17 julho 2016

Há cinco gerações seguidas,
Passava desapercebido
Como pequenos erros de cálculo ou moedas esquecidas no bolso,
O balanço de ferro no fundo de casa.
O cachorro lá se deitava,
Lá se balançava...
Todos já se haviam ido,
Mas enquanto o balanço rangia, lá pros fins dos dias nos cafundós do mundo,
O cão não se apercebia
Que não tinha mais nome, nem dono,
Nem comida,
Nem água
vem pagar caro para ouvir barulho
beber fermentado de milho transgênico
vem fumar veneno
soprar na calçada o vômito da madrugada
ainda amarga na garganta
e não adianta
só o tesão vale a pele...
O saco vermelho do Papai Noel
Não atravessei o
paraíso para aquilo
que pensei 
sou tolo
como qualquer outro
que torce apenas para que a sorte
venha antes da morte
e no meu leito de desespero
comi mingau de arroz e peido:
tudo morre,
tudo morre,
tudo um porre sem fim
tudo sobre você sem mim
Cheguei quase no meio da festa
era a fantasia final
no baile de prematuros,
natimortos
ou natiruts
a dor era fecal
agonizando peixe e azia
a tia da cozinha sabe mais da fina filosofia que meus velhos óculos
adivinham
estou cansado
e é natal
estou cansado
e é natal
estou um saco...
Este seu jogo
eu manjo de longe
não tente esconder
a espuma com o horizonte
não se faça de besta
que eu escuto
até o pensamento
mais escuro
você se acha esperto
um garoto moderno
atrás do rapaz
da capa do caderno
corre atrás dele
para tentar comer
os seus restos de ração
que o cão maior e de latido melhor
mais altivo que o seu
já comeu
até se infartar...
seu papel de palhaço
não tem psicodelia
o seu traço de sorriso
é melancolia...
violento
impulsivo
mimado
detesta perder
detesta esperar
preferencial
não humano
mentiroso
imortal
deus
sorridente
meigo
generoso
altruísta
amigo
humilde
melancólico
sincero
mortal
humano

Barzin

eu quero comer
você de pijama
não quer
cozinhar
eu quero fazer
um bolo e um drama e enrolar
minha paciência na folha de uva.
eu to vendo
uma jovem vulva
vulgar
eu to passando batom
no espelho
do bar.
ainda estou aqui
insistindo na tv
eu não tô nem ai - já são duas da manhã
assim não dá
me passa o sal ou me pega na mesa
mais uma cerveja,

cansei
de passar
batom nessa cara de sonsa
que Deus me deu
prefiro ir pro breu
da minha cabeça
cansei de fazer
alianças só pra perder no ralo da pia uma voz macia
ja me dizia:
o início se funde ao fim
tudo começa com sangue
e termina
unanimamente
em mim.
o maior desespero
daquele pássaro
era voar
o pesadelo do olhar
era ver
seus doces, seus salgados
indo lancheira abaixo
todos comiam:
menos ele
ele era solitáro
e tacanho
dizia coisa sem cabimento
e seu limítrofe e pequeno tamanho
não continha
sequer seus gestos
dizer que usava óculos
era dizer pouco
sua boca
pedia soco
seu jeito de andar
pedia briga
sua família 
- não falemos dela
a família faliu há muitos anos
que sua mãe bebe demais
e seu pai não ganha mais dinheiro
ao chão seu mundo intreiro
há de rastejar por muito tempo
e por algum emprego
não há erro
nem cálculo
por seu próprio proveito
por que não morre agora
simplesmente de câncer?
porque câncer não é tão simples assim,
nem rotineiro
e se tem o modo inteiro para morrer...
por que não continuar
vivo?
o buraco
só aumenta
quando o sacro
se ausenta
sinto o sal da sua presença
a sombra que aqui habita
não hesita nem reflete
há parasitas entre serpentes
enquanto
eu saio de fininho
no bolso
um isqueiro,
três trocados
amassados,
para comer de noite.
a vida leva o sopro da morte
eterna quando seus olhos encerram
uma passagem entediante da bíblia
se eu pudesse
deixaria ainda mais longe
sem água, nem carona
na tempestade de areia
do seu próprio deserto
mas espero
esperto e desperto
seu próximo ato de desespero
com esmero
selo
minha boca
às coisas poucas
que com suas mãos mocas
você me oferece.
de tez em tez o dia
amanhece  
azul pálido perto de um negrume líquido
ninguém é imune ao silêncio cósmico do grito de
antes do sol
nascer
E se você soubesse
Que cada passo apressado
É um passo mais rápido para morte...
Se você tivesse a sorte
De ficar parado, no pasto,
Pensando
O sol a lhe brindar na pele
Raios de puro amor
Apartidário
Mirar-se-ia na mata
Em que se abrem e morrem
Sempre e nunca as mesmas
Flores..
O céu lhe diria em silencioso azul
Sem pudores
O que ninguém com tanta potência impaciente compreenderia

