30 novembro 2010

zimbauê

tudo que queria te dizer
era
vamos embora,
zimbauê!
pra muito além
desse monte
de bobagens

talvez até pra além de você
a gente encontre
uma moça
morena
vestido
simples
de algodão
e laço
e
a gente brinque
de amor
de rede
e de abraço

quero te beber, Zimbauê
num copo sujo de saudade
toda
gelada e
cremosa
sem hora
de ir
embora

Zimbauê:
eu o sol e você
toda
senhora
de si
a sorrir

aos outros
não saberia explicar
porque parti
seu
coração...
talvez porque você tenha
recolhido todos os
cacos
do chão

aqueles passos lassos
que
jamais
passarão

meu coração batendo atrasado


perdeu o ano
o número
e o endereço da sua
casa

talvez você more nas montanhas
talvez viaje para a
praia pra
beijar o sol na boca
beber
a água
salgada
do amor

29 novembro 2010

Do desejo

Porque há desejo em mim, é tudo cintilância.
Antes, o cotidiano era um pensar alturas
Buscando Aquele Outro decantado
Surdo à minha humana ladradura.
Visgo e suor, pois nunca se faziam.
Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo
Tomas-me o corpo. E que descanso me dás
Depois das lidas. Sonhei penhascos
Quando havia o jardim aqui ao lado.
Pensei subidas onde não havia rastros.
Extasiada, fodo contigo
Ao invés de ganir diante do Nada.

Hilda Hilst

vento

ele é um lindo
sorriso vindo
me chamar

pra brincar
na janela
me chamar
outra vez
me roda levanta voando o vestido
me leva no ar

me leve
me ergue
moleque
levado
sorriso de céu
sorriso de céu
será que se deus quiser
tu não há
de vagarosamente
me penetrar
os
sentidos

jovem
coração
alarido
trovão
e tem sabor
de raio
nas mãos


olhos de céu
azul
a me olhar
pra lá e pra cá
dança
e roda ciranda
com a ca poeira
que o sol
levantou
no ar

10 novembro 2010

Mr. Walker

o corpo de uísque à luz neon é blues
seco sem gelo sem açúcares
vidro sentindo frio
aos avessos
vai, João, em
teus trôpegos tropeços
em tua capa
contra o vento
na ferida despida
de cachecóis
luvas
e sobretudo
dos olhos
doloridos

um odor
amarelo
sabor mescalina
espalharia
feito cancro
feito néctar
o aroma
da melancolia
que a dama sopra fria
em expirais
azuladas das narinas

toda sua dor
escondida
nessa sua pressa
nessa pressa
de diamante

João,
teu sábio charuto
teus másculos
músculos maiúsculos
desejando a mulher da próxima
esquina

que beija a cigarrilha
borrasse de batom
lábios perfumados
que bem poderiam
encontrar
uma ponta
de interesse,
querido,
nos teus argutos sorrisos
como antes já havia
se esquecido de como era
antes
do seu corpo se tornar
vidro...

09 novembro 2010

silvia

silvia espera o ônibus. olhos flácidos de quem não dormiu direito a noite. envoltos por olheiras profundas como noite gelada sente o vento secar suavemente seu rosto. observa ao lado pessoas que fingem pensar alto enquanto apenas sussurram sonhos sozinhas.

tem perfume de manhã. sorri inexpugnável e de rosto opaco- colorido de manchinhas de cigarro. quando está apaixonada pensa em suas manchas como sardas. e tem os dentes bonitos de leopardo.

escuta o rapaz de tenis, barba e mochila escutar o fone de ouvido. é bom dançar de olhos fechados. amar de olhos fechados. amar até fechar os olhos e enxergar o outro de olhos fechados.

não importa os juros o que importa é carregar o vermelho indiano, com franjas douradas e contas de rudráksha e sandálias de couro delicadamente torcidas nos pés como quem exibe uma ave exótica. uma ave leve. a rainha do circular urbano.

