28 agosto 2010

ão

sucesso é tudo que procuro no momento um requinte deixar de falar demais e fazer, partir pra uma nova onda no mar de ilusões, haha, fica até engraçado pensar nisso assim...

esse negócio de saudade envelhece e é cafona.

revoadas da vida de pássaros tudo rápido voando avião para a china guatelama quem se importa onde eles estão vivos, mortos, abusados, abusando? se páro pra pensar eu páro, entende? e não posso quem segura meu rojão são estas maozitas rojas, compreende?

to super bem usando creminhos aí a base de soja recuperando os quilos só de carne, tem banha não. parece loucura, né? tem quem prefira silicone meu corpo obtive na raça e no suor. empréstimos. tenho nóia de silicone imagina o horror se nego vem te espetando com um alfinetezinho me estoura inteira, o negócio vazando dentro de mim, aí, pavor.

fora criança o que mais detesto é rato. quando era pequena favelada vi um roendo minha comida no pratinho azul preferido. roia me olhando bem nos olhos não tinha medo como eu tinha dele, sabia que era mais forte, mais rápido o sacana. hoje eu vejo um rato nessas paletarias ou servindo pastel na rodoviária suco, vendendo aqueles óculos de lentes coloridas como se tivesse caído óleo, então, compreendo que às vezes a gente é mais fraquinha que um rato medonho de esgoto.


fosse hoje, querida, esmago a cabeça asquerosazinha dele toda glamurosa no meu salto quinze. esmigalho até transbordas os miolos fazer créque ah!


angelina será o nome da minha herdeira. vou ensinar tudo, toda a brutalidade de uma boca sensual e o feminino de tirar uma vida, estraçalhar ou trocar pneu. as mulheres podem tudo agora graças a angelina e seus seis glamurosas filhos, certeza que em breve serão oito e qual o problema se alguém ganha milhões por isso, pra fazer o que gosta?

eu, quando faço o que gosto, já me sinto milhonária. tenho um milhão de motivos na minha conta pra relaxar e gozar a vida, como bem pensou a ministra. emprego é que nem cigarro e puta, é bom enquanto se tá usando, mas depois tem que se disfarçar o fedor. sair pela rua exalando paz de espírito.

existem dois tipos de vícios: os explícitos e os ocultos, estes são mais saborosos que os outros. por exemplo quando alguém fuma na rua é assim mesmo todos olham julgam quando alguém vai preso e a polícia proporciona aquele espeláculo aos ratos das ruas tão sujinhos em suas tocas alguns enfiam os dedos no cu e cheiram lambem outros pior torturam, roubam, mentem esses são os víciozinhos ocultos.

um dia me perguntaram, quando ainda era atriz, se não tinha medo de me confundir com meus personagens se na vida real sabia o que não era papel. é puro papel, gente, poupem-me, tudo na vida, o ser humano só faz repicotar-se. isso é tudo. tudo papel. se chove molha nossa personalidade se dilui na pólvora se dilui já disseram isso, aliás, a gente procura um recorte, decora de arte e dá pro povo aplaudir, p

sempre elas próprias, assim vão se descobrindo podres e ricas que não se dão o trabalho de chafurdar dentro, mas essa é a minha função: distrair. entreter. representar o imundo humano para ele mesmo. quanta pretensão, mas é sóbrio é só de segunda-feira aquelas caras e bocas abertas fingindo sentimentos que de fato existem seus deslumbres, seus medíocres ângulos, gente! aumenta esse som aí, amo!

ah, e chega de entrevistinha, vamos beber.

não me arranca mais nada que preste, filha,

só vou beber fumar e cuspir fumaça.

vamos beber que eu tô precisada de um porre de litros. podre de chique isso aqui. essa merda de roupa que vocês usam é quente, não é? é. então. tá geladíssima. bebe logo.

pra mim, quem não gosta de cerveja gelada não tem caráter, anota aí, no teu bloquinho.


27 agosto 2010

joaquim e maria

abres a machado
manchas
de assis

e diz
que capturará
capitulina
capítulo
por capítulo

machuca
minha língua
num triz
polido
regristrado em
páginas de capa
dura

a mão e a luva
e a rosada dúvida:
foste tua a boca a beijar
escobar no
nariz?

nasceu com o dom
casmurro
dentro apenas
re-excogitou
a dor
eterna
de sísifo

redesenhou
a nanquim
e angústia
toda astúcia
estapafúrdia do homem
sobre a terra
e por de
trás
dos bigodes

o tal gajo pobre e
gaguejante
do português
fez
mais sinuosos ângulos
psíquicos que os versos
alvíssimos
de camões com suas próprias
mãos
pretas
alforriadas
cravou no peito
desta res-pútrida
o insondável
mistério do eterno
feminino

presença de anita

anita em todas as paradas
se vendia por alguns papelotes
na tv
mulheres ofereciam cremes
todas as bocas conheciam
a presença de
bolhas de preguiça que se espalhavam pela pele
de anita como
psoríase

quando todos os homens que não amaram a anita
a despiam passavam
horas procurando
por ela
olhando olhos
de icterícia
pálida
gélida
tremendo
um fio de baba pelo
pescoço

ela se recusava sempre
se abria herméticamente
fechada em seus
pré-sentimentos

clarice

bruxa

enfentiçando o próprio
cotidiano
foi à fogueira
na idade média

de 35 anos dormiu
com o cigarro
no colo aceso

uma gata
espectadoramente
esguia

nos ovários
fecundou cancêr
e pariu fria
livros

de matéria-escura
uma água-viva
e seus tentáculos
flutuando
no universo

escutando no
ilimidado ventre
da mãe
cósmica
as estrelas
quando nascem
gritam
um grito de
porta dos fundos

