11 outubro 2017

seu pai engana e trai
sua mãe remói
e rói rancor
e unhas nervosa

você, quem é?
alguém que evita olhar muito por cima dos ombros dos outros
alguém que não deseja em nenhuma hipótese
morrer olhando para baixo
apedrejado em sua própria injustiça

olha para dentro,
não há contento.
olha para fora, a vida piora

quem é o dono do seu olhar?
as árvores o ignoram
os pássaros se apavoram e voam
as mulheres você quase nunca olha
para cima, para elas
e se olha e demora
pequenos abalos sísmicos e
fagulhas energéticas se soltam
e jamais voltam
ela vai levando esses olhos seus até o fim da rua
você a despe e nua
ela poderia ser sua,
mas é preciso voltar os olhos
ao relógio
antes que você se atrase de novo

e tenha de enfrentar
os olhos maldosos
dos colegas do chefe
olhos que riem
hipócritas


você ainda não desconfia
mas ter um carro, uma casa, uma família
faz dessas pessoas
as piores
sanguinárias, as mais
malditas

cospem na sua cara café e dicas
para enriquecer em um ano,
emagrecer em alguns dias

você só quer que elas morram
mas que antes sofram
todas as dores daqueles que por elas foram julgados
morram sofrendo e machucados
morram sangrando solidão, exilados
no próprio ódio que destilam

mas, não, oh, não!
que seus olhos alcem a luz.

não a luz dos monitores
dos smartphones
a luz que dos olhos some
quando você é um zumbi
como qualquer outro, escroto.

só que você é um poucos mais desajeitado.
não encaixou no mundo de primeira
tem dó de bicho, de bicha, de vaca leiteira
não come ovo, não consome farinha branca
come muita fruta
bebe muita pinga com fanta

solta o ar
no fim do dia
e ao som dos secos e molhados, no carro,
você sabe
que perdeu a vida

Calma, jovem,
sua vida
vai piorar.












30 junho 2017

Sobre fugir

Parte III


São quase duas horas da manhã, por alguma razão, não consigo dormir.

Ouço uma batida na porta. Ele entra, agitado, forçando um sorriso. Ofereço água. Permanecemos imersos em um silêncio aflito. Algo se comprime em meu peito, não sei porquê, talvez seja o horário. O olhar dele desvairado, despejando tudo em mim. 

- Vou para Londres. Viajo semana que vem. 
- Como assim? 
- Londres. Já pensou que legal? Estou com um puta frio na barriga. Vim... me despedir de você. Trouxe seu vinho favorito. Tava caro para cacete na conveniência. Mas você merece.
O buraco negro no estômago, o mesmo do dia do vestibular, quando conheci André, estava ali novamente.
- Como assim você vai se mudar para Londres?
- Ah...

Não sabia ao certo por onde começar.

- E quanto tempo você pretende...
- Não sei. 
- Por que você me falou só agora, André? Tão pouco tempo para organizar uma festa de despedida e...

Ele deu de ombros:

- Sei lá. Você tem um cigarro? Olha, desculpa acordar você essa hora é que...
- Tudo bem. Eu estava acordada.

Fumamos e bebemos água em silêncio.

Então, André vai embora. O pássaro mais bonito da gaiola vai voar. Eu que sou tão a favor de pássaros e de janelas. Logo não saberei mais onde ele está, nem dentro nem fora de mim. Talvez um dia esteja na Nova Zelândia, cultivando uma linda família, pensei com rancor. Por quê? 

Gostaria de fazer algo, além de tomar água, muito concentrada no fundo do copo. Éramos apenas amigos e, apesar de o amar profunda e intensamente, eu não era sequer uma razão para ele ficar.

- Acho que agora entendo, disparei.
- Entende o quê?
- Aquele dia, na cachoeira, quando acampamos.
- Nossa, calma. Posso colocar uma música?

Levantou-se num pulo do tapete. Falávamos muito sobre literatura, artes plásticas, música e política, e sobre nossos livros preferidos, nossos medos de infância, jogos, notícias. Mas nunca sobre nós dois, sobre o que aconteceu aquele dia. Começou a tocar "Living on the Edge".

Achei que ele deixaria o assunto passar, mas chegou bem perto de mim, olhou no fundo dos meus olhos e perguntou:
- O que você entende agora?
- Ah, aquela noite, você estava tocando violão hipnotizado com a fogueira. Eu chamei você, com os olhos, quase implorei para ir comigo. Você não olhou, não sei. Então, Pedro me seguiu, e nós, nós transamos, namoramos, ficamos praticamente casados.
- Ah, ele gostou realmente de você, desde a primeira vez que te viu. 
- Você sabia, então.
- Evidente que sim.

Estava exasperada.

- Gostaria muito que você tivesse ido comigo, de que tivesse sido você. 