Enquanto houver Londres

Enquanto houver Londres
haverá esperança de que um dia eu possa ir até lá
contemplar nuvens cinzentas acima do Big Ben.

Ora, enquanto houver jardineiras de grávida e martinis o suficiente para esta noite, haverá esperança de que eu fique realmente bem, como se estivesse de férias de um longo e árduo trabalho -
de parto.
Partirei ao meio meus receios
partirei de malas prontas
para Londres, para longe desse burburinho em excesso
tudo que dissermos: será em excesso

as mortes, os acidentes nucleares, as bombas, as crianças 
afogadas
em palavras de pseudofelicidade 

Enquanto houver esse murmúrio dantesco incessante e midiático, todas as palavras se perderão no tempo-espaço
e escrever será tão útil quanto fazer silêncio,
posto que o silêncio
será mais agradável.

paz de cinzeiro

A paz até padece pálida
Se parece com água
Gelada
Suponho que está morta
Paz apagada
Carrego uma bagagem 
triste e pesada,
caindo aos pedaços...
Um sorriso que chora,
uma emboscada. 
Sufoco aos poucos na
felicidade perfeita
a pronta entrega,
embalada a vacuo
para viagem
que levo até o carro e devoro sem notar
enquanto dirijo e nenhum
cigarro basta,
e nem sei quantas latas
seriam suficientes
para substituir um
coração incrédulo,
latente e exaurido
por expectativas
gastas...
Mas em Oz só posso ser a triste mulher de lata
a procura de um coração
que bata
um pouco mais depressa,
enquanto

você
passa
O dia em que te perdoei em segredo
a gota que cai do orvalho da flor
é a mesma gota de dor
desprendendo-se da chuva
a tempestade inteira
existe para sorrir irônica
em sete fragmentos de luz
em um arco-riso
no céu
seus ânimos acalmados
calam-se na brisa inexprimível da noite
tudo é silêncio e simples
a folha velha se vai
para o broto continuar
este amor doido
chamado gosto de fruta
tangerinas transgêneras
goiabas brancas ou vermelhas
acerolas maduras
ou abacates marcianos verdes
como um caroço no
seio
tudo me veio
num relâmpago,
num lampejo
de lampião
Hoje é o dia do perdão
Os amanhãs:
perder-se-ão.
De tanto tentar
tatear no escuro
descobri que o incerto é
seguro
E a vida não tem solução.
Talvez o amor seja um muro
em demolição.
Talvez a beleza não seja
mais esta flor no asfalto
eu preciso ir mais alto
onde o ar é rarefeito
e as nuvens,
meu chão.
Malandro quando ele olha com rabo de zói espiando atrás do cigarro paieiro
Eu fico bamba as cadera me dói de tanto balançar minha rede
O peixe que me atira o anzol me pesca me leva pro tanque
Me mói
Tira minha cabeça e o resto
Come com shoyo
Vem cá ver, eu lhe mostro
O monstro mora na minha
Barriga
Por isso agora sem tripa
Lhe digo
Pode comer o meu
Corpo nu
No seu aquário sou raro e
Fecundo
Suas paredes de vidro
Um mundo
O passo se peco me perco
Me rói
Ruído sofrido de ser vagabundo,
Invado seu mundo me mudo
E mudo calado me abate um baque profundo
E tá difícil e lindo e sublime
Subir o declive enfrentar o declínio
Não tenho nome, nem fama,
Nem fé eu sou só
Um passarinho subindo
Eu sou só
Um passarinho subindo.

