12 agosto 2010

conto n° 3

parte I

verificou a chave estava mesmo no bolso. direito. as luzes todas apagadas. um alivio se espalhou lentamente em seus músculos cansados. checou novamente. droga. era a chave da moto e não a do escritório estava tudo escuro, claro, tinha apagado as luzes. tateou as paredes procurando o interruptor e o telefone tocou quase ao mesmo tempo em que os pés tropeçavam nos fios e apesar de caído o aparelho gritava, gritava socorro, me ajudem, me atendam! seguranças! disse alô quase pedindo desculpas, a respiração tensa a cabeça ainda na chave precisaria encontrá-lá de qualquer jeito. escutava pensando em como se desviar daquele embuste, do torpedo noturno mas sua boca foi assentindo antes que pudesse pensar em uma desculpa qualquer, o suor frio escorreu de sua testa e foi pingar com um certo ódio de si mesmo na mesa já foi ligando novamente os computadores para imprimir o maldito relatório.

e como seu chefe já estava subindo só pra pegar rapidamente a papelada resolveu esperar cinco minutos por cortesia. cortesia extra na véspera do feriadão. duas horas além do expediente. colocou as mãos nos bolsos e notou que no esquerdo, precisamente, no esquerdo, estava a chave da porta do escritório que poderia ter salvo sua pele -agora já era tarde, resolveu deixá-la lá, só que bem ciente disso, com todo foco -possível- que a raiva produz. o chefe não vinha, ele mandou às favas a cortesia e desligou os aparelhos porque aí já era questão de hombridade, de dor de cabeça e cansaço excessivo num coração meio alterado, queda de cabelo já começava a sentir que aquela sala sem o ar condicionado era insuportavelmente quente e sufocante.

sem contar que era desagradável olhar para ela. causava um estranhamento visceral ver seu ambiente de trabalho no escuro e das janelas, reflexos de neom da noite, uma brisa fresca de liberdade prometida soprou quando as abriu. esperou o chefe com todas as luzes apagadas exceto as da cozinha. ascendeu um cigarro, o segundo do dia, tão deliciosamente seu que parecia até o primeiro.

entre longas pausas saboreou aquele último cigarro como se fosse uma boa companhia. daquelas que se traga pra dentro e ela não reclama direitos nem individualidades, não põe impecilho nem condições, nem liga se você não liga. te dá prazer e não cobra nada além de quem saber uma dor futura por isso, em cinco minutos te completa, te enche de plenitude e calma.

alguém entrou pela porta aberta, evidente, o chefe? e se chamasse e fosse um ladrão? ele teria a localização exata do asno em questão e poderia atacá-lo com furador de papel de ferro, ou uma faca. por outro lado se não chamasse por ninguém e espreitasse de mansinho o chefe ficaria puto de susto. chamou. o chefe ficaria puto de qualquer jeito. ninguém respondeu. mas tinha entrado alguém porque ele ouviu os passos. nítidos. tentou acender as luzes, não acendiam. estava tudo escuro ao redor. uma escuridão crescente o invadia, no estomago, pronto para gritar, uma mão apertou seu ombro:

Este interruptor tá quebrado!

Ah!...

é aqui, ó. imprimiu o que te pedi?

tá em cima da tua mesa.

onde?

ao lado das planilhas.

mas cadê o que eu te pedi?

achei que alguém tinha entrado aqui. antes de você. mas olhei em volta...

cadê o relatório! os advogados da minha patrocinadora estão lá embaixo querendo saber tim-tim por tim-tim tudo que eu te pedi pra digitar hoje a tarde e já faz sete minutos que estão esperando.

só tem nós dois aqui...

o que diabos eu te pedi pra fazer com urgência? presta atenção!

não é esse o relatório? você disse...

não! absolutamente. não!

imprime o outro, vai. mas o quê? esses computadores estão desligados? por que você desligou os computadores?

bom, eu...

genial! me fez vir até aqui, imprime os papéis todos errados, enquanto eu deixo meus advogados esperando. olha só! que maravilha! não tem papel na impressora.