teletaxi

vem
sem demora
sem fôlego
sem dinheiro

sem vergonha
a probabilidade
de não vires
remota
como
os terremotos
quando vem,
apaga os dedos
nas minhas
feridas

ascesas
tuas pernas
giram através das
transparências
óbvias
dos teus olhos

uma vez por semana
sou todos
teus sapatos
caros
teu cigarro
apagado
no copo
de uísque
ti-li-tlim-tlim
ainda cheio
trêmulantes gelos
escorragam da tua boca

mentirosa
me olha me
fode
um sorriso
fulminante
ascende meu
fogo no
Vulcão da tua
virilha brilha um
sol nascente

queimando
todo o resto
resta
tua saliva
na minha
lá fora

o mundo
inteiro
cheirando a
orvalho
antigo
e preguiça
vem
esnobe
escondido
bem no peito
o amor estreito
que sinto
porra!
que sempre
senti
por

casa de campo

o tempo pára na espiga de milho
seca lá fora
o sol
amarelo morninho feito
mijo
de vaca
no pasto

um parto
de cadela no alpendre em plena
madrugada de sábado
eu abotoando
os brincos abrindo sorrisos
de falso
brilhante

emprestando lencinhos bordados
franceses pra você limpar esse teu nariz
escorrido não me devolver nunca
o gliter

te animo
te chamo
simples
como uma navalha
corto
ao vento
a água brilha e é tudo que eu tenho
que me disfarça
de mulher: a água meu ventre é água, sangue e vida
faço brotar uma bromélia
sai dos meus olhos
vermelhos para se esconder
em teu jardim líquido
como um pequeno príncípio
de intimidade o pó
entre meus cílios
que você assopra

meus lencinhos
úmidos os filhotes que a cadela come a placenta
e lambe as crias até
desmelecarem

o carro buzinha são quatro filhotinhos
orelhudos ganindo saimos apressadas
tropeço os saltos altos finos reparo
no teu vestidinho a falta de equilíbrio
é porque
sou puro amor
amniótico

a gente fala ri toma birita se pega
num olhar lésbeoesvesgado
e depois ficamos
paradas
sem nos falar
(durante dias)

teus cachinhos crescem os cachorros
se espalham pêlos rosnadinhas
pela casa ando
displicente
de calcinha te chamo
pro chuveiro

papel passado

ele deixou aqui
um cd
uma semente
um livro

tratei bem
de escutar todos os dias
o cheiro que o mato fazia
cócegas
no meu nariz

e esquecer
as toalhas molhadas
na cama meu corpo
não quer mais
largar
o seu

faço um laço
azul de fita invisível vai
se enroscar no teu dedo
pra você lembrar
do som
do nosso
beijo
acústico

faço
muitas línguas
em volta
da curvinha
blues
daquela raivinha
tão minha
de ficar sozinha
no quarto
de quatro

paredes
só fecham
buracos
para tornar invisível
as memórias de alcova
vão procurar lá no cartório
rasgar os vinculos
quando você for se
casar com
ela

Francesinha

faz que vai e volta nos pés um
frio de calar os bolsos
das calças
vazios todos os bares os amigos

fechados
ela procura um

emprego amanhã
que pague bem! e trabalhe pouco...
a pouco seus olhos se
esbugalham

fuma até os cabelos
rebola as paredes tremem os dedos tremem
perder o que não tem

beija de mentirinha diz que é
algo que só encontra nas ruas nas bocas
de lobo exalando hálitos
de gente
depois
fica melancólica
as cólicas, as saideiras
siderais jogando roxo nas pálpebras
parece tão
sozinha

tão
natural
mente
e triste
que brilha
embaixo de qualquer poste

e há quem adivinhe
o medo nas pupilas

o sabor de sangue
embaixo da sua
língua

25 agosto 2010

Aputre



Que é que agora me da vontade de escrever

Que sentimento mais alho puríssimo

Sentimento cebola pra afasta demônios e anjos e o que pariu

To assim

Seu barqueiro me deixa aqui mesmo

No meio do Aqueronte

Seu Caronte pára aqui nessa taberna

Que eu quero um copo do fél do Tifão

Seu abutre bica um poquinho mais pra lá

Que ai já tá calejado

Senhor algoz afia bem essa lamina

Que logo chega minha vez

de arrebenta minhas correntes

O cão Cérbero ta faminto Baby

Alguém tem que por ração

Traz um copo de cicuta com gelo

Pra esquenta nossa noite

Serpente cascavel não se faça de rogada

Quero bem mais de uma picada

Oh Basilisco não fujas

Vem Quimera venenosa

Vem Aspide de fogo

Hoje acordei canhestro

E meu beijo tem enxofre Baby

Ta lascado


por C.A.L.J.

