27 julho 2012

esse mal me envenenou 
sua seringa 
injetada projetou
amor e quando findou meu vestido 
se amofinou
que esse mal ainda
não passou
os amigos perdem a graça
o trem
esfumando a praça
e a festa já estava no fim
quando ele chegou...
me abraça, mas são braços de outros
me esforço, mas o cansaço vem
e tudo convence a parar
pra descansar
nas raízes de uma árvore antiga
que me diga que está tudo
bem

e que mesmo se ele voltasse
gentil me viesse sorrir
não valeria a pena
aquietar-me serena
em seus lábios
em seus cheiros...
já não seria nada além
de um mal de amor...


tarde amena de sol
dorme um anjo
tranquilo
em sua nuvem
passageira

brincam as
ninfas com o vento
em brisas
de caramelo
e menta

borboletas experimentam
o sabor nos néctares
com a ponta dos
dedos finos
dos pés

o vestido gira
florido
o samba sua
devagarinho
na curva sorridente
das suas costas
descem e sobem
insinuadas

uma janela se abre
pro aroma das
flores
seus cílios
captam em silêncio
o burburinho
de asas
de moscas
na cozinha

seu iogurte talha
desde manhã
esquecido
o seu café esfria
o suco perde a vitamina
o pão murcho com a
manteiga derretida

o anjo sacode-se
em tempestade
as borboletas voam aflitas
as ninfas
desapontadas
com a ponta dos pés
saem
de fininho

e o seu vestido molhado
no samba
devagarinho
é o único que
me continua
sorrindo...
a sua carne
arde
entreaberta
a boca 
escarlate
um latido fino
de cão
vadio
seus vícios vis
seus orifícios
seu suor
aflito
nos pelos
apelos ao
pé d'ouvido
e nosso amor
descendo,
teimoso,
escorrido
nas teias
da sua cama
sem lençol...
dentro do seu olho escuro
caminhei sozinho
cuspi em paralelepípedos
atravessei os degraus
de ascensão

zombei de suas luminárias elétricas
da sua mania de perseguição
dos medo ancestrais das trevas,
dos vagabundos, raptores
e prostitutas ébrias
abrigadas em seus bares e porão...

dentro do olho escuro da noite
descobri malícia
um pouco de doçura amanhecida
e nenhum conforto

atroz a noite atropelou
meus sentimentos
com suas ladies que brilham
no escuro com seus
cavalheiros
gentis em demasia
dão-me ansiedade, ódio
e asia
nesta cidade prefiro a grama
ao firmamento...

prefiro correr perigo dentro do olho do cu
das suas ruas e das suas vielas
sem saída...
noite mal agradecida que desejo
com a pressa
de quem espera
um beijo
suave e apodrecido
derretendo-se nas gengivas
como um veneno
que brindamos aos nossos vícios
terrenos,
à lama que brinda nossa pele
e nos purifica, então,
de madrugada,
brotamos uma orquídea
pálida a padecer no luar...
melancolia é teu manto
e despido teu corpo faz
infinitas curvas, noite, noite...
toma meu líquido
e dá-me da tua fonte sóbria de prazeres
deixa-me currar-te,
sorrateira,
noite, o olho da noite
escuro,
sujo,
delicioso...
bebe-me em goles suaves
de adrenalina...
engole o lobo voraz que habita
dentro de mim
dentro da minha
pupila.

Cidade dorme

enquanto a cidade dorme,
desperto à substâncias mais vazias
a paleta de cores
frias diz apenas
aos silêncios mansos
que não
fustigam...
o que os olhos não vêem
devoro com os dedos 
sujos
de maionese

o leito
o leite
a mão
a margarida

o que meu coração não sente
devoro com boca
de gula
e sobeja...

o rio
o riso
a unha
o paraíso

o que os olhos não vêem
é o que mais desejo
sujo
em segredo

a pele
o pelo
o grito
a margarida

o que meu coração não sente
cuspo com a boca
seca
de desprezo...

o fim
o sim
enfim
te esqueço...
pequenas unhas de aço finas
em torno da sua
garganta
dentro e fora
das curvas da sua língua
bolas de ranho foram
engolidas
num riso
estranho

o rosto
afogado
não faz barulhos
os sons são muito altos dentro do crânio ecoam gigantescos
e assustadores sussurros e assoares de narizes...
minha cabeça dói, ela diz
que atrás do olho direito se a luz penetra
diretamente em sua pupila
sente sono
sente sede
sente que fede
cada dia mais
um pouco
pútrida...