quando eu imprimi tinha... e...

quando você imprimiu 40 páginas que não te pedi! devia mesmo ter. agora tem que buscar imediatamente...

eu vou pro senhor. em um minuto encontro uma papelaria.

você não tem idéia de como eu precisava disso pra ontem.

eu volto em cinco minutos!


pronto, meu bem, eu te disse. ia ser fácil. vem cá. ele não vai achar nenhuma papelaria aberta já são oito da noite. mas e aí? bom, aí ele vai ter que ir até a casa dele buscar papel, com sorte, vai ter alguém em casa hoje, véspera de feriado, não tem uma viva alma na rua. a gente tem pelo menos 30 minutinhos.

carlos, não seria melhor, coitado, se a gente tivesse simplesmente esperado ele ir embora? ah, claro! e minha mulher liga aqui na segunda como quem não quer nada fica sabendo que não rolou merda de reunião nenhuma. não fala bobagem, vem cá. pra que fazer isso com o rapaz?

lúcia, você não tá captando, meu amor. ele será nossa fiel testemunha, sem que eu deva nenhum um favor a ele, ao contrário, não vai ter que mentir, ocultar, suar frio, falar demais sem querer, pedir cargos em troca da lealdade, ao contrário, quando esse rapaz voltar com um tufo de papel A4 vinte e tantos minutos depois, vai se sentir grato por eu não demiti-lo, ficará em dívida para com seu pobre chefe. depois lhe pago muito bem as horas e tudo se perdoa, assim, todo mundo sai ganhando. vem aqui, minha flor, a gente não tem muito tempo, esquece isso. ai, eu não gosto de fazer assim num ambiente de trabalho. escritório é uma coisa séria. deixa disso, vem cá, vem cá...

sem contar! que não gosto de me esconder como um rato. a gente não está se escondendo, sente o tesão desse lugar, eu vou te por aqui, nessa mesa...hmn que acha? não é gostoso? Hmn...?


parte II

a sorte do dia era aquele colega a apenas duas quadras que podia perfeitamente lhe emprestar quantos chumaços de papel fosse necessário pra ele dar um toque de competência em sua imagem, apesar da ânsia de vômito que sentia por aquele emprego, finalmente. valeu, cara. segunda-feira sem falta te devolvo um bloco inteiro. relaxa, tá em casa. rapaz, bem que eu queria, mas o chefão passou duas toneladas de relatórios pra digitar, velho, só um monte de porcaria de 2007! e ele queria que digitasse tudo novamente só mudasse as datas, locais, cara mais cheio de frescura.

quando voltou cinco minutos depois a porta estava trancada. mas a chave, lembrou bem, estava em seu bolso esquerdo. as luzes estavam apagadas quando abriu a porta uma voz de mulher gemia a mesa raspava seus pés no chão fazendo uma fricção tão alta que não escutaram a porta ranger suavemente, nem seus passos plúmeos tampouco sua triste figura se esgueirando até a chão para deixar os papéis na mesa e se retirar desapercebidamente seu coração pulsava de alegria. na hora, não entendeu o porquê.

era a loirinha! do mostruário da floricultura! então o chefe escolhia flores pra mulher dele. e pensando bem porque ela ficaria tanto tempo lá dentro, esperando o cara folhear um enorme e tedioso albúm preto com calálogos enfadonhos de buquês de todos os tipos e cores, e que algumas vezes ela até esquecia no sofá ou na cadeira? mas... pensando bem ela só veio umas duas em um ano inteiro, sempre em datas comemorativas, mas era ela! bonitinha, loirinha. chegou a achar, um dia, que ela tinha dado bola pra ele. agora com as pernas abertas assim ela não parecia uma menininha tímida e recatada. ocultou o chumaço de papel no casaco, sentou-se comedido quase acendeu um cigarro, mas não tinha. de longe ficou a observar: lá estava ela gemendo como uma mulher selvagem os seios de fora saltando pelo sutien feito doidos... reparou no jeito como o chefe fodia e achou engraçado. observava aqueles corpos azulados pela luz do neon que vinha da janela.

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