grupo de adoção e proteção aos animais de rua também.

ah. quanta iniciativa. mas é incapaz de lavar a louça, incapaz de recolher suas roupas íntimas sujas pela casa, isso ela não é capaz de fazer. snowboard, sim, louça, não. além disso, eu sempre cozinhei e a cozinha sempre foi impecável e isso não faz a mínima diferença porque ela deve ter três cozinheiras e sete empregadas agora. sempre dizia isso.

como se adivinhasse o que penso ela olha a aliança. sei que olha, sei que percebe que eu estou sozinho. deixa o dedo dela enorme, o anel. uma nuvem gorda passa pelo sol o clima arrefesse. é dela a idéia de continuar falando.

continua cantando?
e seguindo a canção, senhorita. digo, senhora. ela fica perturbada, acha que não irei desejá-la nunca mais porque usa um anel feio no dedo.
é sério. parou de tocar?
vale punheta? ela cora.


onde está a merda da felicidade?

escuto um barulho irritante e surdo, como uma vibração vindo de sua bolsa.

uuu, onde será que deixei meu celular? fucinha na bolsa. parece aflita. igualzinho antes. fuça por horas e não encontra jamais o que procura, revira tudo. quando para de vibrar ela encontra o aparelho e vê a chamada perdida, suspira.

então, preciso ir.
jura? não pode...
posso.


seus olhos verdes acendem me encaram daquele jeito. maldita. um olho cego vagueia procurando por um. quantas. e seu olhar me leva de novo praquele ponto em que eu a amo e a odeio ao mesmo tempo em que ela a vejo indo embora com uma tonelada de roupas, cds -os meus preferidos, os nossos livros. e eu não corro atrás dela. eu quero, eu sou um puro suor frio na testa, respirar dói, mas nem limite máximo de uma humilhação seria capaz de retrocedê-la sequer em um passo.

será que ainda escuta nossas musicas? deve ter queimado tudo num ritual de despacho, aposto. no dia do casamento. saiu tão só, tão pequena comparada a enormidade de malas, carregava o mundo nos ombros magros. tão só, sem mágoas... sem mágoas o caralho. levei séculos pra cicatrizar. um dia na praia, até então não tinha entendido, ela ronronava o sol ia se pondo alaranjado, vermelho, dourado eu esfregava seu rosto de leopardo em minha barba, ela parou e disse por debaixo dos óculos: a solidão é só minha. nasceu e morrerá em mim. amém.

tá morando aqui, então?
é, siempre. pés no chão é a única coisa que me ajuda andar.
eu prefiro o voo, pedro.

claro, desde que alguém pague as milhas pra você curtir seu sonho adolescente irrealizável. pode fazer arte medíocre e se sentir menos torta, menos morta, menos mortal, mas os hormônios mexem com ela. as mulheres são biologicamente programadas para a infelicidade, talvez porque sejam as responsáveis pela perpetuação da espécie.

anda fazendo o quê?
eu... faço velas artesanais. vendo no calcação.
tá brincando, pedro.
sério.
então abandonou a música?

por que será que se preocupa tanto com isso?

estou namorando a madona. isso conta?
todo mundo com menos de 23 anos tem chances com ela.
não importa o sexo.
o sexo é a única coisa que importa.


e sua mãe aquela doida?
ah, faz séculos que não falo com ela.
desde então?
ela me prejudicou muito...
ah, que é isso! mãe é mãe. esses dias, aliás, eu a encontrei na rua ela fez que não me viu, não me reconheceu.
aquela vaca. bora mudar de assunto. então...
ei, garçom, dois sucos de laranja.
com vódica.

voltou a beber?
nunca parei, andré.
meu nome é pedro.
ah, é. me dá um cigarro. eu não tinha reparado, ela emagreu muito. parecia menor, mais contida em si mesma, fisicamente. mas algo nela a fazia expandir e acho que era a trêmula ondulação do seu olhar e os gestos mais amplos e relaxados. ela mexeu por alguns segundos na bolsa e localizou seu maço.