Amores líquidos

Primeiro me apaixonei pelo seu cheiro. 
Nuca, braços, arrepio no bico do peito.
A estranha voz e o sorriso enigmático.

O ciúme homicida
aos poucos, porém, ensina
a paralisia facial cínica
o gesto dramático de fazer as malas e deixar o que não pode ser:
os livros, perfume, os filmes, tudo que possa lembrar você.

Tudo que remeta a nossas metidas hei de devolver aos poucos meus uivos às ruas, devolverei edemas aos vasos linfáticos.
Só não devolverei 
o que não sei distinguir se sou eu ou você.

Quando eu descobri que você jurou
amor à Júlia
Prometeu se casar com a Sarah
Fez comédia e drama para transar com a Mariana 
quando eu descobri você
pilantra, sim
sólido, jamais.

Escorreu-me pelos dedos depois pelos ralos cabelos e meu olhar preocupado.
você é passado
E meu presente sou eu
Sou um regalo 
a tudo que já me pertenceu.

a mulher amanheceu
de sua noite
intranquila
rompeu fibras
cardíacas
sentiu que
a manhã seria mais limpa
não haveria o sangue das suas crianças
não
haveria mais as nuvens
seriam de algodão
os senhores não ficarão mais ofendidos
quando o prazer espalhar-se
por todas as castas, em todos os gostos, em todas as bocas
Em todas as casas
Deus perdoará
os homens
A mulher os perdoará
e uma guirlanda de flores
irá coroar a
nova rainha do lar
a nova rainha natural das coisas da vida
animais serão libertados,
as crianças serão libertadas,
a mulher decapitará o gordo senhor de bigodes e óculos que por séculos
confinou seus óvulos,
entre bens, cavalos, terras e escravas
e sã e salva
a mulher dará à Luz
um novo Ser
nascerá forte
de suas raízes mais íntimas
e femininas
o fundamental
respeito à liberdade e
e à vida
A luva engole os dedos na textura delicada da seda
Ainda é cedo para ser
Temerária
Peguei minha arma
Calibre 35 anos encarcerada
E dei um tiro, dois, três...
Os miolos voavam
Exibidos do teto ao
Útero materno
Limpei discretamente
Um pedacinho de carne humana
Da cara. Tirei as luvas
Guardei a arma.
Estou exausta.
É melhor ser pedinte que pedante
Não vou explicar de novo
O que deveria ter entendido antes
Mais cansado que um acadêmico casado há anos
Continuo procurando
Aquele re-cheiro de chocolate
De dentro do ranho
O Ista ia pela rua e o filho do Eike Batista quase o atropelou.
Por Odim, shake now baby,
o que faremos com essas paredes
vermelhas?
Na sala se fala muita besteira
as vozes apodrecem aos poucos
O locutor fica rouco
A violeta depressiva
Esconde-se em um lamentável vaso plástico
faz a cínica
Mas é aquela velha preta que mexe o purê, serve as vasílias, os talheres prateados na toalha branca e limpa.
Os sinos da Igreja badalavam,
mas os fiéis, não,
estes faziam silêncio meditativo,
ao passo que as horas se arrastavam, a deixar um caminho melado de lesma,
para trás.
E todos bocejavam o mesmo hálito úmido
dos móveis mofados.
E dirigiam o mesmo tédio eterno às suas Escrituras.
Se o paraíso se parece com isso,
Mandaram-me ao inferno,
e durante a noite eu vibro feito fogo
e me sinto mais vivo que morto
as alegrias efêmeras inflamam minhas veias
eu suo e sujo seja
o resto dos meus singelos dias
amarelos e noites escuras que ilumino
como a acidez do vinho
como a avidez do veneno
os lábios é o pedaço de uma mulher
mais difícil de esquecer.


