25 janeiro 2009

cigarros de sergio - o cliche do escritório

O trem e seus músculos trêmulos de aço sempre rumo ao futuro. O terno, o terço e o terraço onde fumo meus compridos cigarros muda o turno da turma e eu no terraço a fumar cigarros, refletir a vida.

Veio então Claudete, de loiras melenas tingidas, atingia o cerne das questões, decidida: Desculpe a franqueza, Sérgio, mas seus cigarros fedem. E você todo fede depois que fuma. Falo na boa, cara, porque é verdade, sabe, eu vou bem com a sua cara, aliás,.por que não vem almoçar com a gente? Não, olha, prefiro comer sozinho, completamente. Eu e o meu fedor. Mastigar quieto, sem ter que pensar em nada interessante para dizer a vocês. Ela voltou com um sorriso tão generoso para sua mesa e ficou a sorrir o resto da tarde tão satisfeita por ter dito toda a reverberante verdade entalada meses a fio em sua grossa garganta.

Costumava perder aquele tempo azul que, na verdade, não se perde, o tempo de contar estrelas que acabou. Costumava passar as horas observando e tirando conclusões exauridas.
São cédulas cancerígenas que conto agora o próprio refrigerante que bebo todos os dias me faz mal e a suprema falta de forças, para chorar sequer, se quer mesmo saber a vida vai muito bem, um dia o teto cairá sobre nossas cabeças no escritório e esmagados pelo tempo a gravidade das horas que passei sem fazer nada. A abóbada celeste despencará suas bolas incandescentes sobre a burrice humana, até lá, vou cobrindo talões de cheque e as guias que nada tem com orixás, são frias as guias nas fervilhantes filas das lotadas e histéricas: lotéricas.
Seria simples ser e pensar e agir como eles. Just me. Juste you. Parecia cena de filme em câmera lenta as bocas se moviam e pude delinear detalhes virulentos como os beiços do Carlos, muito finos e arrogantes, uma boca maldosa, E os passos passavam pausados longos e largos rumo ao futuro e eu ficando pra trás, observando tudo do terraço, a turma mudar o turno de terno e terça-feira frita e eu fumando no topo do teto no terraço no fim do mundo. Se um dia pulasse daqui, seria engraçado.

Batia os pés ao ritmo dos quadris da menina e de um lado e de outro as portas fechadas a fumaça o suor daquelas mesas velhas gastas com capa preta de sujeita e suor, a garçonete ofereceu um cinzeiro, raspava a camada grossa de sujeira com a ponta da unha. Deposite seus restos aqui. Meus cigarros fedem, ora, que fedam. E a chuva? Sinto falta do temporal uma piscadela de olhos e a catástrofe, a água lavando tudo escorrendo pelas ruas entupindo tubos acho que é por isso que nem choro, essa sequidão do outono todo mundo tossindo, essa falta de. Não me sinto triste, a propósito, tenho lido mais, ido sozinho ao cinema e não é exatamente o vagueado dos passos do Sérgio esse lobohomobobo sapiens de quê? que me deixa nessa fraqueza de braços, essas costas curvas num engruvinhado de sensações ásperas e ebulitivas , tristeza não é; sinto-me vermelho vivo a vibrar, mas por dentro ainda estou oco, ovo choco. Não são os cigarros, Sérgio.Referia-se a sua boca. Sua boca fede, Sérgio, desculpe a franqueza, um dia virá e me dirá sorrindo. Um almoço amigo o turno a turma o terno e o terraço? Que vão todos juntos para o mesmo lugar! Fico sozinho, ruminando fumaça, fico cheio de mim inflando um sorriso supremo que depois se contrai.

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20 janeiro 2009

A casa sozinha

Em algum ponto obscuro aqueles olhos escondiam o intransponível e em suas pálpebras tremulava uma lagrimazinha, de pavor, recusada. Não desvencilhou o olhar enquanto o Pai dizia que não ia longe e em sua ausência fosse boa menina.

Os irmãos arregalaram imensos olhos mudos que tudo compreendiam. Então, com um beijo suave na testa da filha e o olhar triste de quem diz adeus, o homem se foi, levando apenas cigarro e uma caixinha de fósforos.

Ficou um tempo, anos, sentada, com o úmido da boca do pai na testa. Fechava os olhos e pela casa, nas paredes e nas roupas, sentia cheiro de alcóol e suor que sempre lhe lembrou o pai, tinha mãos pequenas e calejadas, tão escuras de sol.

Começou a ventar forte e atordoada correu a fechar janelas para que não levassem a casa. Tudo ficou escuro ao redor dos uivos do vento e da imensa noite que despertava furiosa, pronta para os devorar. Os meninos berravam com suas gargantas desnutridas.

A natureza os queria destroçados em ossos e açoitava seus corpos de criança. Os irmãozinhos gritavam todos ao mesmo tempo. Ela procurava, procurava tateando as gavetas: a gaveta de facas, mãos trêmulas, a gaveta de panos, tateando aos berros inacreditáveis de seus irmãos, desesperada com o pai que desaparecera na chuva brava, lembrou-se da mãe debaixo da terra, os cabelos tão compridos e vermelhos.

Então, um toco de vela tocou suas mãos, acendeu-o e começou a cantar um choro inumado, grunhindo seu cansaço, aninhou seus filhotes, cansou-se de cantar. Os irmãos adormecidos, desmaiados de tanto choro, pacificados com sua voz. A janela abriu-se sozinha, o vento apagou a chama que segurava em sua mãozinha. Era o sinal: o pai se fora.

Ela se levantou com a força de noventa anos-luz. O sono havia ido embora, para sempre. Enquanto seus irmãos dormiam e se apoiavam nela, aos noves anos, os novos olhos se abriram e surgiram dois leves contornos azulados que a cada dia escureciam duplamente maiores as pupilas estendidas que tudo viam além e para trás, novas cores, as pálpebras cresceram mais crespas e resistentes ao pó seco naquela terra que a todos cegaria, a ela não.

Seus cabelos eram nuvem, sua voz trovão, nada poderia cegar esses olhos-raios que não se fecham. Estava tudo bem guardado dentro dela a luz, o choro e a tempestade. Então foi capaz de amolecer aquele desejo atroz de desintegração da natureza, iria perpetuar-se na brisa verde e fresca dos que sobrevivem, lá fora, após a chuva, reinava a paz da Madrugada-que agora pertencia a ela, só a ela- em um céu tão limpo tão puro celestino e imenso céu de mim.