16 junho 2010

Lúcia Póstuma

Nos primeiros anos colhia-se uvas que depois as mulheres esmagavam com as plantas
dos pés suspendidos pela mão os vestidos. o sol era o mais alto de todos.

Observava calmamente a paisagem de pássaros formando pacientes seus desenhos de céu em vôos sempre mais alto que podia a visão. os outros semeavam a terra, e lhe davam a água, mas o vento e o sol eram dela.

entre seus lábios e os sussuros das árvores havia um riso de dentes muito pequenos que de repente num tombo súbito pelo corredor de piso frio deixava às vezes com uma pocinha de sangue os dentes da frente brotariam mais tarde maiores e mais resistentes que os outros até os ossos quebrados podiam grudar.

esperava a morte de um pardal que agonizava de uma queda. com as palmas suadas os dedos cutucavam o bicho olhava assustado para seu próximo (e último) fôlego...
Depois de uns dias ele iria cheirar tão mal, tão pequeno que ela enterrou mas não
havia flores para
seu pequeno caixão de papel
de carta.

Oligarquicamente quem se servia primeiro eram os irmãos, maiores e úteis. jamais sobrava sobremesa para ela que aprendeu comer escondida os doces semi-prontos. sua delícia secreta era pelar a língua na panela de doce e banhar-se de rio.

quando entrou em um sonho lúcido e mais real que os outros, perguntou aos apóstolos, já tinha 16 anos completos, de onde vinha tanta lama, tanta sujeira?
De você.

então lembrou-se, por milágrimas, quando já corria nas veias miúdas dos braços brancos o veneno. lembrou-se dos pés enfiados na lama gelada entre os dedos fazendo cócegas e o cavalo que quando era pequena sempre corria mais que

o vento.

os olhos, porém, sempre sempre abertos, miravam espumosos o horizonte

de tempo até

rescussitar no hospital pálida de susto, violentada por lavagens estomacais e ingeções de adrenalina.

Um comentário:

  1. é possivel sentir.
    muito boa, "grande"
    limpida e clara

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