Eu vou ficando menos desaparecendo
Enquanto os seus dias são iguais
As meninas têm cheiro de balalaika no hábito
Mentoladas
Você se apaixonou pela minha sombra.
Eu estou, ainda, quedada em mim.
Mais sedada que o verde enrolado em papel de seda lilás
Continuo insatisfeita depois da décima trepada
Ainda quero mais
turbar
Eu ainda quero
Mas os seus dias
Costumam ter cheiro de lar
Mesmo me fazendo pedra dura dessas que não brilham
e nada valem
a verdade é que sinto
falta
é difícil dizer
sua
Não adianta atrasar os ponteiros
não voltam atrás
Queria ganhar uma surra de bocas vorazes e seus batons
borrados
Mas
Acho que a festa acabou no capô do carro os últimos covidados se despedem com um tapa nas costas e outro
no baseado
em lágrimas que nunca caíram
Todos os sentidos me traem
sorrio só meio sorriso
É porque nunca me despedi
da sensação horrível
de perder o tempo
que não tive.
E pensar que agora sou um morro,
sepulto um coração cheio de carne
putrefata
ateio fogo em meu ateísmo
e renasço das cinzas
do meu cigarro...
fazer silêncio faz barulho
quando o pensamento muro
passa pela sua cabeça

último poema

Este é o último poema que lhe escrevo
ao alvorecer
uma dedicatória simples
que contenha mais algodão que mágoa
mais doce como sempre foi amargo
é que você tem um jeito bobo, moço,
que deixa meu olho borrado
e minha garganta apertada na fumaça do cigarro.
Trago engasgado
este último poema
um gole no gargalo,
uma gargalhada
enquanto seu circo pega fogo,
eu sou o palhaço
Estou indo embora de vez
da sua memória
levo até meus sapatos
que demasiado estrago
já causei na bagunça da sua cabeça
e antes que me esqueça
devolvo seus livros emprestados
amortizo nossa última dívida
divido só comigo mesma
pesadelos naufragados,
torres fulminadas
Nossas esquinas,
nossas tardes na calçada
agora são bocas e caras atormentadas
desculpe mas
sou uma criança autista e mimada
um campo de concentração minado
escuta meu pigarro
ele diz muito
sobre meu estado
precário...
Arde uma artéria
em meu peito
E se eu entendi direito
voar tem o mesmo efeito
espirado da fumaça
tenho vontade de continuar
vivendo, a maior parte do tempo
é a menor parte de mim
antes também não houvesse mentido
não era bom mas tão longe de ruim
que não ruía nem emitia sentido:
era bebedeira que
não quebra com
preguiça, com mandinga
nem com fingimento
o prazer obscuro de sentir dor
logo abaixo da cintura,
fissura
raiva e tesão ao mesmo tempo
e tudo se resume a um breve momento
um piscar de olhos do
tempo-espaço.
um piscar de olhos
água morna
escorrendo
molha o fundo
da calcinha
boca
dedo
língua
escorrego
no ego me
tempero com mel
e farinha
Eu que não te amo
houve um engano quando o guarda-roupa misturou nossas camisetas
eu fui ficando bêbada
eu fui ficando
eu fui...

poema do interior que foi para cidade grande

Quando a lua bater
simplesmente abra
seu guarda-luz-de-lua
o espaço necessário
entre a minha saliva fiada e a
sua estrela cadente
murmurada
dentro de tal esnobe peito
o meu defeito
já iluminou muita sarjeta
em que eu dormi,
sonhos sem teto
viciados em crack
e travestis siliconados
na madrugada Augusta
de Sampa.