24 agosto 2010

Gotchinska




o vestido voava com o vento dentro
das lentes fotográficas uma imagem instantânea
ela sorri a vódica numa mão um enorme cigarro na outra deus sabe que não pretendia tocar aquela sonata em fuga de novo
usava amarelo ela era o sol

escorregou na ponte caiu no rio

tava tão frio naquela noite a gente queria ver os flocos de neve cairem em nosso nariz até sumirem
derretidos na luz da
lua.
o cachecol enroscou num galho como se as árvores quisessem impedi-la
estavamos bêbados
felizes tentei segurar sua mão mas poderia parecer que eu...
eu a deixei cair
morta
porque não pude eu vi
seu corpo mergulhar no vento eu vi
seus pés pequenos
escorregadios como se dançassem para
mim
deixou o caderno que nunca largava tinha
um coração em volta do nosso
instantâneo da tarde passada e nele
escrevia versos
de amor
com o meu

sobre-nome

23 agosto 2010

O rapto de cecilia

cecília, os anjos não sonham

os médicos afastaram a mãe em pânico. acompanhei os estranhos acontecimentos daqueles dias e duvidava de seus sentidos e temem tocar no assunto, como algo místico e macabro. não se deve meter as mãos em caixas velhas, revolver sofrimentos daquela doença.

o rosto da menina se apagava a cada suspiro pensávamos ser o derradeiro. na parede sua palidez se confundia com o a figura de uma criança espanhola cavalgando um andaluz branco como a candura das nuvens. cecília adorava o quadro com o qual possuía indiscutível e horripilante réplica de beleza.

a insuspeita materialidade de suas asas cintilante cecília dizia ter visto um anjo, acenando para ela do jardim e sorrindo. e que agora iriam juntos embora para um outro estado conscientivo.

o doutor alisava os bigodes, as mulheres traziam bacias de cobre com água fervente, passavam na testa da menina unguentos para lhe trazer o ânimo.
as mulheres da cozinha preparavam medicinas e poções infalíveis. cecília esmorecia de febre.

mas de repente como por milagre soergueu-se no décimo terceiro dia ágil e cheia de vida, insuflada de vento e trovão.

a sua voz vinda de outro mundo.
aos anjos pode lhes acometer o medo e todos os horrores terrenais dos quais tiveram de se livrar um dia. também podem eles se enamorarem criminosamente de crianças pálidas e sensiveis como ela.

sua luzé reverencial fulgurava um brilho inefável e nós mortais não resistiamos olhá-la.

cecilia tinha 13 anos. as mulheres seguraram seu corpo enfraquecido e dos braços de cecília viram que minava sangue. gritinhos roucos e cansados viham a tona. pequenos e inexplicáveis cortes paralelos enfeitavam sua pele alva como pulseiras de rubi. a governanta quase completamente cega pelas cataratas passava um lencinho embebido em um líquido cicatrizante, em vão.

as estranhas chagas da menina só aumentavam. e enquanto sangrava seu rosto perdia as cores, a boca quedava azulada um fio de baba lhe escorria a língua de fora resfolegava como um animal sucumbido e do pescoço veias roxas salientes emolduravam um semblante transtornado como se estivesse prestes a vomitar bílis.

eu não acredito em anjos, respondeu o doutor.

a mãe se aproximou, lagrimazinhas brilhavam no canto dos olhos e acariciava a menina. alisou o rostinho da criança.

não te vás, minha filha.

seus olhos permaneceram abertos, a boca também por um tempo estática. o quarto parecia iluminado como em um dia feliz. os pássaros cantavam ao mesmo tempo que o sol se preparava para dormir. tudo estava em paz.

o quadro na parede me pareceu fazer sentido. fiquei paralisado de terror ao reparar que a criança cavalgava em um cavalo, percebi atônito, alado! com asas transparentes estendidas, bem dissimuladas pelo pintor quase tão translúcidas quanto a defunda e seus estranhos olhos que me olhanvam mortos ou em transe...

o corpo estendido em lençóis puríssimos, aqui ou lá respingado de sangue...
velávamos o corpo. o quarto exalava o odor das flores abertas no jardim, as faces da garota foi então, não exagero, ganhando cores, como se apenas dormisse. para espanto geral.

o médico media, alarmado, o pulso, zero, não respirava. estava de fato morta? era uma angústia ainda maior e sem fim.

no décimo terceiro dia ao anoitecer a notícia se espalhou pelo vilarejo. ordenou-se que exumassem o corpo da jovenzinha ou seriam todos presos por heresia. julgados por bruxaria (dizia-se que as escravas preparavam unguentos noturnos para manter o cadáver intacto e que o senhorio até mandava fazer degolas para dar sangue de beber à menina).

a mãe, com pesares, ordenou que lhe enterrassem. emboraa seus cabelos crescecem vigorosos e os seios já despontasse embaixo do vestido, era como um desenvolvimento acelerado. a olhos vistos ela florescia e desabrochava em mulher.

no oitavo dia uma das aias notara que as roupas de baixo de cecilia estavam apertadas e marcavam uma mancha de vermelho sangue em sua pele, como se ainda circulasse vida. e o mais assutador é que as feridas nos braços cicatrizaram já no terceiro dia decretada morta e agora já nem marcas havia.

a mãe em idade avançada sabia não poder mais produzir mais filhos e ela era sua única menina. compreendia que seria abandonada completamente e traída. lhe abatia o horror de não deixar semente alguma na terra.

Quando abriru a porta para recolherem o corpo de cecília e enterrá-lo segundo os preceitos cristãos, a governanta caiu desmaiada: o quarto vazio exalavam um estonteante perfume de flores que efogavam as narinas tamanho seu poder as janelas balançavam plácidas os trincos rompidos. não havia mais nada alí.

do caso nunca se soube algo contundente.