Ele desviou os olhos. Desviou o rosto. Parecia tão distante como se estivesse em outra dimensão. Como se, de repente, não falássemos a mesma língua. Ouvia a música e cantarolava. Não conseguia nem se sentar. Compreendi, enfim, que o assunto estava encerrado. Para sempre.

- O que você vai fazer lá, afinal?
-  Ah, consegui uma bolsa de estudos. E vou morar com... uma garota. Nós meio que estamos apaixonados. 
Não pude dizer mais nada. A água parecia ter cristais de aço arranhando a garganta. Tudo era tão implacável e cristalino. Dei o último gole, então, acabou-se. Não havia mais nem uma gota de água sequer no copo.

- Tem falado com o Pedro?
- Ah, sim. Ele vai voltar a morar aqui, sabia?
- Olha só, ele vem, você vai.


André sorriu mostrando muito os dentes.

Não entendi porque ele invadiu minha casa, às duas da manhã, para me bater e esmagar com seu adeus. Como foi que as coisas deram tão errado assim? Ah, sim, porque eu sou a sua maldita melhor amiga. E ele quer se despedir.

Queria berrar: você sabe que eu te amo, né, seu filho da puta? Mas isso poderia não ser verdade. 

André sempre me foi um apego gritante. Mas algo tinha de acontecer, afinal. E era sempre eu que ficava, enquanto as outras pessoas iam. Eu deveria me chamar Pedra, imóvel na praia, sem saber dos amores que a vida me trouxe e eu não pude viver. Rá.

Gostaria muito de saber se Pedro sabia. Se sabia sobre mim e André, aquele dia, no apartamento. Nossa única vez. 

- Então, você veio para cá, duas da manhã, para uma despedida?
- Isso. E também porque não conseguia dormir, nem fodendo.

A palavra fodendo ficou ecoando em minha cabeça, e tinha o mesmo sabor de sexo do André. Quantas e quantas vezes não degustei André em minha imaginação? 

- Talvez fodendo, você durma, ri sarcástica.

Ele sorriu de volta e vi seu olhar faiscar. Ele também se lembrava, afinal. E me levantei bruscamente. Meus cigarros haviam acabado. Podia ficar sem chá, sem comida, até sem café. Mas...

- Meu cigarros acabaram. Vou ter de enfrentar esse frio tenebroso. Bom, você já enfrentou para vir até aqui. Bora? 

Semana que vem ele estará em Londres, pensei, morando com outra mulher. Enfim, estará casado. Eles "meio que estão apaixonados", desdenhei. Então, imaginei uma inglesa inteligente, bem humorada e linda. Ela se tornará uma grávida saudável, sempre sorrindo de forma honesta e gentil, genuinamente feliz e adorável com sua linda família.

- Você vem ou não vem comigo? Perguntei.
- Claro.

As rajadas de vento eram suaves e frias. Minhas bochechas queimavam porque ainda estava naquela de fodermos como uma bela despedida. Sabia que isso me deixaria muito deprimida. E sabia que André sabia. Eu, por minha vez, não conseguiria convencê-lo a fazer nada que pudesse me magoar. Ele cantarolou "Janie´s got a Gun". Por que aquela noite absurda tinha que soar como música?


Indecifrável André. Não o entendia de forma alguma. Um estranho. O estranho que me ajudou quando eu estava perdida, há uma década, prestando vestibular para entrar na faculdade.

- Então, você vai se casar em Londres e eu provavelmente não serei nem convidada.
- Certamente quando eu me casar, você será convidada. Isso se eu não me casar com você. Ele me envolveu num abraço, sorrindo largo e debochado.


Maldito. Eu ri. Alto demais.

Ele poderia ter invadido minha casa hoje, de madrugada, para me pedir em casamento e eu aceitaria. Poderia ter me convidado para ir a Londres morar com ele e nós teríamos um monte de cachorros, jardins e seríamos um fucking happy couple, e...

- São nove e setenta. 
- Ah, droga, vamos pegar umas cervejas? Não eram nem três da manhã. A moça no caixa pousou seu olhar no meu com ares de indiferença e reprovação. 

Eu ria de tudo que ele falava. André era muito engraçado. Mas eu sei que a noite só tinha tanta graça porque ele ainda estava comigo, eu ainda estava feliz e ainda tinha mais algumas horas até que ele se fosse para sempre, desaparecendo nas nuvens, dentro de um avião.

- Nossa, você está realmente pensando em dar uma festa. Não tem muita cerveja aí, não? perguntou André.
- Estou com sede, respondi secamente.

Voltei carregando as sacolas, meu fardo, pensei. Então, André as arrebatou de mim. Pareciam muito leves em suas mãos, o tilintar de cascos. Retirei uma da sacola e sorvi realmente com muita sede, queria me diluir naqueles goles o máximo que pudesse. Acendi um cigarro e o enfiei na boca deliciosa de André.

Sorriu com o cigarro penso na boca.