um coração purulento
pulsando sangue
e não há unguento
que aguente tanta
fome
se não engolir a vida inteira
ela pode engasgar na garganta
e depois não adianta
chorar o cadáver derramado
tive tantos amigos sábios
no momento
estão todos
se fodendo
chupando os ossos
da asinha de frango
fumando as bitucas
da sarjeta
lambendo botas
comendo um cu
ou uma boceta
a tênue dança entre
suas pernas
e a linha reta
o ondular nas costas
do seu cabelo preso
por uma fita vermelha
quem tem mais sede
a vida ou a gente?
quem tem medo
não tem nada,
só razão.
Tenho medo de ser enganada
por mim mesma, ao longo de uma longa conversa
dessas que nunca são a sós, por mais que se esteja
Tenho medo de derramar molho no olho dos outros
de tropeçar em minhas próprias mãos
de cair de boca em uma outra
calda de cereja
De me tornar a minha própria obsessão
De sentir tesão em horários impróprios
de bater à porta de banheiros públicos
de rastejar
de certos sons
Tenho medo do medo e da vergonha
Tenho medo da morte
E de assombração, já que as sombras são assim
assustadoras em si.
Tenho medo de tocar
uma pele tão diferente da minha
e medo que essa pele me
toque de volta.

acre ditadores

a verdade estava lá
escolhendo um vinil pela capa
porque 
tudo era muito antigo
no estilo de vida
dos acreditadores
alguns vieram de repúblicas
estudantis não democráticas
com gravíssimos casos de desvio de verbas
para a nova mesa de bilhar e
e todo aquele macarrão instantâneo
produziam gases e opiniões
particularmente
desagradáveis
digo, os acreditadores nascerem para
serem inteligentes e altruístas
visionários de um mundo sem volta
mas ninguém quer conhecer a verdade que está até agora solitária segurando um copo de cerveja a procurar um som na vitrola que possa agradar]
coloque no papel
azul ou verde,
amarelo ou violento.
não se esqueça do nanquim
suave venha a mim
um momento
em que seremos lindos,
lidos e ouvidos.
haverá também o silêncio que precede o grito
o surto susto astuto
a crise please repeat
your password again
e uma passagem
minha e sua
para além de Belém
muito aquém dos nossos
planos
para dominar o mundo
neste final de semana.
subversão da língua
a poesia
seria linda
se fosse tácita mas ela grita, espinha
espicha e
infla,
bolha plasmática,
transforma-se em sonhos,
em meras palavras
a poesia tem olhos de águia
encara o amor de frente
mente só pelas beiradas
mas o miolo é mole
e suculento

16 julho 2016

o amor não devolveu meu chip
queria rasgar minha carne e amar
tão bonito quanto as meninas
dos olhos à sombra
tão assombradas quanto
a brisa
queria penetrar minha alma medonha
puxar pelos cabelos
que sua boca viesse de vez em quando
conversar longamente
com a
minha
eu só pedi
para ser normal
foi deus quem disse
amigo, nem a pau!
a minha fábrica
um dia dá defeito
e com efeito
serás tu eleito
a chacota
da noite
a piada
do pássaro
a viagem da doida
da estação
Paraíso
por isso
te curti no metrô
e conheci minha mina
num camelô
sou todo mundo
que não é você
não vejo futebol nem gosto
de tevê
sou estranho
e tenho até crachá
arrumei um nome
e um Orixá
e enquanto
você se assusta
vou assoviando
pela rua Augusta
os minutos
são diminutos
sessenta vezes sessenta cliques
obsessivo-transtornados
basta
um minuto
acordado
e me sinto
mais atordoado
que em sete semanas
sem dormir
sete virgens do rosário
rogando
praga
os minutos são pequenos vermes
roendo a irrealidade,
o sonho de Brahma e não,
não é a número
Um
Os minutos me fazem falta
os sete minutos que sufocaram um gato
um minuto para cada vida
minutos passam
atrevidos
nas pernas finas
do
ponteiro
meios minutos
que valem
por um
inteiro
a
toda hora
fragmentado
esquálido
no risco
do
relógio
vejo
o minuto move
montanhas

sobre sábados

sábados são vagos
como são os afagos
do meninos drogados
afoitos e afogados
em perspectivas e perseguições
são lindos lírios em seus devidos lugares
delirantes vagões sublunares
sou eu pedindo desculpas após pisar
nos pés de alguém
tentando pegar bebidas
no balcão
sendo totalmente
ignorada
sábados são como subitamente
tropeçar seus olhos
no boy magia
e imaginar carentes carícias: carne vai, carne vem
e no fim
têm mais gel do que deveria
têm pouca purpurina
sábados são ocos,
tolos e
os outros,
nos quais eu trabalho até tarde e vou dormir de porre de
porra nenhuma,
são mais interessantes
são os que levam a diante a semana
sórdida seguinte
porém
os sábados são os únicos capazes de me arrepiar a nuca
são insanos e são
tão poucos
ao longo da semana