tão belo seu rosto, seu olhar...
agora sem fôlego e sem cigarros,
prestes a sucumbir às trevas daquelas ruas sem iluminação pública adequada,
uma rajada de vento sopra a oeste trazendo pressentimentos tão obscuros quanto a vastidão de crateras desta via.

entre silenciosos cães esquálidos da madrugada
sua imagem de
olhos esbugalhados
com o nariz coberto de sangue vivo como hibisco a sorrir para o sol
a tossir e torcer o lencinho
delicado com
suas mãos frias
me fez tremer os lábios
eu, que sequer sei seu nome,
vejo passar tão magnífica vida
dentro desses
olhos enormes
poderia gritar
poderia
mas a profunda beleza
desses girassóis amarelos dentro de você
me cala
a formiga pensa que o universo é infinito
em sua ínfima finura de formiga 
pensa que a fórmica
é a superfície da lua,
que é preciso trabalhar duro
para se ter direito
ao alvo grânulo
de açúcar
lá no alto
de sua pequenez
de formiga...
‎a qualidade da tua pele
ao toque
dos meus arrepios
é a única coisa
que nos distingue
fatalmente

sê tua própria saliva
e a sede da tua emancipação
cubro com a língua
o morno da tua mão
sigo a linha de raciocínio
que usas pra empinar uma pipa
com o meu rosto no céu
a sorrir
de antemão
queria ter tocado teu
ventre como
os anjos dedilham 
arpas

devia saber dos riscos
dos corpos
dos poros que se abrem
aos mais inusitados
desejos

podia ter te beijado a boca
e calado com a minha língua
o que dizias
e eu nem
prestava atenção...

acima de tudo
sabia
que um dia
enroscarias
tua mão a minha
sem
ardor
sem
dor
sem
devoção
fora do beijo o eixo pretendido
múltiplos desejos um soco no queixo
e o sexto duplo sentido
cai, quebra sua cara de pau,
pau pedra tesoura é banal
ouvi dizer que agora sua cultura é
hipster
mandei fazer bandeira para quem não pode ser
manuel
tossir na escarradeira a escada traiçoeira
tropeço e meço o sexo do
manuel

acordo de fogo em plena festa de sexta-feira
foco o cabra no banheiro derramando seu xixi derradeiro
o pó, o pé, forró, for all.
forró for all night long baby...
cinco minutos desse silêncio valem mais que a imensidão
esses caras são do veneno
não conhecem a ingratidão
borraram o chão do mundo com seus passos descalços
escorregam na escadaria
tropeçam no mundo
quebram em um segundo
ossos de vidro
nossos ouvidos
se rompem em múltiplos desejos
nessa silenciosa imensidão...

Vaníla



o beijo escondido em cada boca
o sorriso de cor invisível 
das palavras que

o medo profundo de mergulhar
em um timbre imperceptível aos olhos
de ir tão longe e tão distante das tristes tentativas de reter os raios de sol no telhado
ou qualquer conversa
esconde

as primeiras verdades, primaveras.

chover cada vez que a chuva passa por mim
rezar quando a mais simples e pura gentileza me parecer divina e
correr com os lobos selvagens das montanhas
quando a lua enfim convocar sua filha

11 julho 2012

Mas e ae, cara, como que cê tá?
Ah, porra, sei lá...
Sei. Gerundiando. 
Isso mesmo. Estudando, trampando. Fazendo os corres da vida. E você?
Eu to enlouquecendo. Ontem mesmo, vi um extra-terrestre. 
Cê tá de sacanagem?
Claro que tô. Mas a pira de enlouquecer é verdadeira. Tipo, medo de sair de casa. Já teve? Então, esse lance de olhar as pessoas me olhando, eu saio a tarde e tomo um suco de laranja. Pra não enlouquecer. Mas eu faço isso porque já estou louco. Tomo o suco e sumo, vou pra casa, ler. Mas ao mesmo tempo sinto falta de alguém.
Sei. 
Sinto falta de mim mesmo. 
E a aquela guria que tu catava?
O lance do extraterrestre, é sério. Nós dois vimos. Tamo junto ainda, por incrível que pareça. 
Ela é gata.
Ela é gata.

Bom, eu vou almoçar. Vai ficar por aí?
Opa, claro que não. Vamos. 

E esse lance dos ETs muararáaa...
Tu ri mas é serião. A Maíra tava saindo do banho...
Do banho? Puta, ela é gata.
Ela é gata.