Aqueles lábios mestres em chupar tudo de forma graciosa, precisa e eficaz. Lembrei-me de Pedro enfiando seu cigarro em minha boca trêmula, na pedra gelada, após o banho de cachoeira...
Lembrar, lembrar era uma grande merda. 

No apartamento, Elvis espalhava sua voz e seu swing para as paredes. God bless as playlists da internet e seus ímpetos randômicos. Eu queria ouvir Simon e Garfunkel. Queria muito, mesmo, e pedi em voz alta porque o André sabia tocar.

Se não tivesse pedido, ele teria continuado a dançar comigo, lentamente, rodando no tapete que adorávamos, com o rosto bem colado ao meu, seu calor irradiando. 
Mas tudo era uma grande ilusão. André, você é meu melhor amigo. Eu te amo. Tinha certeza, agora. E o deixo ir porque o amo. 

Não tocou no violão, embora eu insistisse. O que ele realmente estava planejando - e isso ficou bem claro quando colocou a música - era botar pra foder comigo e aumentou o volume de London Calling no último, implorei com os olhos, quase gritei, mas... mas na verdade, eu não disse nada. Fiquei ouvindo e me lembrando das festinhas da faculdade. Tudo era um grande looping. Estava entediada e triste, afinal. 

Continuei bebendo minha cerveja tentando não me importar com o eufórico e semi bêbado André cambaleando na sala. 

Desde que eu e Pedro terminamos, ele aparecia em casa de vez em quando. E sentava no tapete, ouvia música ou tocava violão. Falávamos de música, víamos filmes e séries, pedíamos comida  por telefone e sempre tinha aquele momento estranho de tensão, em que eu queria engolir seu sexo, comprimir seus lábios nos meus, entregar tudo que sempre quis dar a ele.
E era nesse momento que ele se levantava rápido como se tivesse levado um murro. E ia embora. Sumia por dias e quando a ferida estava quase seca, cicatrizando, ele aparecia de novo, sem avisar, claro. Vinha como um anjo maligno sedutor sorrindo e me trazendo vinho, bombom, cerveja, chá de Amsterdam.
  
Estávamos na metade do caminho. Quanto mais a hora dele partir se aproximava, mais depressa engolia a angústia em seco, tentando lubrificar minha loucura com excesso de cerveja.

- Preciso dizer uma coisa, caso você não tenha percebido, ele falava com ar de deboche e ironia.
- O quê?
- Pretendo passar a noite aqui com você e o dia todo amanhã. Então, pode beber mais devagar ou até vomitar no tapete. Espero não estregar seus planos e tal, mas você será obrigada a ficar por aqui comigo. 


Eu era um monte de cinzas, cinzas coloridas. Estava mais aliviada, bebia mais devagar. Cada gesto meu parecia insuficiente e bobo. Falamos de tantas coisas, realmente lindas, leves, engraçadas, mas o silêncio parecia muito maior. Mais denso que o ar e por mais que eu tentasse vocalizar algo o som sempre morria alguns metros a frente.

Não sei como aconteceu. Mas nos beijamos.

Na verdade, eu sei. Sei ao meu modo, mas não imagino o que aconteceu com ele. Pena? Tesão? Colocou seu desejo egoísta de trepar acima da minha saúde mental? Mas será que ele realmente sabia que ia foder completamente com meu juízo? Talvez não.

Eu só sei que me sentia lânguida, sensual. Nosso olhar ficou demorado, o álcool nos fazia rir demais, a harmonia e sincronia de repente se transformaram em um beijo sufocado, na boca, que ele deu em mim.
Em segundos eu estava sem calcinha, subindo e descendo lentamente em ondas de calor, ele dentro de mim, bem fundo, seu cheiro agridoce, morno, os dedos dele apertando com força minha coxa, o abdômen contraído. Sussurrei "te amo" em seu ouvido, enquanto gozava, minhas lágrimas e minhas pernas escorriam. Trepamos a noite toda e depois o dia todo, e no dia seguinte, com intervalos apenas para fumar, comer, beber água. 

Eram dez horas. Estávamos na sala, seminus. Ele beijou minhas costas, minha nuca, levantando meu cabelo segurando forte, meu corpo arrepiado completamente. E me prensado contra o sofá foi me abrindo. E lá estávamos grudados na sala, suados na cama, molhados no chuveiro. Devoramos um balde de yakissoba e vimos Star Wars até eu dormir no sofá, no peito dele. E o dia que passaríamos juntos se tornou um fim de semana inteiro.

André teve a decência de ir embora apenas  quando achou que eu estivesse dormindo, no domingo. Ele me beijou de leve, na testa. Levantei-me com uma facada no peito. E o vi saindo, diluindo-se na penumbra da rua. 

Minhas pernas perderam a força. Ele venceu porque eu o amaria para sempre e estaria para sempre com seu cheiro e suas músicas na cabeça. Não importaria quantas existências se passassem. 

Ele se foi. Não deixou nenhum resquício de que esteve aqui. Olhei para a garrafa vazia do vinho que ele trouxe, caída no lixo. Olhei para o relógio.

