07 outubro 2016

Eloísa

Eloísa era ruiva, às vezes,
um pouco tímida.
Com 15 anos fez uma cirurgia rinoplástica para se sentir mais bonita.

Vamos assim chamá-la: púrpura chama,
 nem ela própria se compreendia.

Minha vida e a de Eloísa,
no entanto,
estavam entrelaçadas
em uma linha intrépida
e sinistra.

Pergunta-me seminua agora Eloísa: 
Quem ousa estar acordado tão tarde, sentindo-se algo entre importante
e invisível 
majestade?

Eu não tenho sono.
Eloísa sonha acordada.

Sua boca é de capim limão
e sua pele tem
cheiro de terra vermelha molhada
o cabelo comprido cor de tijolos
açoita-me com um silvo de passarinho
quando a gente 
pega a estrada


 Ela passa
por mim
vai até a cozinha volta sorrindo
segurando com os dedos comprimidos a colher de brigadeiro e os lambendo.
com naturalidade

Eloísa é silêncio entre seus livros
música muito alta
gritos enraivecidos
chora comigo 
e fazemos enormes poças onde nos admiramos
narcisos





O tempo

ontem eu era o tempo que já foi teu

hoje sou o raio de sol nos cabelos dela da outra que fui e permanece como a sombra de uma cerejeira

não há sentido que não se sinta
não há noite que chegue para sua cítara mágica transtocar
quem é Elisangela Neiva?

uma pessoante que soa
inverossimelmente
pessoa.

quem é Marco Aurélio?

o menino de orelhas de abano
sentado sozinho no fundo dos olhos
de uma sala de aula
cheia de macacos de carne

virá o tempo dos furacões
virá o tempo índigo
digno de notas douradas no imenso livro da vida
deste pequeno universo

Noite Insone


já que o sono some
na velocidade do seu nome
estou aqui lendo as entrelinhas dos seus supostos olhos
famintos,
infinitos...
olhos verdes, olhos negros
que nada poderia ser mais amor que este resto amargo
de licor
que sai da sua carne
não durmo
não duro muito tempo em pé
pensando em um hipotético você
recostado atrás do meu
cigarro
as dúvidas são as únicas que resistem
com as pálpebras arregaladas
observando o Nada
absurdo da madrugada
mais um cigarro na sacada
e volto enfim a cair
em minha própria emboscada...

Do luto


Tudo que a mão toca
e permanece ali
encontrado aos olhos
parece tão estranho
enquanto a gente morre
e a mão que tocou
aquilo tudo
naquela casa vazia:
a xícara, o copo, os livros não lidos,
os vasos, o sofá, a estante...
parece tão estranho e distante
que petrifica,
está pálida e fria
e morta.

Hoje não, queridão

O céu clareando aos poucos devolvia cores às fachadas pálidas da avenida
a rua tinha cheiro de desinfetante velho e subia
da boca de lobo um vapor fétido que aquecia.
Dividia com ele o último cigarro cantarolando
The Cramberries, Beatles e a chuva fraca.
Não me lembrava mais das letras e o frio infiltrado na garganta arranhava quando a cerveja descia gelada e, mesmo assim bebia e bebia e a boca seguia seca...
Eu sou uma flor plástica colhida no interior de uma lojinha de relíquias libanesas, no âmago de tudo que se abandonada ao pó e às teias.
Sou meus vultos que vão e voltam, sempre iguais, rodopiam e dançam como se fossem livres de qualquer prisão.
Quero seguir em frente, sair ilesa.
Ele não me quer mais...
Mentiras sinceras sejam bem-vindas, afinal.
O telefone dele toca mas ele não toca no telefone.
Em frente a minha casa ele fazia cara de que podia ficar tanto ao ponto de forçar um sorriso.
Ah, se eu fosse dessas de chorar... Eu diria até que imploro. Mas isso, ah! Isso eu jamais vou falar. Não serei nunca a primeira e única a dizer "eu te amo" e receber um silêncio constrangido no lugar.
Prefiro a imagem da língua dele lambendo minhas costas.

Entramos e, em menos de meia hora, meio sem graça, ele procura o casaco, para ir embora. 
Havia esquecido que não trouxera nenhum.

Tateia os bolsos em busca do dinheiro, que já havia gasto.
Lá está ele, derrotado, sem dinheiro, sem sono, sem cigarros - o peito arfando largo. Confesso, que por dentro eu ria, observando seus olhos meio caídos e a boca um pouco amuada.

Restou-lhe permanecer comigo. Depois de transarmos, dormia cílios tão grandes e
tinha sonhos intranquilos como as batidas do techno numa boate.
Queria dizer que eu sobrevivia de migalhas, mas não é sobre isso. 
Eu só queria mergulhar em seus olhos em plena luz do dia e, é claro, quando finalmente saísse o sol no céu outra vez, entender o que é que eu sentia. 
Mas era qualquer coisa de infeliz.
Eu o acordo, toco seu ombro e o retiro do fundo da cova, na verdade, minha poltrona de veludo vermelha.
Você precisa ir embora. Mas já? Sonolento recolhe o pouco que podia levar de si mesmo.

Ah essa noite, meu querido, não vou correr perigo! Posso até transar contigo, mas dormir ao teu lado, nem pensar. É sobre isso. Sobre como agora eu que vou te usar.

A lufada de ar gelado na porta indica que ele já deu o fora. E que o dia está prestes a.
Amanhã, o mesmo dia.

