28 abril 2010

Lúcia

Difícil achar explicação, sabe-se muito pouco. Apenas que a região era uma vastidão de poeira e solidão. Sem lei, sem limites, sem destino.

Lúcia era trovão. Um alívio daquelas paragens. E em noites de temporal como aquela o cão se debatia na grade lá fora uivos trágicos.

Que diabos tem esse cachorro? - rosna o marido.

E os relâmpagos secredos de Lúcia mastigados e engolidos com a batata insossa da sopa, o jantar passando sufoco em sua garganta. Comia-se em silêncio fervia o fogão mais sopa os pés do maridos ensopados ela os secava, as costas curvas e cansadas secando seus enormes pés gelados e fétidos como peixes do mercado.

O céu fechado ocultava a lua tão cheias, enormes e monstruosas nuvens...
A noite lenta e violenta até que o corpo pesado dele tombou sobre a cama num ronco profundo. Ela fechou a porta extremosa de cuidados pé ante pé afastou-se furtiva, como quem abandona um crime às pressas seus pés iam com frieza de assassino devorando os passos.

Lá fora um cheiro de madrugada úmida misturava-se às batidas do seu silente coração os últimos pingos caiam gelados nos cabelos de Lúcia e se enroscavam em seu rosto sorriu ao lembrar a tarde que passaram juntas.

Feito asas de pombas brancas as mãos de Lorena e em sua boca delícias que dizia e fazia a língua de Lorena seus lábios de uva fumavam juntas especiarias de sangue quase fervia um rosto de sol saliente.
tostadas em delírio quando se conheceram era como se já houvesse uma amizade antiguissima e íntima.

Só se deu conta de que estava perdida, confusa e apaixonada quando a duas quadras da sua própria casa chamava em à janela com batidinhas tímidas e ansiosas. Lorena abriu os olhos sonolentos e a reconheceu no mesmo instante colocou-a cautelosa, para dentro.

Os pais de Lorena dispostos a todo tipo de recursos acabaram por as descobrir prestes a embarcarem no trem da liberdade, finalmente.

E num ataque de fúria lhes surraram, enquanto Lúcia esperava sozinha, Lorena surgiu pálida e encoberta por vários seguranças após subornar os vigias propôs aflita que fugissem juntas de pressa para sempre mas Lúcia temia o marido. Se fossem já, seria a última oportunidade.

Ele a aguardava com paciência. Sabia de tudo, tudo. Até do sonífero em sua sopa. Tudo bem descoberto naquela cidadela miserável, fumava um paiero espiando a mata achando idéia melhor que simplesmente matá-la.

Acorrentou-a, pois, em pesada coleira de ferro. E passou a servir-se dela todos os dias aos amigos também, e a muitos outros mais, por ninharia de dinheiro. E assim levavam a vida.

Logo o marido não precisou mais trabalhar tanta era fartura em clientela, tanto dinheiro no caixa e faziam festas! O negócio era o mais próspero da cidade. Reformaram a casa e mais moças vieram, cada dia mais, Lúcia com os anos já não era mais novidade nem a diversão preferida. estava velha e mal tratada.

apontavam-lhe traços repugnantes em sua fisionomia cadavéria e o cheiro desagradável que emanava seu corpo maltrapilho que o marido dava-lhe de comer apenas restos e era ainda obrigada a limpar as imundícies que todos faziam. Cozinhava o que não podia comer e arrastava-se pesadamente através de uma coleira enferrujada.

Lúcia tão bela como anjo era agora uma sombra de corpo franzino, um bicho encoleirado arrastando sua vergonha de dia e de noite pelos cantos da casa. Mas acima de tudo um bicho sem importância se alguém perguntasse o que sucedia a ela, davam de ombros, indiferentes e acostumados.

De Lorena nada mais se soube por longo tempo apenas que fugira. Certva vez, uma visita inusitada deixou Lúcia por muitos dias pensativa. O pai de Loréia que lhe batera na face, apareceu, serviu-se dela e em depois, estranhamente, ofereceu-lhe ajuda. O crime que cometeu já foi pago há muito tempo. E seu marido se tornou um porco hipócrita e beberrão que a escraviza, minha filha. Posso tirá-la desta vida de cão.

Quando tudo enfim tornou-se público e escândalo em jornal. Contam que a soltaram e ela não fugia, não se foi.

Estava fraca, doente e não tinha mais pra onde ir, afinal. poderia andar sem coleira. mas continuou arrastando-se pela casa e comendo restos, limpando imundícies, dormindo nos cantos, como sombra, como usualmente fazia. O pescoço ficou com uma marca em carne viva que jamais cicatrizava. sempre purulenta.

Às vezes Lúcia sorria uma boca sem dentes com aqueles olhos -os de trovão- e o marido então se percebia, batia-lhe. Ele sabia daquele sorriso, sabia que jamais subjugaria aqueles olhos. Nem seria capaz de algum dia ter o seu amor. Ele lhe arrancou tudo, tudo, exceto as lembranças, exceto seu espírito de águia, ferida, mal altaneira, atrevida, Lúcia de fogo e raio.

Lúcia soube de certa feita de Lorena ao acaso por uma das meninas de Companhia que leu para ela numa revista de grife: "Lorena Belford fugiu aos quinze anos de sua cidade Natal. Aos dezoito fora morar com parentes distantes na capital lhe arranjaram casamento às pressas por motivos desconhecidos. Atualmente vive em uma simpática casa de campo em Bruxelas, sozinha, sem filhos, e é muito famosa na região por recitar explendidas poesias de amor todas dedicadas a uma tal de: Lúcia".

Dias depois, enquanto caía um temporal lá fora, como aquele, Lúcia deixou-se morreu no sofá sufocada em sus próprios fluídos. Ninguém, exceto seu furioso e desesperado marido, pode entender aquele sorriso, de canto de boca, e olhos arregalos cujas pupilas flamigearefletiam: trovões.

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