um coração purulento
pulsando sangue
e não há unguento
que aguente tanta
fome
se não engolir a vida inteira
ela pode engasgar na garganta
e depois não adianta
chorar o cadáver derramado
tive tantos amigos sábios
no momento
estão todos
se fodendo
chupando os ossos
da asinha de frango
fumando as bitucas
da sarjeta
lambendo botas
comendo um cu
ou uma boceta
a tênue dança entre
suas pernas
e a linha reta
o ondular nas costas
do seu cabelo preso
por uma fita vermelha
quem tem mais sede
a vida ou a gente?
quem tem medo
não tem nada,
só razão.

Animalia

ainda hoje eu era um dia qualquer com ruas dentro
com avenidas, engarrafamento e gás tóxico saindo das narinas

ontem eu fui aquele corpo que comi queimado, o sangue que desnaturou e ficou cinza, cor de carne cozida, moída e o molho de tomate
em cima
quiçá eu seja um livro que viajou dias
ou a figueira muito velha da praça que ainda está lá
enquanto as pessoas que amei
já se foram...
Eu fico segurando as pontas
enquanto ela festiva sai no esquema esquiva
A furtividade de suas cores
refletida em velhos caleidoscópios
Eu fico segurando as pontas enquanto é sempre ela que arruma a seda
que acorda cedo
que lava mais os cabelos
e sai para trabalhar
Já não adianta
não vai ter golpe,
nem vai ter janta
E ele estava prestes a chover quando ela, aquarela, tornou-se um arco-íris bem no canto do olho da menina dos olhos, dele. E assim, na corda bamba do acorde bambo, o ritmo dos pingos a cair no chão, a fizeram relembrar que ele se precipitava em chuva e ela em torrencial mansidão. aceitando.

Vanessa Yves

lenta, gótica e lânguida
saltei na selva satânica
cai na solidão
de para-quedas nesse paredão
o muro me esmurrava e só dizia
não
as cores eram cinza-espuma em comunhão com minha sintonia e meus sintomas de confusão
desabava água dos meus olhos e lá do céu - que agonia não se via pássaros apenas meus passos molhados caídos em água fria do chão]
lerda, lógica e titânica
levantei os cílios borrados de rímel e ri, meu deus, o mel
é mais doce entre o tétrico e o tântrico 
Vá com Baco, meu amor
nem que seja pro Buraco e essa dor, esse uivo,
vai passar do ponto
vai virar churrasco
vai virar fiasco e o primeiro convidado
comerá farias cruas do meu coração

Do Luto

Tudo que a mão toca
e permanece ali
encontrado aos olhos
parece tão estranho
enquanto morre
a mão que tocou
aquilo tudo
que fica pela casa:
a xícara, o copo, os livros não lidos,
os vasos, o sofá, a estante...
parece tão estranho e distante
que petrifica
Tenho medo de ser enganada
por mim mesma, ao longo de uma longa conversa
dessas que nunca são a sós, por mais que se esteja
Tenho medo de derramar molho no olho dos outros
de tropeçar em minhas próprias mãos
de cair de boca em uma outra
calda de cereja
De me tornar a minha própria obsessão
De sentir tesão em horários impróprios
de bater à porta de banheiros públicos
de rastejar
de certos sons
Tenho medo do medo e da vergonha
Tenho medo da morte
E de assombração, já que as sombras são assim
assustadoras em si.
Tenho medo de tocar
uma pele tão diferente da minha
e medo que essa pele me
toque de volta.