19 agosto 2010

Ninho

o amor é um orango tan guinho
bem pequeninho
miniatura
ele anda preocupado pela casa
só aparece quando eu não estou olhando
e entra pelo buraco do meu nariz
de repente vai pro canto do olho
lado esquerdo e forma lagri minha
quando eu menos vejo

o amor é um tirano sau rinho
bem minizinho
ínfimo
rói o canto do meu dedão do pé
lado esquerdo de quem não vem
eu chuto quando faz coce guinha
e ele vai parar lá pra longe
tristonho medonho furio zinho
arquitetando viganças

depois quando o do mingo está indo
quase acabando em bandos de horas lentas
que vão bem devagar passarando
eu fico pensando que o amor
não gosta mais de mim

e eu já devia há muito ter sabido
isto desde que eu achei que vi
o orango tan guinho e o tirano sau rinho
eu devia saber que quando o amor me diz "oi"
ele está é sofrendo de tristeza



de Assionara Souza

12 agosto 2010

conto n° 3

parte I

verificou a chave estava mesmo no bolso. direito. as luzes todas apagadas. um alivio se espalhou lentamente em seus músculos cansados. checou novamente. droga. era a chave da moto e não a do escritório estava tudo escuro, claro, tinha apagado as luzes. tateou as paredes procurando o interruptor e o telefone tocou quase ao mesmo tempo em que os pés tropeçavam nos fios e apesar de caído o aparelho gritava, gritava socorro, me ajudem, me atendam! seguranças! disse alô quase pedindo desculpas, a respiração tensa a cabeça ainda na chave precisaria encontrá-lá de qualquer jeito. escutava pensando em como se desviar daquele embuste, do torpedo noturno mas sua boca foi assentindo antes que pudesse pensar em uma desculpa qualquer, o suor frio escorreu de sua testa e foi pingar com um certo ódio de si mesmo na mesa já foi ligando novamente os computadores para imprimir o maldito relatório.

e como seu chefe já estava subindo só pra pegar rapidamente a papelada resolveu esperar cinco minutos por cortesia. cortesia extra na véspera do feriadão. duas horas além do expediente. colocou as mãos nos bolsos e notou que no esquerdo, precisamente, no esquerdo, estava a chave da porta do escritório que poderia ter salvo sua pele -agora já era tarde, resolveu deixá-la lá, só que bem ciente disso, com todo foco -possível- que a raiva produz. o chefe não vinha, ele mandou às favas a cortesia e desligou os aparelhos porque aí já era questão de hombridade, de dor de cabeça e cansaço excessivo num coração meio alterado, queda de cabelo já começava a sentir que aquela sala sem o ar condicionado era insuportavelmente quente e sufocante.

sem contar que era desagradável olhar para ela. causava um estranhamento visceral ver seu ambiente de trabalho no escuro e das janelas, reflexos de neom da noite, uma brisa fresca de liberdade prometida soprou quando as abriu. esperou o chefe com todas as luzes apagadas exceto as da cozinha. ascendeu um cigarro, o segundo do dia, tão deliciosamente seu que parecia até o primeiro.

entre longas pausas saboreou aquele último cigarro como se fosse uma boa companhia. daquelas que se traga pra dentro e ela não reclama direitos nem individualidades, não põe impecilho nem condições, nem liga se você não liga. te dá prazer e não cobra nada além de quem saber uma dor futura por isso, em cinco minutos te completa, te enche de plenitude e calma.

alguém entrou pela porta aberta, evidente, o chefe? e se chamasse e fosse um ladrão? ele teria a localização exata do asno em questão e poderia atacá-lo com furador de papel de ferro, ou uma faca. por outro lado se não chamasse por ninguém e espreitasse de mansinho o chefe ficaria puto de susto. chamou. o chefe ficaria puto de qualquer jeito. ninguém respondeu. mas tinha entrado alguém porque ele ouviu os passos. nítidos. tentou acender as luzes, não acendiam. estava tudo escuro ao redor. uma escuridão crescente o invadia, no estomago, pronto para gritar, uma mão apertou seu ombro:

Este interruptor tá quebrado!

Ah!...

é aqui, ó. imprimiu o que te pedi?

tá em cima da tua mesa.

onde?

ao lado das planilhas.

mas cadê o que eu te pedi?

achei que alguém tinha entrado aqui. antes de você. mas olhei em volta...

cadê o relatório! os advogados da minha patrocinadora estão lá embaixo querendo saber tim-tim por tim-tim tudo que eu te pedi pra digitar hoje a tarde e já faz sete minutos que estão esperando.

só tem nós dois aqui...

o que diabos eu te pedi pra fazer com urgência? presta atenção!

não é esse o relatório? você disse...

não! absolutamente. não!

imprime o outro, vai. mas o quê? esses computadores estão desligados? por que você desligou os computadores?

bom, eu...

genial! me fez vir até aqui, imprime os papéis todos errados, enquanto eu deixo meus advogados esperando. olha só! que maravilha! não tem papel na impressora.

quando eu imprimi tinha... e...

quando você imprimiu 40 páginas que não te pedi! devia mesmo ter. agora tem que buscar imediatamente...

eu vou pro senhor. em um minuto encontro uma papelaria.

você não tem idéia de como eu precisava disso pra ontem.

eu volto em cinco minutos!


pronto, meu bem, eu te disse. ia ser fácil. vem cá. ele não vai achar nenhuma papelaria aberta já são oito da noite. mas e aí? bom, aí ele vai ter que ir até a casa dele buscar papel, com sorte, vai ter alguém em casa hoje, véspera de feriado, não tem uma viva alma na rua. a gente tem pelo menos 30 minutinhos.

carlos, não seria melhor, coitado, se a gente tivesse simplesmente esperado ele ir embora? ah, claro! e minha mulher liga aqui na segunda como quem não quer nada fica sabendo que não rolou merda de reunião nenhuma. não fala bobagem, vem cá. pra que fazer isso com o rapaz?

