14 março 2011

rascunho

o céu clareando aos poucos devolvia cores às fachadas da avenida suja e apesar do cheiro fraco de desinfetante e água um vapor morno de esgoto pairava.

dividia o último cigarro com ela cambalendo alguma música... the cramberries, the rain, the spot motion. não me lembrava mais das letras. o frio infiltrado na garganta arranhava o pus irritado, quando a cerveja descia gelada e, mesmo assim, a boca continuava seca.

ela era a flor plácida que colhi no interior de uma lojinha de ninharias do âmago da seca e sem vitaminas, ao fundo de uma prateleira abandonada ao pó e às teias de aranhas. as aranhas que arranham leves carícias na pele suas patas tão fina.

os vultos voltam. você quer ir para frente.
talvez eu...

mentiras sinceramente ditas seriam bem mais bem-vindas que aquela secura na boca! como há dois minutos atrás. o telefone toca mas ela não toca no telefone. quer ficar. tanto a ponto de formigamentos surgirem em vias dantes percorridas apenas por arrepios.

a minha língua lambendo toda as suas costas. tudo convergindo para a ponta dos seios duros de tanto frio. procurava o casaco havia esquecido que não trouxera nenhum. tateava em busca do dinheiro que já havia gasto. sem dinheiro, sem sono, o peito ficava largo e os olhos caídos de uma emoção sutil qualquer.

quando a encontrou na curva final da noite estava adormecida no sofá de veludo vinho ao fundo do bar. dormia cílios tão grandes, tinha sonhos tranquilos opostos às batidas densas do house.

a felicidade aqui é obrigatória. quer um trago? quer um gole? quer um beijo? quer um porre de porra boca a dentro?

não queria nada. só colo. socorro. queria sentar-se de cócoras e praticar yoga. queria principalmente mergulhar nos olhos azuis. o céu claro outra vez e o mesmo gosto na boca. barata seca, vapor de esgoto, chiclete de menta, salivas e cervejas, o céu era dele e ele era um inferninho particular da capital fria.

estava, talvez fosse precipitado dizer, talvez fosse perigoso, mas o fato é que estava: feliz.
estranha satisfação de preencher seu corpo com alcool e deixá-lo dormente, ébrio e cansado. olhos presos ao copo o gelo girando mais rápida a sua cabeça vagava despersa como a fumaça luminosa de cigarros misturada a sons agudos, roupas aguadas.

bocas se rasgando em risos chupando brasa e soprando fogo pelas ventas. pensou no sabor de tequila que tinha sua língua -e se lembrou que não bebera tequila.

as cinzas batidas no chão a faz pensar um dia estaria embaixo da terra, sem batidas, sem músculos, sem música estridente, nem rapazes suados sem camisa, sem pernas femininas nem perfumes adocicados misturado aos odores do banheiro... estaria em abosulo repouso apodrecendo suavemente, nutrindo e mesclando seu corpo à terra.

ele a acorda, toca seu ombro e a retira do fundo da cova.

vamos!
mas já? sonolenta recolhe o pouco que pode levar de si mesma.

engatamos a primeira, a segunda, conta paga, a lufada de ar gelado indica que já demos o fora dali. o dia está prestes a. amanhã é o mesmo dia. o sol se arrasta com as horas e as fachadas sujas da avenida recobram suas cores apagadas. e aquela noite longa, invencível, só se notaria pelo arroxeado pálido em volta dos nossos olhos.

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