09 setembro 2009

Virgínia

Virgínia tem olhos pretos
de cair dentro bem
maiores que a barriga

comprida e branca caminha
entre labirintos telepáticos,
suprasensíveis,
carrega orgulhosos óculos de nascença
como se não se equilibrasse
bem nas pernas o que lhe confere
uma eterna
curva nos ombros
vai e volta sem saber
o que estava fazendo
ia embora
sem ter conhecido ninguém de novo
bêbada
de café
caminha entre
folhas secas
sem sapatos
porque lhe agrada o cheiro
do que secou
sob as plantas
dos seus pés

às vezes se apaixona
em segredo
pelo recepcionista
cheiram juntos
o pó
das bibliotecas
enquanto ela permance
absorta na
xícara
de chá

vazia
observa o borrão da chuva
na janela sopra
lá fora
a dor mais aguda
pra quem sabe o veludo dessas pétalas
que esmaga com dedos
em susto
percebe
um gato
não consegue ler

desde criança
andava
metida
com gatos
por isso seus gestos
jamais sorriam
ou algo que soasse
macio
suas palavras
arrancam tosses


demora demais
nos olhos
dos outros
e suas
estranhezas de hábito
como tragar solidões
solicitudes


expande
como o vidro
se inflava quente
e depois
recolhe-se brusca
crisálida

se acaso Virgínia ousasse olhar
seus verdadeiros olhos
quem suportaria
tamanha dor
disfarçada em cílios?

a vida frágil do corpo
sustentada em seus próprios
escombros num vendaval de domingo
ia
esvaindo-se
em afetos
que
apesar de tudo
nos momentos
-realmente-
tristes
nos intervalos lúgubres
dos metrôs eram válidos

Virgínia
mantinha seus
olhos
quietos e
fixos
em um olhar
de gato
banhando-se
em jornal e fumaça

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