lúcia, você não tá captando, meu amor. ele será nossa fiel testemunha, sem que eu deva nenhum um favor a ele, ao contrário, não vai ter que mentir, ocultar, suar frio, falar demais sem querer, pedir cargos em troca da lealdade, ao contrário, quando esse rapaz voltar com um tufo de papel A4 vinte e tantos minutos depois, vai se sentir grato por eu não demiti-lo, ficará em dívida para com seu pobre chefe. depois lhe pago muito bem as horas e tudo se perdoa, assim, todo mundo sai ganhando. vem aqui, minha flor, a gente não tem muito tempo, esquece isso. ai, eu não gosto de fazer assim num ambiente de trabalho. escritório é uma coisa séria. deixa disso, vem cá, vem cá...

sem contar! que não gosto de me esconder como um rato. a gente não está se escondendo, sente o tesão desse lugar, eu vou te por aqui, nessa mesa...hmn que acha? não é gostoso? Hmn...?


parte II

a sorte do dia era aquele colega a apenas duas quadras que podia perfeitamente lhe emprestar quantos chumaços de papel fosse necessário pra ele dar um toque de competência em sua imagem, apesar da ânsia de vômito que sentia por aquele emprego, finalmente. valeu, cara. segunda-feira sem falta te devolvo um bloco inteiro. relaxa, tá em casa. rapaz, bem que eu queria, mas o chefão passou duas toneladas de relatórios pra digitar, velho, só um monte de porcaria de 2007! e ele queria que digitasse tudo novamente só mudasse as datas, locais, cara mais cheio de frescura.

quando voltou cinco minutos depois a porta estava trancada. mas a chave, lembrou bem, estava em seu bolso esquerdo. as luzes estavam apagadas quando abriu a porta uma voz de mulher gemia a mesa raspava seus pés no chão fazendo uma fricção tão alta que não escutaram a porta ranger suavemente, nem seus passos plúmeos tampouco sua triste figura se esgueirando até a chão para deixar os papéis na mesa e se retirar desapercebidamente seu coração pulsava de alegria. na hora, não entendeu o porquê.

era a loirinha! do mostruário da floricultura! então o chefe escolhia flores pra mulher dele. e pensando bem porque ela ficaria tanto tempo lá dentro, esperando o cara folhear um enorme e tedioso albúm preto com calálogos enfadonhos de buquês de todos os tipos e cores, e que algumas vezes ela até esquecia no sofá ou na cadeira? mas... pensando bem ela só veio umas duas em um ano inteiro, sempre em datas comemorativas, mas era ela! bonitinha, loirinha. chegou a achar, um dia, que ela tinha dado bola pra ele. agora com as pernas abertas assim ela não parecia uma menininha tímida e recatada. ocultou o chumaço de papel no casaco, sentou-se comedido quase acendeu um cigarro, mas não tinha. de longe ficou a observar: lá estava ela gemendo como uma mulher selvagem os seios de fora saltando pelo sutien feito doidos... reparou no jeito como o chefe fodia e achou engraçado. observava aqueles corpos azulados pela luz do neon que vinha da janela.

08 agosto 2010

madame precipício

uma mulher realmente inteligente não trocaria suas misérias, aquelas memórias em forma de bolas de carne frita dentro da cabeça muito menos seus bem vividos dias pela aparência rígida dessas garotinhas.

ela tá precisando é se reinventar...

incrédula, esnobe e empobrecida pelos vícios sem limites. disse que queria provar de tudo pois agora que se lambuze na pobreza. angela era como uvas, se tornou uma mulher amolecida por dentro cujo tempo adocicou a voz e destroçou o coraçõe que insistia colar os caquinhos. os gestos de mão medidos jã não faz questão de ninguém diz tudo na lata e choca. e os caprichos?
mauro fazia de tudo pra ela.

angela se entrega aberta, total, mas não passa jamais a idéia de que se tem um pouco dela. é como secretos dias joviais. era refrescante e de manhã, por algum mistério, suas mãos tinham cheiro de tangerina.

trocar o sabor maduro dos teus lábios por uma fruta de época, dizia o anjinho, é loucura teu corpo morno depois de décadas de frio e solidão por uma elasticidade cutânea enjoativa... a propósito você está bem mais gostosa agora e tem todo tempo do mundo pra se divertir
quando conheci o mauro, anjinho, ele era pobre agora é podre de rico e tinha dois caras de melhor situação a fim de mimzita e mamãe insistia em um deles hoje está na sarjeta, a esposa cheias de manchas na pele e filhos piolhentos. escolho bem meu bem só do bom e do melhor.

por um par de peito erguidinho? frescor de pele, inexperiência? o que é? menina quando eu vi a garotinha do mauro é um doce, vozinha melosa, de cobra traiçoeira. até bordar ela sabe toca piano fala francês é gente gran. os pais uivaram quando ficaram sabendo do noivado.

o anjinho não quer que eu melhore o corpo diz que sou macia...valentida ri bem agudinho com maldade escaldante.

newton teria de rever sua lei da gravidade, de gravidez, sei lá, meu bem, hoje você pode ser o que vier na telha, né valentina?
valentina?
desculpa. tava dando um tapinha. valentina nunca se importou com ninguém sempre egoísta.

angela se ajeita na cadeira. vou fazer chá! assim vocês podem continuar falando de mim à vontade como se não estivesse aqui.

semana passada jantariam juntos, continuou valentida, esfregando o nariz e o mais velho veio pra deixar flores no escrito em cima da escrivaninha da mãe mas tava dormitando no sofá com o garotão, abraçados seminus.

