28 abril 2010

Última Chuva

Suas calças pesadas demais, mais encharcadas que todas as células juntas fazendo você. A marquise nos protege de quê?

Gotas tão frias. Não precisava dizer nada e ainda era tão bonita na luz de poste respingada no rosto a ponta dos cabelos pingando enquanto segurava o capacete. Mas os olhos sempre tão secos, Julia, mesmo no temporal, incapazes de brilhar ou seduzir, fazem com que os meus se percam em outras direções.

Ficaríamos nus. Despida de suas calças, seus óculos, seria frágil como as mentirinhas que contamos vantagem para suportar o peso de toda essa constituição insólita em torno da qual só poderíamos sucumbir, não conheceríamos mais nada, nosso círculo vicioso e hermético nos sugaria até esse ponto.

Branca e desproporcional na cintura. Eu gosto das tuas assimetrias nos quadris e nos seios pequenos. Íamos nus num mundo diferente, num mundo que chovia suavemente diluindo as aparências escorridas no rosto que já apresenta algumas rugas e evita, cauteloso, o espelho até quando vai se barbear.
Aliás, não se barbeia, os cabelos crescem a impaciência gradativa com que fumas um cigarro em cada trago a dor dos teus ombros de tanto amor por que carregas, Júlia, todo peso de sequer haver tirado sua pesada jaqueta, parecia até que teus ombros murchos se inclinariam até tocar a terra.

Apresentava-se assim encharcada e presa ao corpo. Preocupada com a banalidade dos seus sapatos úmidos, do estômgo vazio e da chuva como se estivesse satisfeita com a dor que te causo.

Esta nossa última chuva juntos, trêmulos e sozinhos diante um do outro, sentia no vento que não queria te ver nunca mais.

E o restante é apenas paz. As ruas agora são muito mais largas agora, sem você.

Deixemos tal confusão guardada no pano de prato. Eu te amaria a qualquer custo. Inquieto e suando frio éramos dois sorrisos. Apenas dois sorrisos no meio da multidão de sentimentos e ressentimentos quando mexia nas minhas coisas e pisava indiscreta no meu apartamente.

E agora está lá também no cheiro das toalhas, nas camisas de dormir.

É toda café e cigarros. Eu te fumo e te bebo quente.

Se, por acaso te olhava estarrecido é porque sei que esqueceria seu rosto.
Que um dia seria um vulto na minha cabeça e volto a te olhar para ter certeza de que ainda está aqui, por enquanto, parece precisar da mim, de ajuda, e sou incapaz de oferecê-la. Não te estendo a mão, deixo-te ir, afinal, nessa rajada cortante de vento que te levará longe, tão translúcida...

O que faltou, ausência venosa, aos poucos mofou as trufas sadias na geladeira. Não vou me enterrar contigo nessa jaqueta pesada que te recusas tirar, quero minha porção de céu bem nítida, quero de volta aquele sorriso de quem não se trai. Você quer calor de teto e não tenho mais o que te dar estou no descampado pronto para o salto que meus músculos irão dar. Deixar-te trêmula bem longe de mim, Júlia, apoiada apenas em teus ombros pequenos de mulher.

Nenhum comentário:

Postar um comentário