Da imagética no capitalismo

olhos sintéticos
cheios de luz
quem tem tempo
de pintar as próprias unhas?
os colegas
comem pizza sem oferecer
vão a bonitos lugares
salutar os pulmões
realmente vão usar
os sais de banho
comprados no ano
passado
vão competir a respeito
da inteligência dos filhos
bebericando
vinho
poderiam até andar de bicicleta aos domingos
se tudo não fosse tão violento
se o raciocínio das massas não fosse lento
e como seria bom se houvesse
ao menos um jornal decente
para ler enquanto se toma o café
daquela padaria,
a melhor
da cidade,
você sabe.

15 julho 2016

coloque no papel
azul ou verde,
amarelo ou violento.
não se esqueça do nanquim
suave venha a mim
um momento
em que seremos lindos,
lidos e ouvidos.
haverá também o silêncio que precede o grito
o surto susto astuto
a crise please repeat
your password again
e uma passagem
minha e sua
para além de Belém
muito aquém dos nossos
planos
para dominar o mundo
neste final de semana.
eu só pedi
para ser normal
foi deus quem disse
amigo, nem a pau!
a minha fábrica
um dia dá defeito
e com efeito
serás tu eleito
a chacota
da noite
a piada
do pássaro
a viagem da doida
da estação
Paraíso
por isso
te curti no metrô
e conheci minha mina
num camelô
sou todo mundo
que não é você
não vejo futebol nem gosto
de tevê
sou estranho
e tenho até crachá
arrumei um nome
e um Orixá
e enquanto
você se assusta
vou assoviando
pela rua Augusta
Eu tô botando o dedo na tua cara
Na tua ferida
No teu discurso
sem lógica, sem curso
com pós-graduação em Bolsomito
Eu não te engulo
Eu te vomito

politicagem

Era um vez um pobre orgulhoso
Que sonhava ganhar na loteria
queria ser gerente
queria comprar, por exemplo, roupas da haute couture e brilhar
O pobre orgulhoso não gostava de pobre
e se odiava, por isso, jurando
a si mesmo "É temporário"
chorando em seu pobre travesseiro
sem pena,
nem ganso
E comprava seu mundo perfeito aos poucos
em dez parcelas no cartão
E gostava só de linguiça
se fosse da Perdigão
porque um tal de Luciano anunciou
na televisão
mas ele mesmo, o Luciano, só comia Angélica
e nunca nem tinha provado linguiça
alguma
O pobre orgulhoso tinha uma longa lista de ódios
o topo da lista era gente
vagabunda
e depois
vinha criança, porque dá trabalho e grita e suja
ódio de bicho, porque faz sujeira
de planta, porque é besteira
de feriado, porque não tem nada pra fazer
e de trabalho porque o deixava exausto
O pobre pobre apodrece
em seu orgulhoso verde e amarelo anti-comunismo
pobre anti-pobre
pobre anti-bolsa
anti-Freire
pobre pró bala,
pró boi
pró Frota
pró bíblia
o pobre pobre só não sabia que o próximo
a ser pisado
seria ele
e sua família
Poesia de classe média só aborda tema elevado
Fala muito de física quântica, amor e tempo nublado

O primeiro emprego


fantasia -Eno e Fanta para sua asia
aos poucos e a esmo os elefantes ficam pasmos,
perdem seu marfim e suas trombas tombam deselegantes no palato que não distingue mais o sabor do amendoim...
os leões idosos e castos recolhem seus bagos e seus caninos, amansam o rugido e lambem a própria pata supondo, talvez, que esta nova ninhada não sobreviva aos dentes e garras de seu sucessor felino.
e obviamente, os únicos animais aptos a fazer cobrança, são as cobras.
manjadas, essas moças escondem-se atrás de óculos e livros.
piores são as que escondem o escuro dos olhos (no fundo, castanhos) no sorriso e se fazem de rosa ou de orquídea.
e nos primeiros dias de Estágio é facilmente detectável que alguns sapos, de fato, têm pelos. Eles crescem no queixo da inspetora de alunos e espetam os olhos malvados das criancinhas.
dois dias de atestado médico equivalem a uma epidemia. se houvesse duas férias ao ano, o que, diabos, eu faria?
e o que mais me agonia é saber que quem anda nos trilhos acaba atropelado pelo trempo