sentou ao seu lado uma moça tingida de ruivo nos olhos rápidos os dedos rápidos no celular enviando mensagens instantâneas@

imaginou esses dedos ágeis as unhas bem polidas ao piano, em sua vulva; o rosto sério e compenetrado. a mão trêmeluzindo no celular ia apagando fotos, e-mails, perfis sociais de um casal sorridente rodeado de amigos -todos com caras bêbedas uma praia ensolarada ao fundo de um mar esverdeado. dava pra sentir a brisa daqui.

uma a uma, força nas teclas, delete, delete, derrete ele. mas os dedos ágeis deliciosamente pálidos e compridos.

um velho olhava as fotografias do jornal. era óbvio que via apenas as fotografias e não estava lendo o jornal porque seus óculos não funcionavam mais. uma vez lhe perguntou as horas. e ele olhou pro relógio com cara de espanto, como se fosse criança e não se lembrasse o próprio endereço. admirou o punho um tempo, aquela bola de cristal que não se comunicava mais com ele. como deveria ser seu mundo embaçado agora? cheio de traços e cores disformes? depois de olhar, murmurou algo pra dentro de si mesmo e finalmente fingiu que não a escutava mais . velho cegueta. escondido atrás do jornal.

o velho cegueta:

de manhã vai à banca comprar jornal. todos dias. desce no ponto em frente à lojinha de roupas usadas-nos fundos mora uma mulata que costura, tem lá seus bons sessenta anos e é muito bonita. boa de fogo e fogão, caprichosa nos sorrisos cheio de dentes e um rosto alumiado de gratidão. ela o espera com um bule cheiroso de café e um aroma cremoso de pão. toda manhã. o velho não casa com ela porque tem uma esposa doente. é sempre assim, de dia feliz com a mulada, de noite humilhado ao lado da mulher. não escolheu nem a alegria nem a tristeza, fica vadiando entre as duas e sua aposentadoria escassa.

o velho a percebe percebendo-o raspa o pigarro da garganta e cospe um catarro verde escuro espumoso formando uma pequena poça de ranho muito próxima ao seu próprio pé.


um suspiro aliviado irrompe o cansaso de silvia. lá vem o casalzinho. ela os chama assim: casalzinho. no diminutivo porque têm rostos de criança. sempre cansados, atrasados, perdidos. será que os dois têm insônia? o que fazem tanto durante a noite que os deixa de olhos tão baixos, vermelhos, lábios ressecados e os ombros murchos?

chegam sonâmbulos. procuram um local silêncioso e morno e esperam. o ônibus chega, ela embarcar e e ele volta pra casa -os mesmos olhos baixos. acende um cigarro então assobia pra um cachorro que surge do nada e o segue abanando o rabo, feliz. e se vão sempre não se sabe pra onde. silvia se perguntando sempre.


o rapaz sonâmbulo pisa no cuspe asqueroso do velho. seu tenis desliza um pocuo deixa um rastro de lesma atrás. quase escorrega, mas seu braço apoiado do dela não deixa. eles são assim, um escorado ao outro como se não pudessem com o próprio eixo.

todos os bancos de espera estão ocupados, raramente eles conseguem se sentar. então ficam de pé, exaustos. aposto que as pernas moles. estão sempre cansados. o braço cansaço de um no ombro exausto do outro. e fitam o abstrato. com os olhos caídos. isso é que é apoio mútuo. camaradagem...

embora ela se esforce todos os dias para envesgar até não enxergar completamente nada, apesar da grave miopía que só corrigia para ler livros, seus olhos desafornudamente cruzam com os dele. e o rosto cadavérico vindo das profundezas das trevas tão lindo, tão lindo, tão pálido ali de mármore o moço-pose-de-árvore. sempre deglutindo um livro. depois que seus olhos se acham os dela não procuram mais.

ele tem a expressão facial de raízes expostas aos intempéries mas que resistiram honestamente às tempestades. uma tolice a dela. esperramada esperando o coletivo que não vem, não virá.

ela imagina que ele a vê bonita, mas sempre fatigada , sempre destruída por buscas noturnas que não combinam mais com a idade que tentava romper o último fôlego da juventudo. sua pele opaca, mas jovem, suas manchinhas invisíveis de cigarro, sardas. seus seios firmes, suas coxas grosas e cremosas.

