O trem e seus músculos trêmulos de aço sempre rumo ao futuro. O terno, o terço e o terraço onde fumo meus compridos cigarros muda o turno da turma e eu no terraço a fumar cigarros, refletir a vida.
Veio então Claudete, de loiras melenas tingidas, atingia o cerne das questões, decidida: Desculpe a franqueza, Sérgio, mas seus cigarros fedem. E você todo fede depois que fuma. Falo na boa, cara, porque é verdade, sabe, eu vou bem com a sua cara, aliás,.por que não vem almoçar com a gente? Não, olha, prefiro comer sozinho, completamente. Eu e o meu fedor. Mastigar quieto, sem ter que pensar em nada interessante para dizer a vocês. Ela voltou com um sorriso tão generoso para sua mesa e ficou a sorrir o resto da tarde tão satisfeita por ter dito toda a reverberante verdade entalada meses a fio em sua grossa garganta.
Costumava perder aquele tempo azul que, na verdade, não se perde, o tempo de contar estrelas que acabou. Costumava passar as horas observando e tirando conclusões exauridas.
São cédulas cancerígenas que conto agora o próprio refrigerante que bebo todos os dias me faz mal e a suprema falta de forças, para chorar sequer, se quer mesmo saber a vida vai muito bem, um dia o teto cairá sobre nossas cabeças no escritório e esmagados pelo tempo a gravidade das horas que passei sem fazer nada. A abóbada celeste despencará suas bolas incandescentes sobre a burrice humana, até lá, vou cobrindo talões de cheque e as guias que nada tem com orixás, são frias as guias nas fervilhantes filas das lotadas e histéricas: lotéricas.
Seria simples ser e pensar e agir como eles. Just me. Juste you. Parecia cena de filme em câmera lenta as bocas se moviam e pude delinear detalhes virulentos como os beiços do Carlos, muito finos e arrogantes, uma boca maldosa, E os passos passavam pausados longos e largos rumo ao futuro e eu ficando pra trás, observando tudo do terraço, a turma mudar o turno de terno e terça-feira frita e eu fumando no topo do teto no terraço no fim do mundo. Se um dia pulasse daqui, seria engraçado.
Batia os pés ao ritmo dos quadris da menina e de um lado e de outro as portas fechadas a fumaça o suor daquelas mesas velhas gastas com capa preta de sujeita e suor, a garçonete ofereceu um cinzeiro, raspava a camada grossa de sujeira com a ponta da unha. Deposite seus restos aqui. Meus cigarros fedem, ora, que fedam. E a chuva? Sinto falta do temporal uma piscadela de olhos e a catástrofe, a água lavando tudo escorrendo pelas ruas entupindo tubos acho que é por isso que nem choro, essa sequidão do outono todo mundo tossindo, essa falta de. Não me sinto triste, a propósito, tenho lido mais, ido sozinho ao cinema e não é exatamente o vagueado dos passos do Sérgio esse lobohomobobo sapiens de quê? que me deixa nessa fraqueza de braços, essas costas curvas num engruvinhado de sensações ásperas e ebulitivas , tristeza não é; sinto-me vermelho vivo a vibrar, mas por dentro ainda estou oco, ovo choco. Não são os cigarros, Sérgio.Referia-se a sua boca. Sua boca fede, Sérgio, desculpe a franqueza, um dia virá e me dirá sorrindo. Um almoço amigo o turno a turma o terno e o terraço? Que vão todos juntos para o mesmo lugar! Fico sozinho, ruminando fumaça, fico cheio de mim inflando um sorriso supremo que depois se contrai.
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25 janeiro 2009
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