Mas conta, porra!
Ah, então. Eu tinha saído pra comprar nossa larica vespertina e deixei as chaves na mesa da cozinha, veja bem, na mesa da cozinha, não tranquei porque a gente não tem essas nóias. Só fechei o cadeado. Quando voltei, o portão estava trancado, normal. Mas a chave estava na fechadura e achei estranho porque a Maíra ainda estava no banho, acontece que ela me viu ficar o tempo todo no quarto, até conversou comigo, de dentro do box, o problema, meu amigo, é que fui comprar cigarros, pão, café e queijo. E eu tenho certeza de que estava na padaria e ela tem certeza de que eu estava no quarto, falando com ela enquanto tomava banho. E quando entrei pela porta totalmente estranhando o fato da chave estar na fechadura ela achou que eu tinha saído apenas pra beber um copo d'água. 
Sinistro. 
O mais sinistro é que nenhum dos dois se deu conta disso. Até a hora do jantar.

Boa tarde. 
Boa tarde. Eu quero um executivo, peixe ao invés de bife e água mineral. 
E você senhor?
Um uísque. 
Uísque, velinho?
Sei lá, essa estória me deixou nervoso. 
Me conta, o que rolou na hora da janta?
Bom, comemos nossa larica, jogamos no pc até umas oito da noite, aí ela teve que escrever as piras dela do mestrado no computador, eu continuei jogando. A gente resolveu a noitinha ver um filme, então, eu fui preparar um rango. E ela uma sobremesa e um suco. Aí a porra do lixinho estava cheia e tive que descer pra levar o lixo, coisa que devia ter feito a tarde, mas e a preguiça? Sem contar que eu esqueço e a Maíra fica puta, você sabe como são as mulheres, elas sempre...
Cara, e aí?
Meu, aí eu vi a coisa mais assustadora da minha vida.

Seu uísque, senhor.
Muito obrigado. Um executivo pra mim também, por favor. E uma coca.
Cara, eu desci com as sacolas de lixo pela escada porque, pra variar, nosso elevador estava ocupado. Estava escuro, mas senti alguma coisa passar muito rápido por mim, um vulto. A luz do maldito sensor finalmente acendeu. Não tinha nada. Caralho, eu me caguei de medo. Senti aquele maldito vulto gelado num arrepio ruim percorrendo minha espinha, corri como um pato que levou um tiro no rabo com aquelas sacolas de lixo nas mãos e quando finalmente saí do prédio e olhei pra nossa sacada quase desmaiei de cagaço.
Porra, cara, que porra é essa?
Eu vi, meu amigo, eu vi...Uma sombra gigantesca flutuando no escuro, olhando dentro do meu apartamento e a Maíra sozinha lá. Voltei correndo, subi aquelas escadas nem me lembro como e ela estava apavorada quando cheguei. Disse que sentiu um vento frio sinistro vindo da sacada e quando foi fechar a porta, aí notou que uma enorme cabeça olhava pra ela, uns olhos malignos, ela dizia, um olhar satânico. Ela achou que fossem os medicamentos. Ficou mal, coitada. Está em choque.
E você?
Como pode saber que era um ET?
Era um extraterrestre porque desapareceu numa espécie de explosão surda. Eu vi uma luz se movendo muito rápido. Eu diria que ele se teletransportou.
O que um maldito ET iria querer contigo?
Não sei. Mas você checou os registros da nossa empresa?
Não, o que tem eles?
Você não sabe em que tipo de merda a gente se meteu, não é?
Do que você tá falando a gente vende ar condicionado...
Isso é fachada, bobagem, mentira. Não é possível que não tenha percebido. Olha, cara, esses caras estão construindo ogivas clandestinas. Provavelmente estão envolvidos com terrorismo, andei investigando. Entrei na sala secreta deles...
Você enlouqueceu.
Puxa, esquece. Deixa isso pra lá, essa conversa nunca aconteceu. Ok?
Você está preso.

03 junho 2012

Da Avareza

Se não te posso comprar
oh, donzela,
teus tão sonhados vestidos
ou mesmo
este formoso par de brincos
que com olhos de gula cobiças
peço que sejas honesta
e te contentes
com meus
braços fortes
com os meus

sinceros
sorrisos...

tome este anel
aceite o meu pedido
é de ouro folhado
que tomei emprestado
de um grande amigo
para vir
de joelhos
dizer que me sinto
tocado e ungido ao
mirar teus olhos
compridos

peço que tua alma
se aqueça com meus esmeros
posto que peles, jóias e terrenos

são desejos de mulheres frívolas...
ao meu lado nada te faltará, terás,
minha dama,
tudo que te for necessário:
um terço e um escapulário
para que tuas preces
traga-te comida e vestes
quando eu não as puder
comprar...
bem sabes que toda a minha riqueza
logo se findaria se tolo
me pusesse condoído
pelas lamúrias de compra
de um rostinho
bonito...