Eram quase cinco horas da manhã e eu não conseguiria mais dormir.

19 janeiro 2017

Sobre fugir


Parte II


A primeira vez que o vi, era um dia de chuva, tenho certeza. Uma garoa caiu boa parte do tempo. Sabia, por exemplo, que mesmo após muitos anos ainda seríamos capazes de vibrar com as mesmas músicas, as que ouvíamos, na sala, sentados no tapete, trocando ideias malucas. 

Conheci-o no ônibus, ele sentou ao meu lado, mergulhou os olhos no celular. E num ímpeto de ousadia meio desesperada perguntei se ele poderia me ajudar a encontrar o endereço. Não conhecia nada da cidade ainda. Vim de mochila de um interior áspero e selvagem em que as pessoas perdem rápido a virgindade de todas as coisas que podem dar merda na vida. E lá estava eu: tentando sobreviver  à metrópole.

Ficamos uma fração de segundo conectados nos olhando. Quis chegar perto de sua boca e desejei que sua língua fosse lentamente me fazendo rir dos lugares incríveis que ele conhecia e dos que nem podia mencionar ainda, afinal, não nos conhecíamos. Mas t
ive coragem de falar com ele, perguntar-lhe como chegar ao endereço.

Fui àquela cidade fazer a prova. Estava bem em cima da hora e perder a prova seria perder muito. "Veja, daqui de onde você vai descer, dá para ir a pé". Quis implorar que ele fosse comigo. Talvez tenha implorado com os olhos. Mas se limitou a me instruir e seguir seu caminho, colocou os fones de ouvido, acendeu um cigarro. 

Eu estava focada em meu desespero. Se falhasse, a família falaria por meses a fio, em todas as festinhas e frestinhas possíveis. Uma imagem de horror era a decepção estampada nos rostos estupefatos dos meus progenitores: "não passou, de novo". Então, aquela prova era como um buraco negro em meu estômago.

Assim que me indicou o caminho, agradeci com pressa. A pressa típica da humanidade. Notei que ele se voltou para me ver uma última vez. Parou. Parei também. Por um mínimo momento, continuamos nos olhando. E isso foi tudo.


No caminho até o local da prova, era como se eu ouvisse sua voz e as coisas que diria, mas minha atenção estava mais focada em como seria o toque da sua pele. Nossos braços, lado a lado, a se roçarem: braço com braço, já era quase um abraço, em pedaços mínimos de carne, cheio de tremores internos. 

Não cheguei a me inteirar dos sabores que a boca dele poderia conter, pois estava angustiada com a prova. Nunca cheguei a bebê-lo líquido, pois havia sempre uns pedaços indissolúveis em seu ser. Só sei que o quis logo de cara, sem pudor e sem vergonha, como um jeans rasgado e do avesso.

E não mais o vi. Após alguns anos, sua lembrança tornou-se uma espécie de fantasma. Amor imaginário de rodoviária. 


Até que, certa vez, fui ao apartamento de um casal de amigos dos meus amigos e aquilo seria mais um rolê semidivertido, semialcólico e sutilmente desanimado, se, por alguma dessas coincidências malucas e demoníacas, ele não estivesse lá.

Quando cheguei o reconheci imediatamente. Ocupava seu lugar preferido em qualquer casa: o chão e o tapete. Era, de fato, o moço da estação Barra Funda, que me salvou no dia do vestibular. Que coincidência! Qual seu nome mesmo? Não ficou claro, para mim, se ele realmente me reconhecia. Quem diria...André.

Aquela noite. Até hoje palatável em minha memória. Gosto de lembrar, saboreando aos poucos, que adormecemos com as caras coladas. Dormimos praticamente em cima um do outro, amontoados e bêbados. 

Lembro-me de forma fragmentada. Ele fazendo cafuné em mim. A sensação dos seus dedos arrepiando todo meu corpo num rastro eletromagnético, quando passeavam distraídos em meu couro cabeludo. Nada me faria desistir daquela sensação e dormir, mas o tesão virou delírio e o delírio, um sono agitado de sonhos obscuros. Caí em teias astrais e adormeci com seu carinho.

Acordei com o sol já alto, da sacada direto no olho, em um apartamento estranho. Todos haviam saído. Havia um bilhete, pão e café sobre a mesa. No bolso, meus últimos trocados, que usei para voltar para casa. Pensei se não o veria novamente...vou parecer maluca se pedir o telefone dele? Oi, tudo bem? Então, nos conhecemos ontem e eu queria saber se você topa um cinema, depois um relacionamento, um noivado... Ri alto dentro da minha cabeça.

Mas naturalmente, tornamos-nos colegas, depois amigos. Por isso, fui convidada para acampar com ele. Estrelas. Lá no alto, muitas. André estava lá. Acendeu nossa fogueira, preparou o jantar, tocou tambor e seu violão.
Dedilhava seu violão com dedos tão ágeis, sensíveis, sua voz rouca entoando melodias lindas que ele mesmo inventava. E cantei e dancei. 
Então, reparei em um rapaz de cabelos muito pretos, tocando flauta. E foi assim que conheci Pedro. Ele sorria, bebericando licor de jabuticaba.