ele a desanimava um pouco, não que pudesse realmente desviar o olhar, mas gostaria

de saber com certa urgência se estaria sempre esperando, se sua vida seria toda perdendo e achando os óculos e se os sinos badalando dentro da cabeça um dia iriam diminuir o tom desagradável de voz

e se quando cansada de não fazer nada ainda teria de sair pra pensar fumando pra chorar em silêncio a céu aberto. estranhamente exposta à galáxias e outras vidas e obscuras possibilidades de matéria que poderiam vir a ser todas dela neste planeta se soubesse sair da casquinha de ovo que inventou pra poder ser mole e viscosa por dentro.

um dia ela ouviu dizer que se ficasse tempo suficiente olhando as estrelase iria virar luz e voar luz voar anos-luz até aparecer no céu também.. acreditou porque tudo que ele dizia tinha a boca bonita dele -na qual ela confiava com calma. para além do que até agora tinha sido. seu primeiro amor estava...onde? ah, sim, casado.

estava farta das obviedades platônicas deste então. bom mesmo é puxar o homem pela barba. esse tesão desavisado que vem, vai e volta para suas pernas cruzadas em pose de não, um livro projetando a dor do peito para as páginas e os óculos grossos ocultando um olhar fino para sempre cega a todos as guloseimas do amor, cega à placa de contra-mão que: tuuuuuuum!

e buzinas frenéticas de carro rasgando seus ovidos.


tirou-a do transe de si e lá de longe ela viu todo mundo vendo um pouco mais despertos pelo susto o ônibus se aproximando e o acidente la atrás duas motos que sairam se ofendendo, sem machucados, sem pressa, sem a alegria do ônibus que vinha e abafou tudo isso.

começou a ventar forte. nesta mesma hora. uma hora em que a reladide acorda. ele foi obrigado a tirar sua fuça do livro e ver o mini-tufão de poeira trazendo folhas secas e guardanados sujos de mostarda pelo céu. a terra revolvida formou uma pequena nuvem de pó nos olhos. o outono. o vento levou alto as folhas mal arrumadas da pasta frouxa de silva e ela tentou agarrar o que pode soltando gritinhos de desespero e o rapaz de fone de ouvidos ágil como um gato saltou sobre algumas mas desistiu da maioria assim que o vento soprou ainda mais forte.


o vestido de silvia e suas folhas flutuavam alto e longe...

acompanhou com olhos mocos todo seu drama. o ônibus freou soltando uma presão de ar para abrir a porta como um suspiro mecânico, como um paquiderme de aço. os passageiros começaram a subir. não poderia mais alcançá-las.

enquanto subiam como um bem comportado rebanho ela se sentou procurou na bolsa uma pequena garrafa de conhaque que tomou com fé e coragem enquanto alguns olhares estarrecidos se voltaram para trás. todo seu trabalho de um ano inteiro.

pensou que a olhavam estranho. ou pensa que olham sempre achando que vê o que de fato não existe realmente achou que quando voltava de onde? da faculdade, a pé, sozinha. era de noite e alguém a seguia. um homem mal intencionado e não havia ninguém. olhava pra trás. ninguém. só podia ser um fantasma. riu dos seus papéis perdidos no vento. riu porque estava um pouco bêbada e muito desesperada. era o trabalho que iria apresentar assim que chegasse atrasada, a sua defesa de tese. sempre atrasada.

o velhinho e seu jornal se adiantaram para a cadeira dos inválidos, jornal embaixo do braço, o rapaz de barba e fones de ouvido passou por ela ignorando-a, como se fosse invisível. jamais poderia sorrir bonito pra ele, mostrar seus dentes de leopardo e agradecer sua tentativa patética de ajudar com as folhas. jamais.

ele se sentou ao fundo na última poltrona disponível uma mulher obesa lhe obliterou com as nádegas, não, foi com a bunda mesmo, e enorme. todos de pé, o homem de rosto magro e cadavérico de olhos vidrado na janela ou em alguma pira muito interessante dentro dele. o livro na mochila.

somos uns zumbis sonhando novidades passo penso distraída pela Vidigal. garoto idota, não me olha nunca mais. foda-se. silvia desceu e lá se foi ele nunca soube nunca saberia pra onde nem porque ele ia se um dia desaparecesse pra sempre, no entanto, ela ainda o amaria...até perdê-lo de vista, ela...

