09 fevereiro 2008

Canceriano Selvagem

A chuva estava lá. Não podiam negar e era desculpa perfeita para seu confinamento obsequioso no quarto.

Interrompendo voluptuosamente os próprios raciocínios, um após o outro, os olhos de olho na janela chovendo enquanto os pés gelados o fazia espirrar...

Sentia-se rasurado como se o que vissem dele não viesse de lugar algum. Era uma pele descascada, repetindo-se fielmente, durante seus êxtases cotidianos:

A banal asa do inseto e seus prismas em mosaicos de cores translúcidas.

Os mosquitos picam violentos, aliás, em tempos de chuva, tudo era um horror de jornal dissolvido na poça da porta...

Porque a cada pontada do ponteiro era impossível não esfregar as unhas nas costas, cravá-las fundo na carne. Mas havia a preguiça até de coçar-se.

O telefone tocando além do sopro de blues do seu quarto era como se gritos antigos chamassem seu nome no tom horrendo de sua mãe. Interrompe-se.

São pequenos os insetos. E picam doído e, então, os esmaga com imenso prazer a prova do crime era uma mancha de sangue seco com patinhas mínimas desenhadas na parede.

Mesmo que os gritos não sejam reais, e que não tenha telefone, sua alegria já se foi e o rádio agora só faz barulho, um grunhido fora do ar.

Até que uma voz completamente nova, Janis, talvez a voz dela, ríspida e rouca, arremesse seus ouvidos numa chuva de violinos. E, quando ela gritasse sua dor, um arroubo que o levaria exatamente onde deseja, e aos outros também, criando um ponto comum no qual todos juntos nos recantos das verdades individuais se compreendam.

Nada há nada mais em comum que a dor.

E assim, aos poucos, o tempo vai passando pela janela do trem, em tecnicolor suas fotos ainda são de papel? Você, que pode mostrar ao mundo sua cara mais descaradamente sua. E original de série. E essa bobagem toda que agora decidiu, é bobagem. E até suas sutis indelicadezas, serão perdoadas.

Dance. Dance. Dance. Putz. Putz. Putz. Ou somos simplesmente diferentes?

As flores pendiam sobre o peso das gotas em suas peles. E o mundo borrado de branco e miopia como se do céu derramassem leite. No muro, gotas respingavam sobre o musgo verde encharcado e frio.

Seus dedos esfregavam distraídos o isqueiro, rolando a pedra, fazendo uma chama dançante de fogo. Buscou com calma o maço de cigarros que sempre estariam lá, nos dias em que ninguém mais estaria.

Fumou com prazer lentamente. E depois, o prazer passou.

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