Dormimos em volta de uma fogueira morna, tocos enormes em brasa aquecendo deliciosamente nossas barracas. Inalamos o cheiro do mato úmido de quando fica de noite. E um bom punhado da fumaça da fogueira. Nosso pequeno rebanho de aventureiros. Pedro, André, o nosso casal de amigos em comum, e eu. 

Ah, 
Pedro era o melhor amigo de André, evidentemente. Estava na Bíblia. 

E quando o vi, senti-o em mim, como uma queda. Cilada. Labirinto, vertigem e asas. Senti que plumas saíam de seus lábios. E desejei Pedro em dobro, dobrando a língua. Porque sempre me apaixono errado.

No roteiro original da minha vida, eu teria filhos com André e seríamos um respeitável casal pequeno-burguês com pitadas de pilates, sexo grupal e empregos tediosos e respeitáveis. Mas acho que borrei a história. Fiquei confusa. Bilapidada.

Seria apenas uma pulsão no púbis ou um sentir verdadeiro?

Na noite seguinte, ficamos nus. Pedro e eu. Nus embaixo da cachoeira. Ele, cláusula pétrea. Eu, cápsula crua. E nadamos como bons amigos, sem sequer nos tocarmos. Sem ejaculações, elucubrações ou beijo. Nada além de uma boa dose de nadar nua em água escura e fria. O negrume gélido nas têmporas, para amenizar qualquer bebedeira.


Pedro me seguiu. Observou-me sem ser visto enquanto mergulhava com pólvora e pavores, naquela imensidão negra e gelada, pensava em como passei meses, talvez anos, desejando André. E nada. Até ontem seria com ele que me imaginaria nua e trêmula em uma cachoeira, durante a madrugada. E fui roçando-me a essa ideia como um gato roça as pernas de seu dono, derretida em todas as partes entre minhas coxas. 

Então, Pedro pulou logo atrás de mim, bagunçando tudo, agitando a água e segurou meu braço. Puxou-me para dizer alguma coisa. E me vi inalando vorazmente o cheiro que vinha de dentro de sua boca, o calor do seu hálito, enquanto falava bem próximo e baixinho. 

Foi, então, que ele notou. Percebeu que quando se inclinava para falar comigo, algo acontecia, eu arrepiava. Talvez tenha sido um pequeno deslize, um movimento em falso dos meus lábios, um bater de pernas desesperado. O fato é que nossos olhos vibravam diferente. 


Saímos da água e não havia nada para nos aquecer além da canga que eu usara como vestido e, ao lado, a bermuda dele. Molhados e nus nos grudamos, lado a lado, e nos enrolamos em minha canga. Ele não colocou a bermuda. 

Esticou-se passando o braço por cima de mim. Ao meu lado, na pedra, pegou seu cigarro. Acendeu, fumou bem devagar. Ofereceu, quase enfiando-o em minha boca. Fumei, tossi e tremi. Falava e ria engasgado. Queria muito disfarçar meus tremores, mas ao tentar fazê-lo, tremia ainda mais. Pedro, por sua vez, abraçou-me e estava muito quente, tranquilo e infalível, como Bruce Lee. Só os olhos, vibravam estranho, denunciando-o. 

O cigarro acabou. Ele vestiu a bermuda de costas para mim. Olhei sem desviar os olhos porque quis ver o contorno do seu corpo na penumbra do luar. Enrolou-me protetor em minha canga e voltamos assim. Em silêncio, pela trilha. Não nos despedimos. E em silêncio ainda, cada um entrou em sua barraca. 

Na manhã seguinte, acordei muito sóbria e lá estava eu sobre uma pedra enorme, gelada e escorregadia. 
Tirei minha roupa, pulei na imensidão gélida e azul da água. Com medo, confiança e taquicardia. Pedro pulou em seguida. Nadar nus tornou-se nossa rotina, em plena luz do dia, cada centímetro cúbico daquele paraíso aquático era nosso.

Foi assim, aos poucos, que Pedro me invadiu. Durante a noite e durante o dia. Penetrou profundamente meus pensamentos. Pedro e seus seis mil e seiscentos braços hindus abertos para as maiores loucuras de minha vida. Ele era simples e selvagem. André, por sua vez, civilizado em demasia. 

Depois daquela viagem, éramos um casal, um oceano de possibilidades, incluindo overdoses de sexo, porres de porra e absinto. Éramos um misto de sinto muito e sinta-se à vontade. Bebemos juntos tantos litros que poderíamos encher nossa própria piscina olímpica. Éramos o exagero em pessoas. Eu pisava leve, ele tocava flauta, eu flutuava. E fazia panquecas de frutas, durante o dia. O que me enlouquecia, definitivamente, era seu cheiro. E também o fato de que Pedro fazia o café mais forte e firmeza, com chocolate amargo derretendo dentro, do universo.