o menino chorou transtornado tinha tanto ódio acontece que todos dizem que teve muitos amantes e não escondia de ninguém. mas ela não terminou o casamento por uma aventura qualquer. homem é tolo, querida.

e qual o problema existem pessoas que não coseguem mesmo ver um real sentido para vida, precisam se intoxicar de chocolate para aprender a degustar um bombom.

agora está precisando mas não deixa a família nem ele ajudar hoje iriam almoçar juntos pra negociar o destino da família mas os filhos mandaram recado dizendo que não iriam aparecer e a outrazinha estaria a tiracolo então ela cancelou tudo, as negociações, tudo, só não vai abrir das verdinhas, não quer a guarda dos filhos, só quer a porção do oiro...
e o ex?
não suporta mais olhar pra ela nem ela nele um dia se encontraram na rua ele de mão dada com a outrazinha só dois anos mais velha que o Ivanzinho imagina .
pra isso Ivan não liga?
ah...o menino está completamente envenenado desde pequeno a víbora da avó está ululante mas já detesta a outrazinha...

ela também pra onde vai precisa levar o gato, se viram no cinema, na fila, se olharam um segundo dava pra trocar os casais e ficava tudo bonito. as flores do apartamento morreram secas quem diria sua paixão eram as orquídeas a gente não sabe se foi a garota mais nova o chifre ou a falta de grana estava enfiada no quarto amarga há dois dias com olheiras enormes.

enquanto falavam Fabrizzio abriu a porta do banheiro um vapor quente saiu da porta só de toalha água escorrendo pelo tórax todo definido nos braços fortes lançou um olhar verde penetrante e foi para o quarto angela voltou com um pote de biscoitos italianos

também você nunca trabalhou
dizem que vão cortar até tua água
pobrezinha até sair a pensão no juízo...toma esse cheque

com licença.
deve passar os dias chorando e cheirando todo o pó que restou...

os filhos não aguentavam mais as crises dela tinha picos de alegria e agulha coisa fina provou até opio. o garotão adora as festas que se dão aqui coisa chique passageiras loucuras de adolescente que ela não tinha feito ainda...

estava tão radiante foi dando festas até todo o dinheiro acabar fazer o menino se divertir, dizia que é amor, intransferível. na saúde ou na doença...

angela veio de novo da cozinha trazendo lírios...adoro essa flores não dormi de tanto ler o processo

oi, querida, beba cházinho.
mas e o mauro?
sai amanhã fico riquinha de novo. invejou?
vai ganhar pensão até os ossos deles se corroerem embaixo da terra.
perguntei como ele tá.
ele tá com a minha grana e quero de volta.
claro, petúnia, você devia se chamar petúnia! bamos às compritchas!
compritchas o que! meu guarda-roupa tá vomitando vestido importado roupa meu ex-marido me deu eu quero investir viver de lucros e dividendos, vou namoricar, vou à veneza beber meu mel. vou ressuscitar artista, escrever um livro esculpir meninos com membros exuberantes...quero um amor com design italiano.
mas não vais levar o boys-zinho?
claro que vai.
pensou um pouco a sobrancelha arqueada, mexeu nas correntes de ouro e disse...
ué, e daí? posso ter quantos dele quiser...

06 agosto 2010

lamento sombrio

A palavra pregada ao dicionário que carrego exímeo entre os braços enquanto finjo que trabalho remete a uma extensão exata, sem fim cronológico, sem o movimento que a torna bela e real como quando é corrompida e mal falada a palavra não tem fim. assim como o expediente empoeirado nos cantos das mesas.

minha própria vida parece um amontoado de papéis sujos desempanhados para irem ao lixo. o senhor precisa entregar assinado um requerimento em duas cópias autenticadas, para só então, poder assinar mais duas petições com o aval do técnico que nunca estará no posto durente o horário de atendimento, mas enfim quando encontrá-lo por uma casualidade da vida, você ainda terá que trazer preenchido em duas vias esta ficha cadastral documentando especificamente quais são os atributos para a funcionalidade do local se deseja realmente obter o alvará e a licença de existir. não se esqueça que todo estbelecimento só pode começar a funcionar depois da inspeção da vigilância sanitária que só acontece nos dias de milagre quando os seus equipamentos de segurança já estiverem vencidos, você então paga a multa, a subordo e a idenização por desobedecimento às normas de segurança e, enfim, essas inspeções só acontecerão de quando em vez.

Ah, a vida vai ficando tão mais grossa.... tão lenta e modorrenta. e não posso me esquecer da violência latente desses olhos humanos, até os bebês em sua infinita impotência se pudessem destruiriam tudo com seus gritos estridentes entre gengivas em carne viva e um dente dolorido brotando dentro. os instintos insistem. isso é tudo e em todos os aniamis, aliás, a própria natureza gesta e devora sua própria matéria, regurgita-se e se alimenta de si.

domingo no parque

Acordo em outro dia. Penso que esse dia é hoje, não é.

Agora mesmo, antes do celular vibrar, era como se estivesse vivendo uma vida que não era a minha. Por um momento não sei onde estou. Mas me dou conta rápido do que se passa. Atendo a chamada.

