11 fevereiro 2008

A mãe dela

Sentou no descampado para decidir, foi se lembrando, bem devagar.

Precisava do dinheiro, necessidade pegajosa que ia com ele no entanto tudo já havia sido dito desde a hora sem sono do café seu estomago revirava em ondas de calafrio.

Fazia calor. O senhor tem conta em Banco? Sentia-se num nevoeiro cinzento cheio de correntes antigas que não se rompiam. É registrado em carteira? Ao longe, havia a menina que amava a certeza de que o mundo não era um lugar bom de se viver sempre cheio de animais selvagens perguntando, mas sem vínculo empregatício? declara imposto de renda? Sorrindo e dizendo que os juros eram de quinze por cento ao mês -para os aposentados.

Obrigado. Talvez um avalista, ou se o senhor conhecer um aposentado... Então, antes de conseguir o dinheiro, iria tomar com gole de água plástica nos copinhos descartáveis que a moça do balcão que o olhava com desprezo serviu água quente e sebosa da torneira mesmo, entregou feito esmola. Ele bebeu e pediu mais.
Depois disso, grandiosa grandiosa.

Ainda precisava do dinheiro, sim, para o aborto. Para eliminar seu próprio filho e alimentar as flâmulas bruxuleantes de sonhos egoístas como a viagem a europa, como o corpo dela bonito.

Respirava o ar carregado da cidade -e o mundo não parecia um lugar bonito.

Trabalha com cheque? O último raio de sol batia bem no rosto dela enquanto chupava distraída a pazinha de sorvete pendurada na boca. Não fossem os olhos tristes, era tão linda. A humilhação de não conseguir sequer cometer um crime. Imaginou-a quem sabe atropelada, perdendo o filho. Ou suas mãos, durante a noite, na sua garganta mantinham a expectativa centrada: sorrir ou odiá-la?

Não conseguiu. No entanto, o dinheiro você é tão...incompetente. Eu, eu sinto...que a culpa é sua e se quer sorvete, vá comprar. Seria diferente se aprovassem seu crédito, ela estaria sorrindo, receberia qeum sabe até anestesia mas ele não tinha crédito nenhum com aquela gente e pretendiam mesmo dar um golpe ulterino nas financeiras carnicentas do centro da cidade.

Um dia, bem longe da loja de bebês tomariam sorvete juntos e voltariam de mãos dadas rumo ao fim da lembrança sequer do aglomerado nevrálgico de células proliferando-se às custas do tutano dos seus ossos. Iriam decididos à clínica, seria dolorosamente amoral. O último raio de sol apagou-se finalmente e seu rosto celebrava a morte da inocência. Odiavam-se. E o germe daquele ódio crescia a cada mes, a cada semana a cada segundo dentro dela.

Quando se levantou, estava decidida.

Naquela mesma tarde, fez amor com o ginecologista porco que descobriu através da amiga e de olhos fechados fez que teve um orgasmo então, respirando fundo, preparou seu corpo para o novo estupro de pinças metálicas e aspiradores de carne.

De noite com dores inacreditáves se atirava ao chão feito um bicho se contorcia seus uivos foram silenciados pelo triunfo da modéstia para que os pais não ouvissem. Um corpo pelo outro, e a dor de arrancar alguém de dentro. Estavam quites.

09 fevereiro 2008

Canceriano Selvagem

A chuva estava lá. Não podiam negar e era desculpa perfeita para seu confinamento obsequioso no quarto.

Interrompendo voluptuosamente os próprios raciocínios, um após o outro, os olhos de olho na janela chovendo enquanto os pés gelados o fazia espirrar...

Sentia-se rasurado como se o que vissem dele não viesse de lugar algum. Era uma pele descascada, repetindo-se fielmente, durante seus êxtases cotidianos:

A banal asa do inseto e seus prismas em mosaicos de cores translúcidas.

Os mosquitos picam violentos, aliás, em tempos de chuva, tudo era um horror de jornal dissolvido na poça da porta...

Porque a cada pontada do ponteiro era impossível não esfregar as unhas nas costas, cravá-las fundo na carne. Mas havia a preguiça até de coçar-se.

O telefone tocando além do sopro de blues do seu quarto era como se gritos antigos chamassem seu nome no tom horrendo de sua mãe. Interrompe-se.

São pequenos os insetos. E picam doído e, então, os esmaga com imenso prazer a prova do crime era uma mancha de sangue seco com patinhas mínimas desenhadas na parede.

Mesmo que os gritos não sejam reais, e que não tenha telefone, sua alegria já se foi e o rádio agora só faz barulho, um grunhido fora do ar.

Até que uma voz completamente nova, Janis, talvez a voz dela, ríspida e rouca, arremesse seus ouvidos numa chuva de violinos. E, quando ela gritasse sua dor, um arroubo que o levaria exatamente onde deseja, e aos outros também, criando um ponto comum no qual todos juntos nos recantos das verdades individuais se compreendam.

Nada há nada mais em comum que a dor.

E assim, aos poucos, o tempo vai passando pela janela do trem, em tecnicolor suas fotos ainda são de papel? Você, que pode mostrar ao mundo sua cara mais descaradamente sua. E original de série. E essa bobagem toda que agora decidiu, é bobagem. E até suas sutis indelicadezas, serão perdoadas.

Dance. Dance. Dance. Putz. Putz. Putz. Ou somos simplesmente diferentes?

As flores pendiam sobre o peso das gotas em suas peles. E o mundo borrado de branco e miopia como se do céu derramassem leite. No muro, gotas respingavam sobre o musgo verde encharcado e frio.

Seus dedos esfregavam distraídos o isqueiro, rolando a pedra, fazendo uma chama dançante de fogo. Buscou com calma o maço de cigarros que sempre estariam lá, nos dias em que ninguém mais estaria.

Fumou com prazer lentamente. E depois, o prazer passou.