E a gente trepava muito, de tantas formas e cores escorregadias. Com todos os caprichos mínimos atendidos. 

Pedro era my fucking best friend, ria das minhas bochechas vermelhas e do meu cabelo desgrenhado depois de maratonas de séries e sexo, no quarto. Devorávamos pizza direto da caixa. Tomávamos banho juntos. Passávamos os dias isolados em uma caixa particular mais longe que minha própria imaginação. Nós não fazíamos sentido.


André nos visitava, às vezes. Ficávamos horas conversando e ouvindo música sentados no tapete, enquanto Pedro cozinhava. Fazia a própria massa do espaguete, receita da avó, e saía para comprar vinho. 
Geralmente, depois do jantar, Pedro bocejava esticando efusivamente os braços, então, André ia embora rindo meio bobo e meio ébrio. E tínhamos vontade de conversar mais, a noite toda, a vida inteira. Mas era tarde, era sempre tarde.

A vida fluía. Derreti meu pudor com açúcar e fiz meus órgãos caramelizados para serem degustados com cerveja escura e encorpada, em copo plástico. Eu inflava lentamente, a felicidade enchendo meu corpo de luz.


Então, ela. Apareceu. A amiga.


Quando tudo ficou realmente um pouco chato e repetitivo. Principalmente, quando esgotamos todas nossas doses de dopamina, senti como se minhas panquecas de frutas, a barba de Pedro, e até as músicas de André no tapete, não fizessem mais o menor sentido. E tudo ficou simplesmente chato e estranho, como as muitas noites sem dormir que passamos. 

Não havia mais jantares. André não ria mais meio bobo meio ébrio, ele mal aparecia. E quando vinha, parecia sempre atento e vigilante, passava a noite toda acordado conversando com Pedro, bolando planos para dominarem o mundo e fumando-os todos. Os cinzeiros transbordavam.

E havia, sobretudo, a amiga de André que chegou da Nova Zelândia. Tão linda, bronzeada e bem sucedida até os ossos. Estava sempre no nosso apartamento, vinha de brinde, com André. Vestidos esvoaçantes e um ar sempre malicioso, coroado num sorriso lindo com covinhas. Eu a odiei imediatamente. E não tinha como não amá-la na mesma intensidade.

Ia embora sempre bem depois de mim. Quando eu adormecia cedo, na cama vazia e ela, André e Pedro, riam até às quatro horas da madrugada. Um dia os três adormeceram no sofá. Ela e André com os rostos colados. Fiquei imaginando se ela teria recebido cafuné.

Notei que ela ficava ainda mais bonita dormindo. Acordados, Pedro, André e ela, faziam projetos artísticos para ganharem muito dinheiro juntos. Eu não me sentia convidada, nem incluída.

Estava totalmente deprimida e não podia provar o porquê. Ninguém leva intuição a sério. Exceto eu. Levo intuição tão a sério que devo criar cenários e dar brechas para que as merdas em minha vida aconteçam.


Fiz o que qualquer cão covarde faria. Fugi de minha própria fuga e continuei ali, dependente daquele vício. Pedro tornou-se uma muralha intransponível e as tretas eram tantas que preferia passar minhas horas sozinha, na pracinha do bairro, no carro, no quarto, na cama vazia.

E vi muitos pássaros ali sozinha, mais do que seria capaz de dizer e suportar.

Sentia-me isolada do resto do mundo de tantos voos suaves vistos, de tanto céu. Vi mais belezas que pude dizer. E não teria mesmo a quem contar. Eu era um arquivo indisponível para compartilhamento.

E como um looping de desgraças, foi de repente, quando eu não queria mais nada nem ninguém, que ele me veio tempestade, no diazinho frio e nublado de minha vida, o ciúme.

Perdi o trem e minha voz ficou fraca, minha cabeça pendida. Tive ódio e raiva de Pedro, principalmente porque os ouvi em nosso quarto. Nossos farelos de pizza ainda em baixo da cama, testemunhas oculares do inevitável. 

Não ousei abrir a porta. Quando Pedro saiu, descabelado e feliz, mudou a expressão para um total espanto quando viu meu corpo sacudido em soluços pateticamente mudos, na sala. Eu era um vazio embalado a vácuo. Ele me abraçou, pediu desculpas, ajoelhou. Ela saiu de fininho, imagino que sorria irônica para aquela situação ridícula, tão vulgar para sua elegância nata. Fiz que não a vi. Mas por dentro eu fuzilei todo mundo.