Beijo Gourmet


feche esses olhos tridimensionais
nenhum lábio que pretenda se abrir em carne 
deve estar acompanhado de olhos estranhos, castanhos, que só enxergam
planos cartesianos
abertos
dentes arreganhados de medo
jamais degustam um beijo
boca seca, que seja,
se a sua saliva salva
a nossa briga de línguas
calma

achismo

a gente acha que não vai morrer
porque tem um bebê
que precisa de mim e de você
a gente filtra sonhos com cipó
e galhos
e adia o dia de romper hábitos
a gente acha que vai durar até os filhos crescerem
mas não acha que vai envelhecer
eu acho que vou ficar
com medo
assustadiça
metade tédio
metade preguiça
e justamente por preguiça
irei trabalhar muito
para viver
Tenho medo de ser enganada
por mim mesma, ao longo de uma longa conversa
dessas que nunca são a sós, por mais que se esteja
Tenho medo de derramar molho no olho dos outros
de tropeçar em minhas próprias mãos
de cair de boca em uma outra
calda de cereja
De me tornar a minha própria obsessão
De sentir tesão em horários impróprios
de bater à porta de banheiros públicos
de rastejar
de certos sons
Tenho medo do medo e da vergonha
Tenho medo da morte
E de assombração, já que as sombras são assim
assustadoras em si.
Tenho medo de tocar
uma pele tão diferente da minha
e medo que essa pele me
toque de volta.

Acreditadores


a verdade estava lá
escolhendo um vinil pela capa
porque 
tudo era muito antigo
no estilo de vida
dos acreditadores
alguns vieram de repúblicas
estudantis não democráticas
com gravíssimos casos de desvio de verbas
para a nova mesa de bilhar e
e todo aquele macarrão instantâneo
produziam gases e opiniões
particularmente
desagradáveis
digo, os acreditadores nasceram para
serem inteligentes e altruístas
visionários de um mundo sem volta
mas ninguém quer conhecer a verdade que está até agora solitária segurando um copo de cerveja a procurar um som na vitrola que possa agradar]

Filme na sala

Era um domingo de paz
de papel
Era um felino voraz
lá no seu
celular.
E de noite era
comer cachorro-quente e
aí a gente pode ver um
filme diferente e sentir
como se devêssemos morar lá
Tenho mais amigos em
Oz que aqui entre
nós.
Tenho amores aliens nas comédias de Woody Allen.
A gente pode entrar em choque, ver um Hitchcock.
Ou entrar 
em transe e
transar .

Domingo é dia de ver filme que não faz chorar.





a vida
tem cisco
é macia
às quatro horas da tarde
e fria
às quatro da madrugada
são minhas
essas sandálias aí no quarto
guardo recordações
como quem pede desculpas
são tímidas
as tentativas de sorrir por dentro
por enquanto, aguento
mas haverá momento
em que a lua, uivar só
ou murmurar preces
não farão diferença
neste sacro instante
quero virar estrela,

de
diamante
o que eu posso fazer é tão pequeno e delicado
quanto seu pé
meio branco,
morno ou gelado
quando ela acorda tem café
e não poder ir além de fritar alguns ovos com muito carinho
nem precisar ir
além dos ovos fritos com muito carinho
é tão calmo quanto quando se escuta um passarinho
não é para qualquer um escutar passarinho
respiro o fundo do cheiro da boca
daquela moça
que mesmo feliz
é melancólicas
mensalmente menstruais
mas tanto faz
somos doces animais
aproximar-se de alguém, gostar, é um exercício de acupuntura
o eu oferece-lhe sua agulha, perfura
um pedacinho da sua pele-ego
e rompre a pequena bolha de isolamento
em vão, espetando-se suavemente
numa dança de micropontos
pequenos
tocados
na delicadeza
das pontas
penetrados sempre
superficialmente
e agora adoramos com os olhos moucos
a beleza de quem se vê inesperada e reflexilogicamente tocado em diversos pedaços do corpo
por outro
por aquela
moléstia
etérea:
o amor

sobre sábados


sábados são vagos
como são os afagos
os sábados
estão afogados
em perspectivas e perseguições
são lírios em seus devidos lugares
são vagões sublunares
sou eu pedindo desculpas após pisar
nos pés de alguém
por tentar
fazer você tropeçar
seus olhos
no meu olhar
sábados são fantasias de
carnaval, carne vai, carne vem
têm mais gel do que deveria
têm pouca purpurina
sábados são ocos,
ou loucos
ou outros nos quais eu trabalho até tarde e vou dormir de porre de
porra nenhuma
os sábados são os únicos que arrepiam a nuca
são insanos e são
tão poucos
ao longo da semana

Tinder


Não sou a mulher da sua vida
sou o veneno da víbora pulsando 
no seu leito agonizante
de sorte
Sou um cardume de peixes voadores em volta da sua cabeça mordendo a sua clavícula penetrando por sua bochecha
Beliscando a sua orelha com boca apetitosa
Eu quero quando você é rosa
E quando chora
leite e eu sou mel
Escorro
Morna
Deslizo com o corpo

escorregadiço
no seu pescoço
meus pelos pubianos
eriçam
com a mesma calma com que suas mãos
arranham


Você é meu crush mais crocante
mais doce que refrigerante
a acidez lúgubre, porém, dos autores que
lê em seu secreto porão
é o que realmente
me dá tesão