ao riscar o fósforo seus dedos tremiam. chupou seu cigarro lentamente, degustando e distinguindo cada sabor.

voltou a fumar, então. suas mãos pequenas jamais deixaram de tremer. trêmulas e frias como um filhote de pardal no inverno. fumava com muita elegância e calma, seu cigarro poderia durar dias a fio.

eu segurava suas mãozinhas achando graça. tremo por nós, dizia. por mim, pelo futuro escuro em cima do muro. tremo pela realidade a se desintegrar diante dos meus olhos pretos. ela entreabriu os lábios, enormes, vermelhos. a fumaça saia lentamente enquanto seu olhar verde-psicina lançava fagulhas em minha palha seca. e como se oferecesse a alma, um beijo:

aceita um trago?
parei de fumar, marilia.
porra, andré, meu nome é angela.
desculpa, vocês são tão iguais...

18 janeiro 2011

Dormingo

a toalha branquinha cheiro de

ferro morno em sabão de coco

as fibras

macias


os pratos todos limpos

os copos com água ou

refrigerante


a família mastiga

mórbida tarde de domingo

sem intervalos

sua imprecavida faca voa em direção

aos olhos

sonolentos

do cachorro

acorda


cruza as pernas tensa tensa tensa

descruza segura o fôlego

e goza.


ninguém a vê

bochechas rosas exceto

aqueles silentes olhos

do cachorro cheira seu garfo

cheira suas pernas

escorre um fiapo

de suor entre

a família devora

mórbida carne de

pescoço.

17 janeiro 2011

Shiva

a noite nos olhos
brilhando de estrela até apagar
a vida o calor
azul menino
hare

o vulto dos vudus
zunindo nas senzalas
macia a massaroca
da índia

as ervas de cheiro
afeitam veludo das
rendas portuguesas


os povos são todos
de terra
de mãos e pés
de carne

seca
enquanto retiravam cacos de vidro
de dentro dos meus olhos
estou morto
o chicote estala nas costas do meu
cavalo há muitas vidas
quantas
pedindo esmola
o menino azul
de fome

faz crescer
vermes
na barriga

04 janeiro 2011

como se

fecha os olhos
como se
avoa
sse.

o estomago vago há muitos dias. de fome, de pele. a pele que me reveste é meu primerio indício

os fones sempre ouvidos e baterias que duram pra sempre a música tece toda a constituição física da bolha nos meus dedos raspando na calçada.

toda pressa, as pedras do calçamento. toda pressão que o ar exerce sobre os gritos de assalto tem algo a ver comigo. nada tem mais brilho que meus dentes sorrindo são maiores que o sol porque dentro da minha boca é escuro pra minha língua pois meus dentes cobrem o mundo.

depois sou tomado de alegrias que não condizem. quero ir embora mas perdi o trem.

meus olhos não se fecham o ombro não perde a tensão. poderia a qualquer momento achar que o mundo havia enlouquecido mas eu sou o mundo. sou a humanidade fétida e afetiva que caça e consola. a força suprema que meu corpo faz para des-montar engrenagens. sobrevivo feito uma dávida, não há tempo para felicidades, contra-tempos. não hei de temer a morte, temerás somente teu medo.

a delicada flor da pele aberta às possibilidades do frio e se me riscaressem essa fina película, essa capa de pele? o líquido morno que então carrego dentro se escorreria pelas ruas feito chuva. enxurrada de mole mim seria eu coisa sem definição sem contorno em forma de

sorriso assim seco de saliva pode-se até secar o riso.

subir como um balão tamanho calor em meus pés escalpelados pelo calçamento. as alegrias vão também louvando licenças sem sentido algum, sem que os fatos confiram. os policiais vigiam o normal. abanam moscas e mendigos.