Nossa cama não estava mais tão vazia, afinal.  Em alguns dias, lá estava eu, ainda namorando um Pedro arrependido. No apartamento do nosso casal de amigos. Já era tarde e só não mencionei ir embora porque havia ainda muita bebida. E, sinceramente, já estava muito chapada para dizer ou fazer qualquer coisa. Eu era um foda-se ambulante e arfava. Falava alto, ria, praticamente relinchando, quando André apareceu com sorrisos, mais cervejas, uma euforia atípica. E, desta vez, ele veio sem a amiga. 

Estava sozinho, transtornado e radiante. Algo parecido com aquele André ouvindo música no último volume no carro.
A sala começou a dar leves voltas em si mesma, senti que poderia vomitar se continuasse ali. Então, levantei-me levemente zonza e cambaleante, porém, alegre - e fui ao banheiro. Ocupado.

Esperei décadas, bati. Então, ele saiu. O corredor ficou estreito e o role ficou pequeno. André me olhou. Não disse nada. Segurou minha cabeça com determinação, como deveria ter feito desde sempre, há muitos anos. Enrroscou meus cabelos entre seus dedos com calma e precisão psicopatas e sua boca foi engolindo gentilmente a minha língua. Correspondi com mais força e desejo do que esperava. Fomos à lua. 

Ergueu meu vestido, baixou minha calcinha e me tomou ali. E
 foi assim. Depois de tanto tempo, tantas idas e vidas, que provei pela primeira vez André. Escorremos do corredor ao quarto mais próximo. O sabor de André era como um copo de gelo, rodelas de limão e água fresca explodindo dentro da boca. Seu jeito de me empurrar com a pélvis contra a parede era delicioso. Seu suor tinha cheiro de mar misturado com a brisa cítrica do seu perfume. O fundo da boca, cavernas escuras, sensuais e terríveis. E ele me quis mais que eu a mim mesma. Ele me quis como se fosse ontem, e transbordamos.

Ali, no quarto do fim do corredor, em segundos, tornamo-nos doces animais. Ainda em chamas, gozados, nos olhamos e engolimos seco sem saber o que fazer com aquilo que fizemos. Pedro ria de qualquer coisa no sofá, distraído.

Ele era o melhor amigo do André. E eu só queria mais. Mais. Para o resto da vida. 


Sobre fugir

parte I

Dois dias. Dois dias e tudo seria tão diferente. Difuso, confuso e mais gostoso.

A primeira coisa de que me lembrei quando entrei no carro foi minha mãe, não sei porquê, mas vi seu sorriso através das gotas d´água em meu cabelo suado. A vida suada que ela leva, sempre de tarefa em tarefa. E fui feliz por ela. Agora seria feliz por mim.

O carro acelerou e olhei para ele. O sol fez douradas algumas mexas em seus cabelos, embora eu soubesse quão negros eles podiam ser, no chão de grama. Aquele estranho. Sentia-me como se estivesse saindo de férias e indo ali, passear - o que me deixou realmente feliz, evaporava como a fumaça do nosso papo, dentro do carro, íamos buscar alguns víveres para o acampamento, na cidadezinha mais próxima. Os outros nos esperavam.

Enquanto o carro ia a não sei quantos por hora, o som estridente dos Stones, Sympathy for the Devil, enchia meu cérebro e ele falava atrás daquela cortina de fumaça e eu ouvia, ria, fumafalava também.

Entendi, mais tarde, que não haveria outro lugar no mundo em que eu quisesse estar.

Podia sentir a vibração empolgante de André através do jeito sagaz e espirituoso de sorrir de quem está realmente feliz. Um pinto no lixo, como dizia minha mãe. Um pinto no lixo também estava eu, entre os estranhos, esquisitos, os que têm sede de birita e liberdade, posto que herdarão os reinos do Crepúsculo.

Estava atrás dessa profecia. De sentir com as mãos suadas, de doer o pâncreas, de me riscar e arriscar, de botar meu corpo como última aposta na roleta-russa da vida.

Chegamos já era quase noite. Ele me ajudou com a barraca e procuramos juntos galhos e toras de madeira para nossa fogueira.

Mais tarde, anos e anos depois, eu perceberia que desde o início ele já me ensinava, em cada gesto, em cada olhar, uma lição e eu também o ensinava com meu ímpeto de mergulhar de olhos tão fechados na correnteza incerta da chuva.

Ele nunca se chegou a mim. Era sempre eu, com uma sede raivosa, doce no final, que o procurava para conversar. Algo que de fato eu não compreendia. Nem fazia questão. Eram apenas os dias, a janela do carro, a música radioativa e estridente. Eu era a Deusa e Súdita da Deusa, eu era uma pequena capela onde se podia ficar em silêncio e dobrar os joelhos e ele era o meu milagre. O sacro-profano socando o mundo na cara, cuspíamos as sementes de tangerina na terra. Algo sempre brotava.

Dava para ouvir a cachoeira da trilha. Dava para ouvir meus batimentos cardíacos escorrendo com a água.