chegou esbaforida. levemente descabelada as pupilas dilatadas pelo conhaque o hálito um pouco cítrico os corpos confortáveis da platéria esperando que a louca se dirigisse ao anfiteatro. era curioso como seu coração acelerava num remorso paranóico como se houvesse acabado de matar alguém e todos ainda pudessem notar a camisa suja de sangue, os intestinos se contorcendo dentro da barriga e os gestos crassos de uma assassina.

vomitou seu discurso previamente preparado sob a pressão do dia anterior sem as folhas, sem a segurança que tinha diante do espelho pra platéia imaginária. fez o que pode, enrolando o menos possível., meu tempo bateu cravado, quinze minutos. duas garotas se aproximaram com cadernos tinham anotado tudo o que disse.

eram colegas de convivio forçado, sorridentes, deram os parabéns. isso é chato porque depois você tem de arrumar uma situação para dar os parabéns também e nunca acontece uma coisa dessas porque jamais ela fica até o fim das apresentações acadêmicas dos colegas, então permanece numa inútil busca.


pensa em convidar uma das garotas para tomar uma cerveja no bar daqui a pouco, depois dos autógrafos quem sabe lhes dá os parabéns também, caso aceite, mas... elas recusam com um aceno já quase do lado de fora, impacientes

e provavelmente sentem inveja da abstinência sexual de dois meses pra mais, muito mais, e da quantidade exorbitante de alcóol que tenho ingerido antes durante e após as refeições ...

e falam mal de mim no refeitório quando não possuem o privilégio de almoçarem em minha silente companhia.

o coração de silvia ainda batia acelerado quando um homem com a cara vermelha e dentes que pareciam implante de porcelana lhe ofereceu café pelando num copinho plástico. junto a um sorriso embaideirado e americano. tinha sotaque. simplesmente adoráveis os quarentões americanos e seus óculos enormes que vinham ao brasil duas vezes por ano em encontros obscuros sobre literatura moderna e aprendiam coisas tão inúteis e exóticas quanto o português e liam coisas como Grande Sertão: Veredas.

tinha como marca-livro um papel dobrado escrito com tinta vermelha: "fruto do mundo somos os homens... pequenos girassóis os que mostram a cara".


05 novembro 2010

Frida

estuporou em sua boca
feito ferida de sol
espalhando-se ácida dos lábios pra língua
faringite bola de pus
mas era só
um beijo

do coração ao sexo.
de coração contra o coração

seu véu noturno
teu lunar na testa
tuas vestes
de estrela no infinito espaço
da noite
que é tua

teus seios ondulantes dunas
do deserto e de olhos despertos
seus seus seus
seis mistérios
da besta
cravada em minha carne
a miragem de um
oásis
em contração
de parto

seus risos riscos seus esmos
são como cartas
embaralhadas
que de tão tortas
não valem
nada
e até
a cartomante
lança os dados
no futuro
um buraco escuro
de carpete espesso
no qual limpas
a sola
dos teus medos


nem sei mais se
desejo dormir
ou acordar
na tua pele
tudo se repete

até teu beijo
não arrepia mais
os seios ventam no cabelo não vêm
mais teu gemido rouco na madrugada
rasgar o fino
silêncio
da manhã
imaculada

04 novembro 2010

bar beer boom

aqui até parece que tá muito bom
bebendo vinho ouvindo um som
todo mundo aqui parece especialmente só
quero me divertir
beber passar um pouco além
da conta em mim
um segredo de Gioconda
o seu sorriso
é um escudo-esconderijo
seu sorriso é superficial
quente me derrete até
as pontas dos cabelos pelo chão
da cidade
brilhando as suas novidades
as luzes da cidade vão
me enganar
porque:

aqui até parece que tá bem legal
fumando um etecetera et tal todo mundo aqui
é uma estrela
em eclosão

a cidade brilha
suas novidades
as luzes da cidade vão
me enganar de novo
e eu não vou
dormir porque

o seu sorriso
escudo-esconderijo
me derrete e pinga
pela ponta dos cabelos
da água da
chuva
que
cai...