a música induz sentimentos, sim. mas não seré o contrário? a primavera entre os dentes e a bolha que a qualquer momento pode estourar seus miolos, seria doce libertação. sentado em pose de lótus recordando as vidas anteriores, sentindo a paz dos sentidos plenos- mas não ajuda a me achar, perdo na escuridão do olho cerrado, recuso-me abrir o coração acelerado sem causas definidoas, sou feliz sem medir consequencias e estrepo, até os pés nos espinhos da flor de cactus.

questão de acreditar então o peito oprimido pequeno dentro do mundo abrigava essa cidade pobre e cheia de co-incidências. abriga um universo escuro, misterioso, cheio de estrelas que insistem. sim, insistem.

como se
alguém chama
sse constantemente seu nome íntimo.
como se
as cores também
fossem da matéria láctea das
vias
como se
nossa pele fosse como só
o sol poderia
linda
morena como só
a natureza
desenhar

01 janeiro 2011

contato uspiano com a chuva:

Nunca mais os dias de chuva serão os mesmos, pois eram os teus cabelos que pingavam molhados e nas ruas vazias da tarde - em meu mundo tão ordenadamente caótico- só havia nós dois diluídos em aquarela.

na lente do teu óculo, minúsculas gotas de água refletiam a luz -que só poderia vir de nós pois o céu era um denso veludo púmbleo. E me sorrisiu tímido com covinhas nas bochechas.

Estávamos perdidos, procurando os outros seres humanos, mas meus passos eram como passos de um baile sem máscaras, de alvíssimas melodias sutis. E eu sei, escondia um rosto bonito por baixo de todo aquele cabelo e, eu sei, da indiferença nesse olhar tão negro.

Ah, os dias de chuva! O nosso dia de chuva entre tantos outros dias de lágrimas prismáticas dos olhos azuis do céu. Delírio onírico, momento vão. O poeta em transe... Foi quando tive a coragem suprema de dizer, dizer tudo. O que toda timidez pode confirmar é sua legítima consiciência do ridículo.

Dito tudo, ele então, desapareceu; como o orvalho frio se evapora nas manhãs de sol. Só restou-me esperar que a lilás flor do estio brotasse na Pedra inerte e, desta forma, pudesse reencontrá-lo, Pedro, encarnado no beija-flor.


Ida

recolhendo as roupas do chão, acende um cigarro. sai passos de passarinha
pisando leve quase asas. amanhece o rosto de quem não dormiu.

escuto o bico do seu sapato. tic-tac no asfalto.

não me movo. deixo-me estar ainda com sono como pode levantar-se tão energeticamente cedo?

acolhido no canto da chuva rala rompida apenas pela aceleração do carro que se mistura a um nó

na garganta

lá fora à espera

espermática

dela o próximo cara, o outro.

os tantos outros que

hão de vir.

Só me resta ruminar o vago prazer deixado por seu beijo amargo desejo de ter seus seios novamente em minhas mãos.


Minha

suporto.

da sua boca

pequena

um filete de sangue
fluiu
em mim
no breve beijo...

que me deste

E as carícias que

nunca te fiz

ainda ardem nas pontas dos meus dedos,

guardo-as bem secretas

de ti. toquei teu rosto

como se tocasse

um talo de flor.

Quero-te tanto

usada, suada

sorrindo sem desejo

desajeitada

mas nunca estás comigo

estás sempre mais longe

e mesmo atada às minhas mãos

és distante

não és minha

não és nada.

poesias antigas I



A cor do teu sorriso

é escandalosamente

escarlate


porque não te por na cama para dormir

seria absurdo

tuas garrinhas
e cheiro de chá

na pele

por que não brincar

de te rodar

no ar me apegar
escorrido em você toda

boca de licor

de framboesas?


a saudade doce

impregnada
nas parede do meu quarto,
em minha pele...

tu és a parte
a arte
de ser

estrela

desenhada no céu

viva pra ti vai

vibrar amarelada

sorrir

dentro do

teu olhar

como faíscas

que teus olhos pretos

soltam