Finalmente, acendemos a fogueira. Na verdade, eu e André caminhamos silenciosos procurando por lenha. Depois, André a acendeu. Eu apenas me aqueci ao redor daquele fogo morno e confortável. Cantamos, tamboreamos e louvamos aos céus àquela noite doce, sem pernilongos, cheirando à canela queimada e com o sabor de licor de jabuticaba, que bebíamos.

A lua já ia alta e redonda no céu e eu estava eufórica. Levantei descalço. Ri e disse que precisava dar uma volta. No acampamento, alguns amigos já haviam ido dormir em suas barracas, porém, eu, André e Pedro ainda estávamos lá, quando me afastei, vi o contorno flamejante deles diminuindo. Procurei por um longo momento os olhos de André, mas ele não os tirou do violão. Pedro, porém, olhava fixamente para mim. Mergulhei na trilha procurando um bom lugar para fazer xixi, ouvia  a melodia do violão abafada.

Então, Pedro surgiu.

Apertou meus braços com uma força improvável e desnecessária. Também estava fugindo -não sei bem do quê, mas estava - não me importavam os motivos dos outros. Pedro era o melhor amigo de André. E eu nem sabia ao certo quem era aquele guri. Nem ele, nem eu. Então, ele afrouxou os dedos em meu braço mas seu toque permaneceu, gentil. Queria saber se eu estava bem. 

Senti-me triste, de repente, e curiosa e faminta e não entendia bem o porquê.

André era bom em acender fogueiras e construir um abrigo e preparar nossa janta. Mas Pedro era bom em seguir garotas bêbadas.

Voltamos à fogueira, tomamos o penúltimo gole da última garrafa de licor, mas isso me pareceu irrelevante, não suportaria outro gole sequer, sorria, sorria para tudo que diziam como uma perfeita idiota, mas eles riam também, ríamos todos tolos e era tão bom, como se fôssemos um hábito saudável ao sábado, praticado durante muitos anos.

Pedro puxou minha mão. Nadamos nus na cachoeira sem nos tocarmos. E, após o choque térmico, fumamos e conversamos baixinho. Tremia muito, dentro da minha toalha. Depois, voltamos molhados, com frio e em silêncio para nossas barracas. A bebedeira havia desaparecido completamente. Eu mal fechei os olhos e o céu deu à luz um novo dia.

Na noite seguinte,  André procurou por galhos e madeira sozinho, recusou minha companhia, e acendeu a fogueira com um olhar triste de compreensão. André, tão familiar e tão estranho, tão próximo e tão distante, absorto em elucubrações e uma atitude taciturna. Eu ansiava por André em meu íntimo, em meu coração, mas ele era um muro sem brechas. Por não poder beijá-lo compensei minha frustração bebendo exageradamente o licor de jenipapo que compramos no dia anterior, naquele passeio de carro em que me senti tão confortável e feliz ao lado dele. 

Quando notei, estava cambaleando rumo à cachoeira e me vi nadando com Pedro, novamente. Deixei minha toalha cair mecanicamente, desnudando-me. Era realmente uma ideia tresloucada e sedutora, e me atirei da pedra para o rio escuro.  Deixei que o frio me invadisse, os cachos macios dos  meus cabelos, enroscando-se em mim. E meus lábios tremiam, o frio cobriu meu corpo quente como cristais de gelo a cobrir uma viga de ferro em brasa.

De qualquer forma, já havíamos feito isso antes. Na água, ainda de olhos fechados, mergulhamos. Mas dessa vez, ele se aproximou mais, com um olhar voraz de fome, sentia sua respiração quente e ofegante em meu rosto, sem qualquer cerimônia, deslizou seus dedos para dentro de mim, girou-os suavemente, sentindo cada cavidade íntima. Ao mesmo tempo, massageava-me com muito cuidado. Meu corpo arqueado na pedra. Resistindo e cedendo, tremendo, sobretudo.

Entre meu ofegante querer e sua resoluta vontade, cada pedaço de pele, meus olhos, tremeram até as lágrimas. Ele queria sentir até o sabor de minhas pupilas.
Eu o comprimi com minhas mãos, querendo-o ainda mais intensamente, sua língua deslizava lenta e rapidamente, dançava roque, balada, sonata em fuga. Enlacei minha perna a sua cintura e sugava seu gosto e seu cheiro com todas minhas forças, como se a sua saliva e aquele resfolegar fossem um banquete delicioso oferecido a um animal faminto.

Gozar não diz nada sobre o que senti. Sobre como me senti. A lua cheia simplesmente aumentou de tamanho, eu podia jurar. Mas é por não haver um dizer, que fiquei em silêncio, abraçada ao meu próprio corpo, depois, flutuei nas águas gélidas da madrugada e foi assim que conheci a Paixão de Pedro. 


Voltamos de mãos dadas. O mundo estava em silêncio. Exceto por aqueles sons longínquos de sapos, cigarra, cigarros, e o dedilhar delicado de André ao violão, nos abraçamos até o amanhecer. Após um intervalo de dois dias, André, finalmente, olhou para mim.