Da Ira

A quem o fogo da fúria queima?
o corpo que magoado treme
a boca que ressentida espreme
um beijo
áspero
entre lábios
comprimidos

da garganta escorre
ácido,
ardido e letal veneno
mata aos poucos
repousa no estômago
fervilhando revanches
ressecando as mucosas dos olhos

e num tremor de arrependimento
sopram frias cinzas espalhando-se
desvanecidas
pelo montículo de sentimento
pelas chagas
pelos móveis quebrados
pelos cacos de vida
pelo homem que se vai
cabisbaixo
levando seus pecados consigo...

08 abril 2012

o grito

não faça ruídos talvez a sua respiração incomode também.
não faça movimentos brutos não soe tão
arrogante...


todos se pareciam
até fetos de matéria orgânica
sorriam falso afeto
afetadamente até
o que era realmente inacreditável
soava como a alegria contagiante que se podia sentir no suor do salão no calor humano espalhando-se
claustrofobicamente...

o que seria mesmo incrível era o dia seguinte, sem expectativas de melhora.
sem um futuro nítido que nos dissesse "é por aqui que serás feliz, filho". mas mesmo assim, insistia como se o seu papel fosse aquele.
"toma teu cajado e tua túnica e segue pelo deserto do real até que encontres, Diógenes, um homem de verdade
em verdade
calado no fundo do seu coração, a respiração apertada talvez incomode,
mas eu existo.
e faço-me merecedor
do direito
ao grito.

04 março 2012

Cemitério dos poetas

durante uma visita à lápide solene
da poesia, estarrecido, fitei-a esmorecida
como um pinto que murchou durante a transa...

e diante dos olhos moucos dos senhores filósofos
e da alta cúpula da psicologia
todas as meninas escarravam nos barrancos da epistemologia.

Dentro do caixão
encontrei um pedaço de papel de pão
rabiscado com uns versinhos sobre o último homem que amou
uma prostituta.
Sobre a primeira-dama bebendo seu café gelado em uma tarde quente
de paris, enquanto seus lábios de verniz
degustavam finíssimo cigarro.

No outro verso do papel, uma história de amor entre um bardo
e uma rapariga das montanhas.

A moça, mui bela e prometida em casamento,
foi certa feita banhar-se nua no rio e ao vento.
Ao que a viu, divina beleza, um bardo andarilho lhe saudou a boa saúde com singelos versos musicais.
A rapariga cuja cona formigava bolhinhas de desejo,
largou-se logo a um beijo e se enamoraram.
Assim que despejou em seus doces lábios o seu jato viril, partiu o bardo para a...

Deixando a moça com saudades, despediu-se
seco, sem amenidades ou versinhos de adeus.

Aos seus, disse a donzela que se esquecera da hora, porém,
a toda aurora buscava seu corpo nu o rio do vilarejo
para que, quem sabe, alguém passasse em sua vida
e lhe deixasse um inesquecível beijo.
Mas se quisesse de fato partir de sua pequena armadilha,
teria que com suas próprias asas feridas,
de cotidiano e medo,
voar para longe dali.

Por fim, vestida com a mortalha púrpura da poesia em sua jazida de aristocrata falido.
Um poema que não é lido, é um poema que jamais nasceu.

E sua vida toda esperou o poema, qual donzela ingênua,
que lhe penetrassem olhos curiosos,
mal sabia a poesia que, hoje em dia,
as mídias frias sugam todas as energias
e aos homens só interessam as coisas fáceis
-e as leituras digestivas.

Sua poesia antiga, em reversos e enigmas, nada diz aos rapazes que já nasceram numa astronave.

Depositei, pois, uma flor solete na lápide da poesia.
Sua jornada é finda, mas tudo que morre se dissemina no vento
e contamina a luz solar que respiramos;

lembro-me do epitáfio que dizia: "saúdo-te, oh espírito divino da poesia, que mesmo ido terá pelos loucos sua nobre memória exaltada".

Na grama onde cresceram pequenas flores crespas
a poesia me lembra que o amor está em toda parte
e à parte de honrarias da sociedade.
pode ser baixa, vulgar e sublime -mas
jamais motivo de vexa.

O amor não se curvará diante do seu argumento mesquinho.
O amor, apesar de afirmares o contrário, não abaixará seus olhos tampouco se curvará diante do seu desejo pequeno.

Se fui eu quem sofri primeiro, você sofrerá mais e -por inteiro -
amargará sua paga em solidão reflexiva.

E nós passaremos como formigas por toda essa existência vasta
de matéria escura. Mas o amor,
que não se curva, nasceu em mim e
jaz, em ti, letra morta.