- Já estamos a caminho! A Lúcia se perdeu, outra vez, era para ter virado na rotatória mas ela não me escuta, alô?
- oi.
- então, ia dizendo, ela não presta atenção em mim quando dirige, você pode explicar outra vez se é pra esquerda que a gente vira porque ela insiste que...
- É pra direita.
- Direita?
- Sim, e depois pra esquerda, então já vão vendo as árvores, enormes...É tudo enorme aqui, tem uma placa tão grande na entrada que daria pra enxergar do Himalaia.
Diz pras crianças que a piscina é aquecida aqui, elas vão gostar.
- Desculpa, Pedro, acho que a gente se perdeu porque a Lúcia passou mais de dez quilômetros de onde você explicou pra ela. E eu não vimos árvore nenhuma, agora simplesmente não sei onde nós estamos. As crianças já estão irritadas...e ela não abaixa o volume dessa música.
- Eu disse pra vocês virem comigo.
- ah, disse? que ótimo que você disse e não me ajudou em nada!
- supostamente eu deveria vir cedo e reservar nossas mesas.
- mas disse que era fácil chegar...e agora sua família está completamente perdida...eu estou desesperada...
- Pai!
- Lúcia?
- Sou eu, não escuta essa louca. Estamos entrando.

Posso dizer até com certo cinismo exatamente em que ponto estou em minha vida, mas isso todos podem concluir sozinhos, este pedaço acabando rápido como um pacote de bolachas. E quem mastiga essa massa planetária-cósmica?

Meu corpo estava leve. A boca guardava em segredo um sabor diferente de tudo que já provara na vida. Delicadamente amargo. Deliciosamente meu. Uma expectativa como se a minha existência fosse uma extensão sem fim cronológico. Embora tenha aprendido a chamar de real apenas o que era triste e tedioso em tudo isso.

Como se eu fosse um amontoado sujo de papéis amassados no lixo. E tivesse direito apenas ao que fosse ficando grosso, lento e mórbido e não posso me esquecer da violência latente desses rostos humanos quando tentava me desligar. Esses olhares que só podiam ignorar. Até meus filhos e suas infinitas impotências também se pudessem destruiriam tudo em mim com seus gritos. Como quando abrem em mim um rasgo sem cura no coração, se lhes frustro algum desejo, por menor que seja.

Se pudessem destroçariam tudo, com suas gengivas em carne viva.

Os instintos insistem e permanecem, isso é tudo. A natureza é brutal e cruel. Gesta e devora sua própria matéria, regurgita vida e alimenta-se dela com uma gigantesca preguiça e indiferença.

Observo algumas rãs devorarem moscas.

O carro delas estaciona e minha mulher desce carregando uma quantidade bizarra de sacolas com tudo que julga necessário para um fim-de-semana perfeito. As crianças, mal a porta do carro se abre, atropelam-se e se espalham feito foguetes pelo parque, numa ânsia de brincar. Lúcia segue atrás da mãe de cabeça baixa e contrita.

- Ela arrancou o celular da minha mão para me insultar, insolente!
- Me dê essas sacolas, Vera, deixe a menina em paz.
- Você sempre a defende, está arruinando esta criatura.

Lúcia se afasta, é velha demais para brincar com os irmãos e jovem demais para acompanhar os diálogos decrépitos de sua mãe.

Ao longe, alguns homens retiravam com perícia e paciência seus peixes fisgados e em seguida devolviam as varinhas no tanque. Olham o vazio iluminador esperando o próximo peixe, com o espírito pleno. Enquanto isso os peixe estendidos na grama puxavam, puxavam com toda força, mas o ar não vinha e aos poucos asfixiavam suas brânquias se erguiam e baixavam até que param mortos com os olhos e a boca e as guelras horrivelmente abertos.

No silêncio artificial desses parques ouvia o canto aflito dos pássaros. Para nós, símeos espectadores da natureza, soam como doces flautas, na verdade, se alguém se detém um pouco a observá-los percebe que suas vidas e sua visão lateral de presa, seus ovos quebradiços e ninhos feitos de folhas secas, minuciosamente entrelaçadas, são tristes e sofridas. O desespero que toda essa devastação gera nesses pobres animais sem voz, sem refúgio, cujos lamentos melancólicos são confundidos lamentavelmente com um doce cantarolar, é totalmente ignorado.

Algumas mulheres tiram fotos da paisagem e do tanque artificial de peixes entupidos de ração. Faltam apenas algumas horas para meu domingo acabar e as mulheres se perdem em fantasias de beleza, retocando-se no banheiro, nos salões e nas pontas das próprias unhas, arrasto-me para esses abismos femininos, esses verdadeiros poços sem fundo, sem satisfação.

As moças jovenzinhas com as quais Lúcia não se mistura tiram fotos sorridentes para seus arquivos, para que quando suas cores estiverem apagadas pelo tempo tenham algo em mãos para parecerem nítidas.

O que deus precisa, assim como a alma feminina, é conhecer a si próprio. Isso essas pequenas filhas dos senhores ricos deste pesqueiro, apesar de graciosas, não o podem fazer, por isso, a maioria já está levemente gorda e fofoqueira. Para distinguir entre a fruta deliciosa e a que já vai podre, é preciso faro e paciência. Percebo quase assustado que também eu estou aqui a pescar. Minha varinha de bambu é apenas um disfarce dominical, um engodo pois meu anzol sequer possui isca.

Sentadas a uma certa distância observavam suas crias brincarem com outras crianças. Minha mulher muito a vontade entre estas senhoras maldosas me dava um pouco de repugnância. Mas entre aquelas pobres mulheres, havia uma sem nenhum tipo especial de atrativo, que usava um vestido simples e óculos antiquados.
Chamou minha atenção. Seu rosto branco era como uma noite em bulha, havia micro-explosões de subversão em sua boca algo se revolvia dentro. Podia sentir de longe a tristeza corrosiva sufocando sua alma em avalanches de sonhos que desmoronavam em sua cabeça, seus olhos tremiam como se uma lágrima estivesse prestes a cair por mais engraçado que pareça ela parecia plenamente satisfeita como se sua dor fosse algo transcendental e nada tivesse a ver com os minúsculos dramas das outras mulheres.

Não era bonita no sentido categórico, quero dizer, que minha esposa e sua super-dedicação à guerra contra o tempo arrasaria com ela em uma comparação fria e calculista. Mas tinha algo naquela mulher. Eu a pesquei, então. Era a ela que estava procurando aqui, desde sempre.

Desde que olhei para aquele panfleto com um belo lago de cimento estampado com letras elegantes: venha passar o fim de semana perfeito em família. Algo se revolveu em mim.
As crianças foram se afogar na piscina, Lúcia havia desaparecido entre as árvores do bosquezinho.

Então me dei conta de que aquela distinta dama talvez pudesse ser Lúcia uns anos mais tarde, se sobrevivesse às suas reflexões amargas. Não, não era uma simples e torpe atração sexual projetada. Era incrível, mas aquela mulher sabia de alguma coisa e eu precisava desesperadamente arrancar aquilo dela, deixá-la vazia para que pudesse ser novamente como as outras, ou ao menos disfarçar-se em público com uma casca de ferida seca. Aquela mulher me pareceu obscena. Precisava dividir a cama com ela, o espelho, o maná que seu corpo maduro escondia.

Tornou-se imediata necessidade aninhar naqueles braços delicados a minha alma aflita. Trocaria tudo por ela. No ato. Pois vinha dela aquele gosto delicadamente amargo em minha boca. E seu perfume sem cheiro emanava vida.

03 agosto 2010

testemunha ocular

Glauco era cores calmas
óculos enormes
os olhos
estufados
em bolhas

de plasma em suas veias finas
seus colírios no bolso
até que um dia
cegou


ia aos museus
apalpar esculturas
frias pedia
para lhe descrever o céu
e as avenidas


indolente
eu passei
a contar
mentiras
sobre
todas
as coisas

pra
desenhar a ele
o mundo muito
mais

bonito

acidente de carro

parece
um pequeno

cadáver
desabrochado
a flor vermelha da barriga
aberta

teus ácidos

estomacais
fazem
barulhinho de chaves quando entram fortuitos pelas
cavidades do
intestino

arrepio e

reparo em teus olhos

uma dor oblíqua
quando fecha e abre
a mandíbula

quebrada em
cacos de ossos

quando
os enfermeiros
recolhem
teus
pedaços
espalhados pela

maca

alívio

só pode ser branco

o alívio

borbulhante
desse enjôo

só não pode ser

quente me encher

a boca de

sapos

e o ventre

de sementes

02 agosto 2010

amor de boteco

eu não acho
o que estou perdendo
nem sei se faz frio
ou se tremo
pelo fogo azul que sai do gás

não estou fingindo que sei
mais que você
de mim
nem quero beber cerveja pra poder
te falar
que depois vou dormir
e rodar num cassino louco
feito bola de
roleta
cair
no vermelho ou no negro
ficar
fora do ar

fora do ar

quando
a rede está
fora do ar está
dentro de onde?

minha cabeça
tem dois
nomes e
eu só

um coração
que
quando quer te ver
e nem o google
te acha não sabe
se é sábado
chora gotinhas de
xarope de morango

se durmo
ou sonho
não sei mas
vivo
rasgando os fios
tênues que me separam de
um-mim-líquido
verde-musgo

por dentro
você sabe como
nas pedras
existem
faíscas?

bato
sete palmas
para o
ornitorrinco

cubro
sete peles
flácidas
na fila da
cirurgia

desenho
sete estrelas de
cinco
pontas

no meio do silêncio
infinito da noite

divórcio consensual

os primeiros dias foram vítreos passando de flash em flash a tv. mandibulas abertas mastigando macadâmias até acabarem. comprar mais? cigarros. sentiu falta até das brigas.

não compreendia o sumiço repentino dos guardanapos limpos, brancos e dobrados na gavetinha do armário que ele nunca consertou.

acordava cedo demais ou tarde, perdido. acabou apagendo-se à mobília para não ficar louco e quando a separção foi definitiva juntou forças como quem precisa se livrar de um vício. foi ficando duro, resistente, imune à comentários sentimentalóides que ele mesmo fazia roendo as unhas um desespero de velhice solitária eterna antecipada.

até que um dia ela ligou.ligou. o telefone por si só não tocava. pedindo emprestado as panelas. sei que não cozinha. e foi presente da minha cunhada. tossiu. pensava rápido. desculpa. é que minha namorada usa, entende? dois meses. namorada? é uma amiga, vem aqui às vezes, quando.

tinha horror da idéia de ser traída em sua caminha. achava sujo. até que ela mesma fez o serviço, na caminha.


os corpos mal acostumados a presença um do outro causava insônia. sentia frio ao mesmo tempo
procurava por uma vida outra como se fosse impossível pedir perdão.

roloando na cama ampla e vazia passou perfume pegou o telefone mas só queria ligar pra ela, de novo ela ela ela...
ligação cara cheia de juras compostas de mora e multa recisória.

ela às vezesera tão nítida
mente
egoísta

não se falaram nunca mais houve um amor em vidro tão bonito assim jogado fora.

Pranto à Noite (de Cosme Damião)

os pássaros revoam em direção ao
Sol que se vai
vermelho deixando no céu um

incêndio de nuvens


saio durante a voluptuosa noite
só para
beber

o orvalho de teus olhos

e beijar-lhe a ponta
dos teus dedos
infinitos se estendem
oh, Nuit,
por todo ventre
fecundo
da Terra